A natureza do PSOL preservada. E a inocultável derrota de Boulos e companhia
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A natureza do PSOL preservada. E a inocultável derrota de Boulos e companhia

Uma análise da definição do PSOL sobre a participação no governo Lula.

Leandro Fontes 18 dez 2022, 17:48

Não há dúvidas que o PSOL se encontrava numa encruzilhada, uma vez que estava colocada a hipótese do partido ingressar com cargos no governo Lula, posição sustentada pelas correntes Revolução Solidária de Boulos e pela Primavera Socialista de Juliano Medeiros. Quer dizer, nada mais e nada menos do que organizações de proa do campo majoritário do partido. Porém, a resolução aprovada, mesmo com seus limites oriundos da relação de forças interna, é um triunfo contundente daquelas e daqueles correligionários da estratégia vinculada com a independência do PSOL.

Portanto, não deixa de ser patética a tentativa de narrativa de que “Grupo de Boulos vence disputa no PSOL, e partido apoiará o governo Lula”, conforme expressava notícia que circulou em grupos do partido e em redes sociais. Ora, em primeiro lugar, não havia no debate interno a possibilidade do PSOL se declarar oposição ao governo que ajudou a eleger na disputa contra Bolsonaro. Em segundo, como aquele que defendia abertamente o ingresso no governo com cargos e lugar de comando em ministérios venceu sendo que a resolução determinante do Diretório Nacional do partido expressa textualmente o oposto? De tal forma, a posição manifestada: “o PSOL não terá cargos na gestão que se inicia” (resolução, 17/12/2022) é objetiva, logo, traduz que a vitória política foi do campo que teve Sâmia Bomfim, como porta-voz pública da linha da independência.

Embora haja um contorno de compromissos com o novo governo, em grande medida justificáveis frente ao avanço inconteste da extrema-direita golpista e da tragédia do governo Bolsonaro, no fundamental o partido não perdeu sua natureza. Assim sendo, o PSOL que não irá apoiar a reeleição de Arthur Lyra para a presidência da Câmara Federal, posição distinta do bloco parlamentar dirigido pelo PT, decidiu não entrar formalmente no governo. Essa decisão enterra a linha expressada por Luiz Araújo e Boulos de que “o terceiro governo Lula estava em disputa e, para tanto, era preciso assumir cargos no governo para disputá-lo para à esquerda”.

Isto é, está claro que as correntes neoreformistas do partido, Primavera Socialista e Revolução Solidária, que estavam ávidas para se incorporarem na poderosa máquina do governo federal, não tiveram força política para manter o chamado campo Semente sob sua hegemonia, que corretamente se colocou contrário a política de assumir cargos. Logo, a saída para Boulos e a Primavera Socialista foi recuar e negociar uma resolução contendo “mediações” (também defendidas em parte pelo campo Semente), que não incluía, evidentemente, o eixo estrutural de sua política: o de composição com cargos. Por outro lado, a ala que encabeçou a linha da independência, com responsabilidade real no partido e votos na instância de decisão, não podia abrir margem para três ou mais resoluções que ameaçasse a orientação fundamental: que o PSOL não iria assumir cargos no governo. Desse modo, por 53 votos a seis, com uma abstenção, a resolução do Diretório Nacional aparenta “acomodar” posições, mas, sua essência, de não composição de cargos, corresponde ao um não à política encabeçada por Boulos.

Portanto, a resolução possível no Diretório Nacional não é algo menor. Mas, alguns podem dizer: “para além da especificidade de Sônia Guajajara, essa resolução abre caminho de exceções para que filiados possam assumir cargos, tendo somente que se licenciar de instâncias de direção do partido”. Entretanto, é preciso ter outro olhar para essa resolução, um olhar que Boulos e Juliano Medeiros, baluartes do PSOL na equipe de transição de Lula, não conseguiram aprovar sua política de composição. De tal maneira, em meio à carnificina da partilha dos ministérios, o PSOL, ou melhor, a ala adesista do partido, perdeu muita força na caneta de Lula.

O próprio Juliano Medeiros, presidente nacional do partido, em declaração para O Globo (18/12/2022), disse que “o PSOL não vai indicar ministros”. Na mesma matéria do jornal foram ouvidas três parlamentares do MES, a líder da bancada federal psolista, Sâmia Bomfim declarou: “A resolução é taxativa e não diz que não pedirá, diz que não terá cargos. Então ela não autoriza Boulos”. Já Mônica Seixas, deputada estadual de São Paulo, “afirmou que o resultado da votação é uma vitória sobre a proposta defendida pelo deputado federal Guilherme Boulos e pelo presidente Juliano Medeiros, principais entusiastas da participação da legenda no governo”. De forma, Mônica declarou: “O Boulos e Juliano sempre defenderam indicar cargos em ministérios e no segundo escalão. Seu bloco no interior do PSOL não concordou. E, portanto, se estabeleceu uma negociação que o resultado é a resolução. Por fim, a deputada federal gaúcha, Fernanda Melchionna disse ao Globo que “não precisamos de cargos para defender medidas a favor do povo. Por outro lado, nossa independência é fundamental para enfrentar a extrema-direita e o centrão”.

A matéria do Globo baliza a configuração da polarização interna do partido e joga luzes sobre a divisão política do campo “PSOL de Todas as Lutas” (PSOL Popular e Semente). O que traduz que no PSOL existe vida para além dos interesses particulares e de camarilhas burocráticas presas ao aparelho partidário e aos cargos nas superestruturas. Todavia, a resolução do Diretório Nacional foi a melhor possível dentro da correlação de forças interna, contendo, sobretudo, a não adesão a ministérios e a cargos no governo. E esse é o fator político determinante e estratégico para o futuro do partido.

Além disso, está nítido que o novo governo terá limites para atender as pautas imediatas da classe trabalhadora e da maioria do povo. Por outro lado, haverá dentro do governo uma forte tendência para que os modus operandis da economia continuem, em essência, privilegiando os grandes capitalistas, os bancos, o agronegócio e os ricos. Por isso, entre outros pontos, foi um grande acerto o PSOL não assumir cargos no governo claramente burguês e de reconciliação pelo alto da Nova República. Entretanto, é papel do PSOL estar na primeira fila daquelas e daqueles que seguiram no enfrentamento contra fascismo bolsonarista, exigindo punição aos seus crimes, e na defesa de um plano de emergências para o país (emprego, salário, moradia, comida mais barata, socorro às universidades e ao ensino básico, defesa da Amazônia e dos povos originários, das mulheres, da negritude e da população LGBTQIA+), destruído por Bolsonaro e seus aliados. Para tanto, o PSOL estará de modo independente apoiando todas as medidas e proposições que fortaleçam essa orientação, atuando nas bases das estruturas da sociedade e no parlamento.

Portanto, distinto do que afirma textualmente organizações políticas que respeitamos, embora sectárias e esquerdistas, como o PSTU, o MRT e figuras que circulam em espaços de opinião como Nildo Ouriques, o PSOL, enquanto um projeto anticapitalista e alternativo à hegemonia lulopetista, segue vivo, em construção e em disputa. Ou seja, o PSOL continua sendo um lugar privilegiado para os marxistas revolucionários se agruparem no Brasil e desenvolverem um projeto comum, avançando para uma direção política de ação e comprometida com as causas dos trabalhadores, tendo como horizonte a estratégia do socialismo. Contudo, o caminho é árduo e exige tenacidade, os obstáculos externos e internos não são pequenos, porém, fora do PSOL há exemplos de dificuldade de romper com a marginalidade política (caso do PSTU, MRT e do PCB e UP, os dois últimos de matriz stalinista) ou o da adaptação ao regime burguês escolhida conscientemente pelo PT. Por isso, o PSOL segue necessário e disputar seu rumo é tarefa do dia.


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