Um “quadrilhão” contra o Brasil

De líder da oposição legal ao regime militar a “quadrilhão” denunciado no STF, a trajetória do PMDB exemplifica o apodrecimento da Nova República.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 15 set 2017, 14:36

Nesta quinta-feira, Michel Temer recebeu a mais nova “flechada” de Rodrigo Janot. Desta vez, a PGR denuncia Temer e a cúpula do PMDB da Câmara – os presidiários Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, além do “homem da mala” Rodrigo Rocha Loures – por formação de organização criminosa. A denúncia baseia-se nas delações do operador Lúcio Funaro, da JBS e nas investigações da Polícia Federal sobre o “quadrilhão” do PMDB, nome que não poderia ter sido melhor escolhido. Segundo relatório da PF enviado ao STF na terça-feira e a nova denúncia de Janot, Temer é o chefe de uma organização criminosa que teria distribuído ao menos R$ 587 milhões em propinas, parte de um esquema de nomeações e loteamento de cargos em estatais e órgãos como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Integração Nacional e a Secretaria de Aviação Civil. As movimentações realizadas por esta quadrilha por meio de contratos superfaturados com empreiteiras na Petrobrás podem superar os R$ 5 bilhões.

Além disso, Temer também foi acusado por obstrução de Justiça, já que a seu pedido, como mostra o organograma da PF, Joesley teria realizado pagamentos para manter o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro – que confirmou as acusações em seu acordo de delação premiada.

O governo tenta manter a aparência de que as graves denúncias contra a cúpula do PMDB não trarão instabilidade, já que o noticiário está repleto de “fatos novos”, com denúncias diárias que dificultam ao público ter algum foco, e pelo pântano em que terminou a delação da JBS, com suspeitas de ocultamento de informações e participação ainda não esclarecida do ex-procurador Marcelo Miller na organização da denúncia de Joesley Batista.

No entanto, as denúncias da PGR coroam uma semana tensa para Temer. Além do relatório da PF sobre o “quadrilhão” do PMDB, o juiz Luís Roberto Barroso, do STF, autorizou abertura de mais um inquérito contra Temer e Rocha Loures desta vez por favorecimento da empresa Rodrimar, que atua no porto de Santos, na edição de regras para o setor de terminais portuários. As suspeitas de atuação de Temer na Companhia das Docas de Santos remontam à década de 90 e este novo inquérito, que pode gerar uma terceira denúncia contra Temer na Câmara, tem potencial explosivo. Não à toa, o investigado reagiu com ira, dizendo que os que lhe acusam são “facínoras que roubam do país a verdade”.

Se as declarações de Temer há muito não gozam de qualquer crédito aos ouvidos de um povo que o rejeita e despreza quase unanimemente, a fotografia das caixas e malas do apartamento de Geddel Vieira Lima em Salvador é significativa do modus operandi da cúpula peemedebista.

Geddel, uma mala cheia de significados

Na semana passada, a Polícia Federal estourou o que seria um bunker de Geddel Vieira Lima em Salvador: no interior do apartamento desabitado, caixas e malas imensas escondiam o que se tornou a maior apreensão de dinheiro em espécie da história do país. Foram necessárias horas de trabalho e máquinas para contar os R$ 51 milhões escondidos no apartamento. Especulou-se na imprensa, a partir de imagens divulgadas de câmeras de segurança da vizinhança, que dias antes da primeira prisão de Geddel, algumas caixas e malas teriam sido retiradas do edifício. A montanha de dinheiro encontrada poderia ser apenas o resquício de movimentações muito superiores. Sabendo-se quem é Geddel, não se trata de especulação fortuita.

Ex-anão do orçamento, Geddel Vieira Lima foi, junto com seu partido, membro dos governos FHC, Lula e Dilma, além de ter sido personagem central nas conspirações palacianas que culminaram no golpe parlamentar contra Dilma e na ascensão do que seria o governo do “quadrilhão” do PMDB (de seis membros desta cúpula, três estão na cadeia e os outros três ocupando cargos no Planalto). Sempre voraz e homem de confiança de Temer, Geddel, entre outros crimes, é acusado de receber R$ 20 milhões em propinas para liberar empréstimos da CEF, quando foi vice-presidente do banco indicado por Temer durante o governo Dilma. Nos anos de 1994 a 1998, servindo a FHC, Geddel aumentou seu patrimônio em 364%, comprando imóveis e fazendas, segundo o jornalista Jânio de Freitas.

Lúcio Funaro, ex-operador financeiro do PMDB, mostrou em sua delação como Geddel, Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco estavam relacionados nos pedidos de propina e financiamento ilegal de campanha para a Odebrecht e JBS. Segundo Funaro, por exemplo, parte do dinheiro recebido no escritório de José Yunes, melhor amigo de Temer, para caixa 2 de campanhas em 2014, teria sido posteriormente enviado em um jatinho para Geddel na Bahia.

PMDB, histórico que se confunde com a Nova República

A figura lamentável de Geddel, voraz, arrogante e há quase 30 anos impune, expressa como poucas o papel cumprido pelo PMDB em todos os governos das últimas décadas. Trata-se de um partido que se tornou um dos principais pilares do regime, frequentando indistintamente os governos em busca de cargos, negociatas e propinas. De líder da oposição legal ao regime militar a “quadrilhão” denunciado no STF, a trajetória do PMDB exemplifica o apodrecimento da Nova República.

No estertores da ditadura, o partido converteu-se no fiador da transição pactuada entre os militares, a elite civil que foi parte do regime e os opositores consentidos. Na eleição indireta de 1985, a chapa de Tancredo Neves e José Sarney (que então representava os dissidentes do PDS e depois também ingressaria no PMDB) representou este pacto, pelo qual a anistia aos torturadores e criminosos da ditadura seria mantida, os apoiadores civis, trânsfugas da ditadura, garantiriam seu espaço na nova ordem e aspectos fundamentais da ordem econômica e política seriam mantidos inalterados nas discussões da Constituição de 88.

Pouco a pouco o partido assumiu sua predileção em ser o “centro” político do país, com sua enorme bancada parlamentar, para garantir no Congresso estabilidade e maioria aos governos por meio dos arranjos corruptos de loteamento do Estado que a Ciência Política nacional nomeou “presidencialismo de coalizão”. De partido da oposição burguesa democrática aos militares e fiador da “Constituição cidadã”, o PMDB tornou-se a máquina corrupta dos caciques e oligarquias regionais alimentados pelo financiamento ilegal de campanhas e o enriquecimento de seus dirigentes por meio de propinas e do parasitismo da máquina pública. Sarney, Calheiros, Alves, Jucá, Vieira Lima, Barbalho, Lobão, Cabral, Loures, Maggi… A lista das famílias que comandam o partido é longa e conhecida do povo brasileiro.

Aos vampiros, é perigoso expor-se à luz do sol

Em 2016, a necessidade e a oportunidade empurraram o PMDB a um protagonismo público que há muito o partido não tinha. Acostumados às negociatas de bastidores, a crise do governo Dilma e a necessidade de “estancar a sangria” para fugir da cadeia, levou a cúpula do PMDB a conspirar abertamente – e, segundo a delação de Funaro, por meio da compra de votos descarada na Câmara coordenada por Cunha e Temer – para desalojar seus parceiros combalidos do PT e assumir integralmente o governo.

Para fazê-lo, Temer ofereceu-se a “unificar o país” aplicando com mais capacidade o ajuste fiscal iniciado por Dilma (com o programa “Ponte para o Futuro”) e garantindo “estabilidade” com o controle das investigações da Lava Jato. O PMDB, assim, organizou uma coalizão para combinar os interesses do “quadrilhão” e do “mercado”. Para atender aos últimos, foi escolhido Henrique Meirelles – ex-banqueiro, homem de confiança de Wall Street, ainda hoje elogiado por Lula –, quem ocupava àquela altura a posição de presidente do conselho de administração da J&F dos irmãos Batista!

A divulgação dos novos áudios de Joesley colocou em xeque o papel da PGR nas investigações, o que levou o governo e muitos analistas a proclamar o “fim da Lava Jato”. Parece que ainda é cedo para celebrarem o estancamento final da sangria, como mostraram as novas flechas de Janot contra Temer e as primeiras revelações de Palocci – que deve em breve assinar delação premiada – recolocando o PT e Lula mais uma vez na linha de tiro das investigações, desta vez pela voz de um legítimo “guerreiro do povo brasileiro”, que também tem informações fundamentais sobre as relações dos governos do PT com o sistema financeiro e as corporações de mídia.

É preciso uma revolução democrática para liquidar os “quadrilhões” da casta

Diante dessa situação, fica mais uma vez evidenciada a necessidade de que a esquerda socialista tome para si a tarefa de denunciar e lutar contra a corrupção, unindo-a ao enfrentamento sem quartel contra o ajuste do capital contra o povo. Este último, por sinal, avança quanto mais a casta corrupta logra estabilidade e sobrevida. A desmontagem da greve geral de 30 de junho abriu caminho para a aprovação da reforma trabalhista e para a derrota no Congresso da primeira denúncia contra Temer. Esta é uma lição amarga sobre a qual o ativismo deve refletir.

Como afirmamos em nossa tese para o VI Congresso do PSOL,

“A crise é também da Nova República, um regime governado por uma casta minoritária a serviço das grandes corporações, que declarou uma guerra a pobres, trabalhadoras/es, negras/os e mulheres, que são a maioria do povo. Não basta apenas uma reforma política: é necessária a mobilização popular por uma Assembleia Popular Constituinte: novas instituições, com outra forma e funcionamento, para desenvolver uma ‘revolução política’ contra o velho regime e seus partidos, carentes de qualquer confiança. (…)

Devemos apresentar, também, medidas como a cassação dos corruptos e o confisco de seus bens; a revogabilidade dos mandatos; o controle público sobre obras e o orçamento dos governos. Não basta prender empresários corruptos: é preciso expropriar as empresas envolvidas nos escândalos de corrupção, como a Odebrecht e a JBS”.

Esta é a melhor forma de os socialistas retomarmos o protagonismo do debate político nacional, desnudando a hipocrisia de variantes de direita como Doria (que negocia abertamente apoio dos corruptos PMDB e DEM para viabilizar-se candidato a presidente) e o protofascismo de Bolsonaro. Unir a luta contra o ajuste à luta contra a corrupção, com a autoridade de não ter participado de nenhum dos esquemas da Nova República, defendendo uma saída democrática para que o povo, a partir de suas mobilizações, protagonize uma revolução política pela refundação das instituições brasileiras: eis o caminho que o PSOL pode e deve vocalizar nas lutas cotidianas e na construção do programa e de uma candidatura para 2018.


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Pedro Micussi