Socialistas brasileiros na construção do partido e na luta contra a direita
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Socialistas brasileiros na construção do partido e na luta contra a direita

Entrevista ao site dos EUA The Call com dois líderes do PSOL discutindo a situação política internacional, a construção de movimentos e partidos, as relações com o PT e a luta contra a extrema direita

Mariana Riscali, Neal Meyer e Pedro Fuentes 15 set 2023, 10:01

Foto: Luciana Genro

Via The Call

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Brasil foi formado em 2004 depois que alguns de seus membros fundadores foram expulsos do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2003 por se oporem aos cortes nas pensões propostos pelo governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas reformas também tiveram a oposição dos trabalhadores do setor público. Atualmente, o PSOL é uma força política significativa no Brasil, com mais de 290.000 membros no partido, uma forte ala jovem e ativistas inseridos em movimentos sociais e sindicatos. O PSOL também tem 13 deputados na câmara baixa do Congresso Nacional do país e muitos outros políticos eleitos em nível estadual e municipal. Embora menor do que o Partido dos Trabalhadores, de centro-esquerda, nas eleições gerais de 2022 seus candidatos à Câmara dos Deputados receberam um total de 3,9 milhões de votos, contra 13,2 milhões do PT.

Para os socialistas democráticos dos EUA que buscam criar um novo partido de esquerda, o PSOL é um ponto de referência importante (assim como o PT). O DSA tem cerca de 70.000 membros, um punhado de autoridades eleitas no Congresso (embora, em sua maioria, não se coordenem com o DSA) e dezenas de autoridades eleitas em nível estadual e local. Assim como o PSOL, o DSA é uma organização de várias tendências que trabalha para se implantar nos movimentos sindicais, sociais e estudantis. E, assim como o PSOL, o DSA está lidando com o desafio de combater uma poderosa extrema direita e, ao mesmo tempo, disputar a lealdade da classe trabalhadora e das forças populares com um partido de centro-esquerda muito maior. Sem mencionar que tanto o PSOL quanto o DSA estão se organizando em países de tamanho continental, com populações enormes e histórias profundas de racismo e colonialismo. É claro que há diferenças significativas – a mais importante delas, de longe, é a tarefa do DSA de lutar contra o imperialismo dos EUA a partir do ” estômago da fera”. Mas, à medida que o DSA leva mais a sério a construção e organização de partidos, torna-se cada vez mais necessário aprender com os companheiros que realizam trabalhos semelhantes em outros países. Esta entrevista com os companheiros do Brasil é a primeira do que esperamos que seja uma série de discussões com companheiros de partidos e movimentos de todo o mundo.

Para essa entrevista, o editor do The Call, Neal Meyer, conversou com Pedro Fuentes e Mariana Riscali para obter suas perspectivas sobre a situação política mundial, a organização no Brasil e os debates estratégicos dentro do PSOL. Pedro é membro fundador do PSOL, o primeiro secretário internacional do partido e líder do Movimento Esquerda Socialista (MES), uma tendência política dentro do partido. Mariana é membro do comitê de liderança do MES e tesoureira do PSOL.


Estamos falando em um momento de grande incerteza para a classe trabalhadora internacional, para a esquerda e para outras forças progressistas. Estamos vendo o retorno das rivalidades entre imperialismos, com os EUA e a Europa enfrentando a Rússia e a China. Os sinais de uma nova crise financeira estão se formando. A crise climática se torna mais aguda. Os ataques da extrema direita aos direitos das minorias raciais, das mulheres, dos homossexuais e dos povos indígenas estão se intensificando e se tornando mais coordenados em todo o mundo. Qual é a sua perspectiva sobre a situação política internacional? Como os socialistas devem reagir ao retorno das hostilidades inter-imperiais?

Pedro Fuentes: Sua pergunta contém vários aspectos, todos muito importantes. Concordamos que estamos vivendo em um período de incerteza sobre a situação mundial. O que está causando tantas incertezas? Há uma série de crises inter-relacionadas do sistema capitalista: a crise econômica, a crise climática (ambas com tremendas repercussões para a vida dos trabalhadores, especialmente os do Sul Global que vivem sob o imperialismo), uma profunda crise social e também uma crise na ordem mundial. A guerra na Ucrânia como resultado da invasão russa ocorre no contexto do acirramento da competição interimperialista que você mencionou. A crise dos regimes democráticos burgueses e a ascensão do autoritarismo xenófobo, que, entre outras coisas, também nega a crise climática e as liberdades individuais, faz parte de uma situação de desordem mundial. É uma crise multidimensional que mostra o estado de agonia do capitalismo. Como diz o economista inglês Michael Roberts, o capitalismo já ultrapassou seu prazo de validade.

A contradição é que a alternativa a esse sistema, que é o socialismo internacional, está muito atrasada em relação à crise que estamos enfrentando porque a consciência socialista sofreu um retrocesso como consequência das experiências fracassadas do “socialismo de fato” que existiu para um terço da humanidade (Rússia, países do Leste Europeu, China…). Era um socialismo mal designado, porque faltavam dois elementos fundamentais do socialismo: primeiro, a democracia dentro desses Estados (ou seja, as liberdades necessárias para o avanço do socialismo no país e no mundo) e, segundo, a luta para espalhar a revolução e, assim, avançar contra o capitalismo em escala mundial.

Qual é a perspectiva da situação mundial? O capitalismo não morre por si só; sem luta de classes, sem revoluções, se não construirmos essa alternativa anticapitalista, ele nos levará à barbárie. A dicotomia de Rosa Luxemburgo de “socialismo ou barbárie” de cem anos atrás está mais presente do que nunca. Vamos pensar que a crise climática marca uma data de vida para a humanidade. O avanço da direita autoritária é “mais coordenado”, e eu diria também que será mais agressivo e violento. É o inimigo mais perigoso que temos de enfrentar porque nos levaria rapidamente à barbárie.

Mas, ao mesmo tempo, há uma grande resistência no mundo a esse avanço da extrema direita, que podemos dizer que é anticivilizatório. Há outro polo que se destaca e que vem na forma das mobilizações que estão ocorrendo. Um exemplo dos últimos dias é a mobilização da juventude grega em protesto contra as autoridades que foram acusadas de deixar afundar intencionalmente um barco que vinha da Líbia com 700 pessoas que emigraram com grande risco para tentar ter uma nova vida na Europa.

Em toda parte há uma reação, até mesmo na própria China há resistência. A América Latina está assistindo a mobilizações permanentes. Eles ainda não têm uma liderança anticapitalista consistente, mas resistem à direita e enfrentam os planos neoliberais. Estamos otimistas com o que aconteceu na França. Apesar de a reforma da idade da aposentadoria ter sido aprovada, houve uma ruptura política em massa com o neoliberalismo, da qual muitas coisas novas podem surgir. O mesmo acontece com a situação da classe trabalhadora nos EUA. Não é um processo que já possa ser marcado como a característica fundamental da política americana, mas, ainda assim, é um processo – poderíamos dizer ainda subterrâneo – que vai mover as placas tectônicas do imperialismo americano. Em outras palavras, para os socialistas, a luta está aberta e estamos tão entusiasmados quanto vocês com as oportunidades que estão surgindo. Na classe trabalhadora, em suas mobilizações e nas de outros setores oprimidos, temos de estar presentes para tomar medidas para construir essa alternativa anticapitalista. É uma tarefa difícil, mas não impossível.

Com relação à disputa entre China-Rússia e EUA-Europa, acreditamos que é errado pensar que há imperialismos bons e imperialismos ruins, ou seja, que há um campo imperialista progressista que devemos apoiar. A China também é um Estado imperialista – embora emergente – mais recente nesse papel do que os EUA, mas não menos agressivo por isso, principalmente do ponto de vista econômico. No caso da América do Sul, a China passou a desempenhar um papel mais importante do que os EUA. Seus empréstimos a países são feitos com taxas de juros tão altas ou mais altas do que as do mercado financeiro global. (Ela extrai a mais-valia das fábricas instaladas na região e desempenha um papel fundamental na extração de minérios e na consequente contaminação ambiental. Sua capacidade militar está aumentando rapidamente e, embora não tenha a força dos Estados Unidos, à medida que sua influência econômica aumenta, ela também crescerá militarmente.

Por essas razões, nossa linha divisória para definir os aliados que temos é determinada não por países, mas entre os exploradores e os explorados e entre os países imperialistas e a autodeterminação dos povos. É por isso que estamos juntos com o povo ucraniano contra a invasão estrangeira, com os palestinos em sua luta pela reconquista de seu território e com os trabalhadores e setores oprimidos de todo o mundo. Estamos comprometidos com o ressurgimento do internacionalismo dos trabalhadores, ajudando o internacionalismo de todos os oprimidos.

O povo do Brasil derrotou o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro em outubro de 2022. Seu sucessor, Lula, do Partido dos Trabalhadores, assumiu o cargo em janeiro. Qual é a sua análise do governo de Lula até o momento? Houve avanços progressivos? Retrocessos?

Pedro Fuentes: Sim, a derrota de Bolsonaro foi uma vitória muito importante. Se ele tivesse vencido, estaríamos testemunhando uma mudança de regime que teria liquidado todas as liberdades democráticas. Estaríamos a caminho de um totalitarismo com traços fascistas. Essa perspectiva se fechou, o que não significa que o “bolsonarismo” esteja acabado; ele perdeu o poder, mas mantém muita força, pois seu partido conseguiu chegar ao parlamento com uma força significativa e continua a manter o apoio de um setor da burguesia – especialmente no agronegócio – e tem 20% da população que o segue, especialmente na classe média alta. Algo semelhante (não exatamente o mesmo, no entanto) ao que aconteceu nos EUA com Trump.

Lula triunfou em uma coalizão que incluía setores importantes da burguesia. Seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, é um dos representantes dessa classe. E seu gabinete é composto por uma mistura de membros do PT, bem como representantes mais diretos de partidos burgueses, incluindo a União Brasil, o Movimento Democrático Brasileiro, que até faziam parte ou apoiavam o governo Bolsonaro.

Por outro lado, e isso é fundamental para caracterizar o governo, o PT há muito deixou de ser um partido independente. Ele se assimilou ao regime burguês quando começou a ganhar eleições e a assumir o governo de cidades e estados, abandonando seu programa original. Definimos esse governo como burguês, porque a burguesia e seus agentes comprovados, como o PT, estão no poder.

Há figuras mais independentes no gabinete, como Silvio Almeida no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, ou a líder indígena e membro do meu partido, PSOL, Sônia Guajajara, no Ministério dos Povos Indígenas. Mas eles são uma concessão à esquerda por parte do restante do governo. Na história, a burguesia ou seus agentes nunca governaram de forma contrária aos seus interesses. Podemos dizer que é um tipo de governo burguês com uma política social liberal, de conciliação de classes, mas um governo burguês, afinal, com características semelhantes aos governos social-democratas europeus.

Certamente criou expectativas que ainda são mantidas, em menor grau, como resultado das concessões feitas por Lula em seus dois governos anteriores. Naquela época, havia uma situação econômica favorável devido aos preços das matérias-primas no mercado mundial e, por esse motivo, ele pôde fazer algumas concessões aos trabalhadores. No entanto, agora estamos em uma situação diferente. O Brasil faz parte da crise mundial que mencionamos anteriormente e que obriga os governos a aplicar fortes planos de ajuste econômico a serviço da grande burguesia.

Por outro lado, temos um parlamento onde o bloco do governo é minoria e não está disposto a mobilizar apoiadores – como fez o presidente Gustavo Petro na Colômbia quando seus planos de saúde não foram aprovados no legislativo. O Congresso acabou criando um projeto de plano de gastos do governo que limita os gastos sociais com um teto rígido que, em vez disso, priorizará o pagamento da dívida pública aos banqueiros e ao capital financeiro em geral. No entanto, houve alguns avanços com o pagamento de uma bolsa família para famílias carentes e no campo da defesa da população indígena Yanomami, que estava à beira da extinção devido à fome e às doenças causadas pela política do governo anterior. Mas, ao mesmo tempo, a maioria burguesa votou recentemente a favor de um limite para a terra ocupada pela população indígena definida pela constituição de 1989. Mas agora a área ocupada pelos povos indígenas é muito maior do que há 30 anos, e o agronegócio quer recuperar esses territórios. Essas terras devem ser desmatadas e entregues ao agronegócio.

E quanto à direita? No início de junho, o Partido Liberal, de direita, lançou um ataque contra os parlamentares de esquerda do Partido dos Trabalhadores e do PSOL. Qual é a estratégia da direita? Quais são suas chances de voltar ao poder do Estado?

Pedro Fuentes: A direita perdeu o poder, mas mantém força na Câmara dos Deputados (o Partido Liberal, do qual Bolsonaro faz parte, tem o maior número de deputados, 100 de 504), como força social com 15 a 20% da população como apoiadores firmes, e também como um poder sério nas forças armadas e na polícia (onde é especialmente forte nos níveis intermediários de comando). A direita também mantém sua influência nas mídias sociais. Na Câmara dos Deputados, a bancada evangélica e a bancada do agronegócio compõem uma parte importante da ultradireita.

Seis deputadas, Célia Xakriabá (PSOL), Sâmia Bomfim (PSOL), Talíria Petrone (PSOL), Fernanda Melchionna (PSOL), Juliana Cardoso (PT) e Erika Kokay (PT), foram encaminhadas ao Conselho de Ética da Câmara, um procedimento que pode culminar com a cassação de seus mandatos. Uma campanha está sendo realizada para defender as companheiras desse ataque que é misógino e politicamente motivado.

Outro duro ataque da direita é contra o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), que foi acusado de violar a propriedade privada e praticar terrorismo. Foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito na qual a nossa deputada Samia Bonfim é líder da defesa do MST. São processos em andamento para os quais deve ser realizada uma ampla campanha de solidariedade aos deputados e ao MST.

A perspectiva futura do bolsonarismo dependerá de duas questões. Uma delas depende de como Lula continuará governando. Se houver uma grande decepção, é claro que a extrema direita, seja com Bolosonaro ou outro líder à frente, crescerá.

A outra depende da possível inelegibilidade de Bolsonaro, que, assim como Trump, enfrenta muitos processos judiciais. Ao contrário do que acontece nos EUA, uma condenação o desqualifica para concorrer a uma eleição por oito anos. Se isso acontecer, no entanto, a direita tem figuras que podem substituí-lo.

As eleições municipais do próximo ano serão uma indicação da força eleitoral que a direita continua a ter. Além dessas perspectivas imediatas, acreditamos que o PSOL continuará a crescer, desde que mantenha uma política firme contra a direita e, ao mesmo tempo, independente do governo.

E quanto à esquerda? Qual é a estratégia do PSOL neste momento? Quais são os debates dentro do PSOL sobre como responder ao governo Lula e combater a direita? Vocês estão principalmente na defensiva ou há oportunidades de ir para a ofensiva?

Pedro Fuentes: O PSOL é um partido com 20 anos de existência. Hoje podemos afirmar que é o partido de esquerda mais importante do Brasil diante da falência estratégica do PT e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), um partido que vem do maoismo e que hoje está em uma aliança com o PT. Ambos os partidos fazem parte da estrutura de poder e estão no governo. Contra aqueles que não acreditavam que fosse possível construir um partido à esquerda do PT, construímos um partido com quase 300.000 membros, incluindo milhares de militantes [organizadores e ativistas] inseridos nos movimentos operário, popular, camponês e estudantil. A representação parlamentar conquistada pelo PSOL demonstrou que era possível construir um partido de esquerda para ocupar o espaço deixado pela decisão do PT de assumir a gestão do Estado burguês e seguir uma estratégia de desenvolvimento do capitalismo nacional. Esse foi o projeto mínimo de fundação do PSOL, com sua estratégia de concorrer como um partido anticapitalista com influência de massa.

Agora, o PSOL está sob pressão da estrutura de poder burguesa e, por isso mesmo, podemos afirmar que ele tem contradições. É um projeto extremamente progressista devido a seu simbolismo, sua base social e parte de sua bancada parlamentar. Possui importantes correntes anticapitalistas. Mas há grandes lacunas e riscos importantes, como a diluição no PT, a falta de um projeto estratégico e uma relação indefinida com o Estado.

Hoje, isso se expressa em um setor considerável da direção do partido que age como se fosse parte do governo; nos referimos a todo um setor que gira em torno de Guilherme Boulos [deputado federal e militante do PSOL] e também do presidente do partido. Por outro lado, há outro setor em que estão aqueles que fundaram o PSOL, que defendem e têm uma política independente do governo. Referimo-nos à nossa tendência MES e a outras correntes que formam um bloco de esquerda. Nada está decidido ainda. O PSOL é um partido vivo, sob pressão de movimentos reais. Foi assim que se recusou a votar no candidato a presidente da Câmara dos Deputados escolhido pelo governo Lula, apresentando seu próprio candidato, e votou contra o projeto orçamentário que estabelecia um limite de gastos e que atingia principalmente a saúde e a educação.

O MES como corrente interna do PSOL está crescendo. Nossa política tem duas tarefas centrais que se combinam. Por um lado, devemos enfrentar a ultradireita e lutar para mandar Bolsonaro e seus parceiros para a prisão. Devemos enfrentar a política de ataque às demandas das mulheres e as políticas xenófobas que essa extrema direita defende e tenta implementar na Câmara dos Deputados. Devemos nos opor às tentativas do agronegócio de invadir terras indígenas. Ao mesmo tempo, somos independentes do governo. Nós o defenderemos dos ataques da direita, mas nosso trabalho é lutar pelos interesses dos trabalhadores e dos pobres.

  1. Nos EUA, há muito entusiasmo com relação ao retorno de um movimento sindical mais militante, de esquerda e democrático. Gostaria de saber como os socialistas do seu partido, o PSOL, estão envolvidos no movimento sindical brasileiro? Os laços entre a esquerda e os trabalhadores são fortes? A maioria dos sindicatos ainda é fiel ao PT? Há uma sensação de que os sindicatos estão preparados para abrir um novo impulso para organizar novos trabalhadores ou estão na defensiva?

Pedro Fuentes: O PSOL como um todo tem sua maior participação no parlamento, mas sua participação sindical vem crescendo, especialmente graças às correntes mais à esquerda e a uma tradição de organização dos trabalhadores em grupos como o MES. Hoje o PSOL como um todo e o MES também são fortes no setor de trabalhadores do serviço público. Em nível federal, temos liderança na maioria dos sindicatos de funcionários e professores de universidades e dirigimos vários sindicatos de professores de educação básica. Ainda somos fracos nos setores de trabalhadores industriais. As exceções são os trabalhadores químicos, os petroleiros, onde temos alguma inserção como PSOL, e recentemente uma seção de trabalhadores metalúrgicos.

Quais são os laços entre a esquerda e os trabalhadores? A maioria dos líderes sindicais é filiada a partidos de centro-esquerda e ao PT. O PT é majoritário nos sindicatos com lideranças burocráticas. A base de filiação é mais frouxa, por enquanto apática. A exceção são as categorias que mencionei, nas mãos de partidos mais populares, como o PSOL. O PT mantém sua força entre os trabalhadores industriais, que por enquanto são os que menos se mobilizaram. Entre os trabalhadores públicos é diferente, porque eles já tiveram alguma experiência com os governos do PT.

Podemos dizer que o movimento sindical ainda está na defensiva. Ao mesmo tempo, as greves estão crescendo entre os professores e os trabalhadores do metrô, e nos petroleiros houve greves importantes. Neste verão, ocorreu uma greve no sindicato dos trabalhadores da educação no Rio de Janeiro, onde o PSOL e especialmente o MES têm a maioria na liderança. A greve tem comitês de greve locais ou seccionais e são realizadas assembleias gerais semanais para decidir o que fazer. Os entregadores também estão organizados e estão realizando ações importantes para exigir seus direitos.

Por outro lado, há as lutas no campo que continuam a definir a atual agenda da reforma agrária. Os movimentos “sem-terra” sofrem um forte ataque do agronegócio, cuja maioria continua apoiando Bolsonaro. O PSOL – e especialmente o MES – tem fortalecido nosso trabalho no campo e conta com militantes no MST, FNL, MLST, Movimento Nossa Terra e Movimento Popular de Luta, todos organizando ocupações de terra.

Também temos que levar em conta os conflitos existentes na floresta amazônica, que é um território estratégico e muito disputado, no qual os povos da região estão sob um cerco mortal, a mando de latifundiários, grileiros, madeireiros e garimpeiros, com o apoio das elites políticas e econômicas rurais e urbanas. O PSOL se fez presente nessa área, que é estratégica e onde os povos indígenas, as comunidades negras quilombolas, os ribeirinhos, os pequenos agricultores e outros trabalhadores rurais que continuam na resistência têm construído processos de reconquista de seus territórios. Ao mesmo tempo, constroem formas de vida e processos de sociabilidade que resistem à noção de tempo e espaço do capital, afirmando valores, culturas e conhecimentos que se opõem à lógica do mercado.

Neste verão, comemora-se o décimo aniversário das revoltas populares de 2013 no Brasil contra o neoliberalismo – as “Jornadas de Junho”. Qual é a situação dos movimentos sociais e populares brasileiros agora, dez anos depois? Quais movimentos desempenham um papel de liderança na luta pelos direitos sociais e na radicalização dos jovens?

Mariana Riscali: Essa é uma pergunta muito importante porque grande parte da mídia brasileira, dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda, incluindo o PT, parece ter esquecido as “Jornadas de Junho”.

Isso acontece entre a elite porque obviamente não é de seu interesse lembrar às pessoas que os protestos em massa são um caminho para conquistas sociais – houve vitórias importantes em 2013, como a redução das tarifas de transporte público, a principal demanda que motivou o início dos protestos.

Entre a esquerda, temos duas formas de entender as revoltas.

Uma maneira de pensar é que, desde o início, as revoltas tiveram uma motivação “antipolítica”. Que foram principalmente as pessoas conservadoras que saíram às ruas. Isso até explicaria por que mais tarde, em 2016, os grandes protestos canalizados pela direita, que contribuíram para o golpe parlamentar que destituiu a ex-presidente Dilma Rousseff, abriram caminho para a direita e para Jair Bolsonaro.

Mas, para nós, isso é um completo mal-entendido ou até mesmo uma distorção intencional do caráter dos protestos de junho. Havia uma enorme insatisfação, e não apenas por causa das tarifas de trânsito, mas também porque o Brasil também foi afetado pela crise internacional que começou em 2008, e uma parte significativa das classes média e baixa sofreu com a redução da renda, com as enormes dívidas e com a redução do investimento em serviços públicos. Houve uma grande rejeição aos políticos e partidos tradicionais, e não podemos esquecer que o PT governou não só com Dilma, mas também com Fernando Haddad, prefeito de São Paulo na época (e hoje ministro da Fazenda de Lula, um dos membros do governo mais apoiados pelos setores liberais).

Quando entendemos isso, não podemos dizer que os manifestantes eram de direita. O que aconteceu foi que uma parte significativa da esquerda, especialmente o PT que estava no governo, não sabia, ou nem sequer tentou entender e responder a essa insatisfação econômica, social e política geral. E isso abriu caminho para que a direita abordasse esses sentimentos e se apresentasse como uma alternativa.

Como socialistas revolucionários, temos de apoiar e incentivar as mobilizações de rua e defender a auto-organização coletiva dos movimentos sociais. E é por isso que, como MES, estamos lembrando o aniversário de 10 anos das “Jornadas de Junho” como uma forma de reforçar a importância da mobilização de rua e dos movimentos sociais. Mesmo agora que derrotamos Bolsonaro eleitoralmente, a organização dos movimentos sociais e da classe trabalhadora é a maneira mais forte de alcançar a mudança social. Alguns movimentos ligados ao PT tentarão “esfriar” ou parar as mobilizações para proteger Lula. Defenderemos o governo Lula contra um ataque da direita, mas temos certeza de que é necessário manter a mobilização para lutar por nossos direitos. Um exemplo de um movimento que desempenha um papel importante entre os jovens é o Juntos! (Juntos!), um movimento de jovens e estudantes organizado pelo MES, que desempenhou um papel importante nas mobilizações de 2013 e continua a crescer em escolas secundárias e universidades em todo o país.

Como está o PSOL atualmente? Qual é a base social do partido? Qual é a política do PSOL em relação ao PT? Quantos membros o partido tem? Quantos deputados eleitos?

Mariana Riscali: O PSOL é hoje o segundo maior partido da esquerda brasileira, com cerca de 300 mil filiados, 13 deputados federais, 22 deputados estaduais e 88 vereadores em 14 estados do país. O PSOL tem uma base sólida, principalmente em uma base de funcionários públicos, especialmente na educação. O movimento estudantil e entre os jovens em geral é uma parte importante de nossa base social. O PSOL também ocupa um espaço muito grande entre setores da vanguarda feminista, negra, LGBTQIA+, onde, para nós do MES, é necessário ir além das demandas por representação, mas também garantir que o PSOL seja consistente na defesa desses grupos onde eles são mais afetados pela desigualdade social, ou seja, entre a classe trabalhadora.

Nossa política em relação ao PT é parte de um debate mais amplo sobre a estratégia do PSOL diante da nova situação brasileira, com a eleição de Lula. Há setores do partido que defendem fazer parte do governo do PT, apoiando e votando a favor de seus projetos de lei e ocupando cargos no executivo. Nós do MES, junto com o que é considerado a “ala esquerda” do PSOL, achamos que o partido deve ser independente. Somos independentes do governo no sentido de que criticamos as medidas antitrabalhistas que ele toma, etc. Ao mesmo tempo, defendemos o governo quando ele é atacado pela extrema direita e não abrimos mão da unidade com o PT necessária para combater a extrema direita e o bolsonarismo. Mas somos capazes de ter a independência necessária para defender um programa de esquerda. O PSOL deve indicar soluções diferentes quando as políticas do governo estiverem em contradição com os interesses dos trabalhadores e dos movimentos sociais. E essa política do governo contra os interesses dos trabalhadores está acontecendo.

Por fim, o MES é um membro fundador do PSOL. Qual é a força do MES no momento? Quais são suas principais áreas de trabalho? Qual é a visão do MES para o PSOL?

Mariana Riscali: O MES é hoje o maior grupo de esquerda do PSOL. Nós detemos a tesouraria nacional do partido e temos várias presidências estaduais e outros cargos em lideranças locais. Temos duas deputadas federais, Sâmia Bomfim e Fernanda Melchiona, entre outros parlamentares, que fazem parte do MES. O MES está presente em 20 dos 26 estados do país, além do Distrito Federal. E nossa atuação vai além, pois estamos também em movimentos sociais como o Juntos!, Juntas!, Emancipa, FNL, no movimento sindical especialmente nas áreas de educação e saúde, no movimento ecossocialista e na luta rural, como o MST, FNL, MLST, MNT e MPL.

Nós, do MES, fundamos o PSOL como um projeto para superar o PT, para nos tornarmos um partido anticapitalista com influência de massas. Como já dissemos, seu projeto está em risco se o peso dos setores pragmáticos levar o partido a um caminho de maior integração com o regime burguês. Por isso, o 8º Congresso Nacional do PSOL, que se realiza este ano [no final de setembro e início de outubro], terá um papel decisivo na definição dos rumos do partido, e nós do MES estamos empenhados em mobilizar a base do partido para realizar esse debate e defender um projeto militante do PSOL.

Somos também internacionalistas, somos membros da Quarta Internacional, e acreditamos que é fundamental nos mantermos atualizados com as mobilizações internacionais, apostar na organização da esquerda mundial e em seus processos de luta. Assistimos com grande entusiasmo, desde o início, ao surgimento do DSA como uma organização capaz de renovar e influenciar a esquerda americana, e queremos continuar atuando juntos na construção dessa necessária alternativa socialista internacionalista que deve ser construída globalmente para derrotar o capitalismo.


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Pedro Micussi