Sobre o machismo reiterado de Ciro Gomes e a boa resposta de Luciana Genro

Conhecido por dizer e desdizer coisas as mais diversas e antagônicas contra inimigos, ex-aliados, e novamente aliados, quem acompanha com alguma criticidade quem é Ciro Gomes, sabe dizer quem é descuidado e quem é oportunista.

Ailton Lopes 22 out 2017, 18:57

A linguagem só existe pela produção de sentidos que estão sempre em disputa. Quando falamos, lançamos mão consciente ou inconscientemente de diversas estratégias discursivas para que o que dizemos seja compreendido de um jeito e não de outro, mas, na maioria das vezes, brincamos o jogo da linguagem sem saber brincar.

E aí passamos a justificar nossos reiterados ‘deslizes’ discursivos com frases do tipo: “Não foi isso que eu disse” ou “Não foi isso que quis dizer” ou “Você leu/ouviu errado”, etc.

De fato, há muitas distorções a que devemos estar atentos e atentas, especialmente, nesse mundo de profusão de informações e deformações que atingiu um alcance vertiginoso com a internet.

Instaurou-se uma polêmica entre o que teria dito o pré-candidato à presidência Ciro Gomes e o que noticiaram, especialmente nas manchetes, os “jornalões”, como Ciro se refere aos grandes conglomerados da mídia escrita. Cresceu ainda mais a polêmica com a devida crítica de nossa companheira Luciana Genro, que também já foi candidata à presidência do Brasil.

A crítica, por outro lado, à nossa companheira é de que ela teria repercutido o que seria uma visão distorcida da fala do reconhecido machista falastrão Ciro Gomes.

Bem… vocês já viram que eu não me escondo de minhas posições.

O que Luciana Genro afirma sobre o que teria dito Ciro Gomes: “O momento político exige testosterona e que, por isso, uma mulher não poderia estar à frente dos processos de mudança no Brasil”

O que teria dito literalmente Ciro Gomes no evento do qual participou, referindo-se à Marina Silva, ex-candidata à presidência da república: “Não vejo ela com energia. Eu não elogio isso, é algo do Brasil. E o momento é muito de testosterona, é um momento muito agressivo, e ela tem uma psicologia muito avessa a isso. Eu estou achando que ela não é candidata”.

Ora, ao afirmar que o momento é de muita testosterona, e que Marina, por ter “uma psicologia avessa a isso, leva-o a achar que ela não é candidata, ele (Ciro), em outras palavras, está sim dizendo que alguém que não possua testosterona não tem condições de disputar nesse ambiente agressivo.

Veja as expressões que ele, Ciro, utiliza: “psicologia avessa a isso (momento de testosterona e momento agressivo)”.

O que significa “psicologia avessa a isso”?

Por que o “momento de testosterona” é utilizado para fazer a crítica à Marina?

Por que alguém avessa a um espaço/momento cheio de agressividade e testosterona não conseguiria disputar?

Por que é a uma mulher que é atribuído isso?

Por que, de tantas críticas para justificar a ausência de Marina em certos momentos, esta é a justificativa encontrada?

Ao afirmar que alguém com “uma psicologia avessa à agressividade e a um ‘ambiente de testosterona’ leva-o a crer que esta pessoa não será candidata”, ele afirma, por outros meios, que alguém “sem testosterona” (condição que geraria esse ambiente agressivo) não teria condições de disputar e, portanto, governar o país.

Mesmo ao utilizar o parênteses discursivo do “Eu não elogio isso”, contudo, para reforçar a ideia novamente de que tal característica a tornaria inapta para a disputa, arremata em seguida: “é algo do Brasil” (Eu não elogio isso, é algo do Brasil), forma discursiva encontrada para atribuir a terceiros uma afirmação que é sua. Afinal, ele foi categórico ao afirmar: “O momento é muito de testosterona, é um momento muito agressivo”. Esta afirmação categórica, que, de fato, encontra amparo numa realidade em que o mundo político-institucional é majoritária e amplamente masculino, serve como fundamento discursivo para a conclusão modulada que ele apresenta ao final: “Estou achando que ela não é candidata”. Isto porque, afinal, “ela tem uma psicologia muito avessa a isso”.

É claro que ele não quis demonstrar que era machista. Ele sabe do enorme estrago que isso lhe causaria. Mas, falastrão como ele é, deixou escapar, achando que uma suposta “literalidade” da linguagem o salvaria.

Interessante como deslizamos nos “sentidos literais”, que, por sinal, só existem como ilusão de uma linguagem transparente.

Lembro demais do caso de criticarem a manchete e reportagem sobre “cura gay”, chamando-a de sensacionalista. Vi demais isso nas redes sociais. E o argumento utilizado era uma compreensão “literal” do despacho do juiz. Aliás, parte significativa das justificativas em favor do despacho do juiz eram afirmando que “não nos atínhamos” ao que ele tinha escrito. De fato, ele nem dizia “cura gay”, nem dizia ser a homossexualidade uma doença, não é mesmo? Ora, claro que dizia. Não estava escrito com estas palavras. Mas isso estava lá o tempo inteiro. Ao permitir tratamento, ele corroborava com a ideia de doença e desvio; ao acatar parcialmente a solicitação de psicólogos com registro cassado para realizarem tais tratamentos em pessoas gays (isso mesmo, não eram heteros), referia-se sim a uma população específica: a população homossexual. Portanto, era a autorização para a prática charlatã e perseguidora conhecida popularmente como “cura gay”.

Este é o problema: nossa compreensão da linguagem. Haveria uma linguagem autorizada: literal. E outra linguagem “conotativa”, “metafórica”, etc. Queridas, queridos, todos estes elementos são estruturantes da linguagem.

A opacidade da linguagem é um dos fatores que contribuem para que ideologias possam ganhar adesão com maior facilidade sem que sejam, por vezes, percebidas. E nós caímos nesta e outras armadilhas de uma visão irreal de transparência da linguagem.

Alguns podem dizer: “… ah, vocês estão dizendo isso porque foi o Ciro que falou!” Obrigado pelo argumento, você acaba de reconhecer o machismo dele. Não só. Mas é claro que isso diz respeito aos sentidos. O sujeito do discurso faz parte da construção de sentidos e de sua disputa.

Quem diz, como diz e o que não é dito também estruturam o dito, assim como seu contexto sócio-histórico, os discursos a que faz referência (toda a cadeia discursiva).

A propósito, interessante a crítica de Ciro à Luciana nos comentários da publicação dela no Facebook. Ao dirigir-se à Luciana, é dele mesmo que ele fala quando afirma: descuidada e oportunista.

Conhecido por dizer e desdizer coisas as mais diversas e antagônicas contra inimigos, ex-aliados, e novamente aliados, quem acompanha com alguma criticidade quem é Ciro Gomes, sabe dizer quem é descuidado e quem é oportunista.


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