20 anos da fundação do PSOL: um partido necessário que segue em disputa
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20 anos da fundação do PSOL: um partido necessário que segue em disputa

A disputa dos rumos do PSOL ainda está aberta e a luta de classes deve ser a aposta dos psolistas consequentes 

Leandro Fontes 6 jun 2024, 10:14

Foto: Arquivo

Da expulsão dos Radicais do PT (14 de dezembro de 2003), Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes, para a fundação do PSOL (06 de junho de 2004) passaram-se apenas 175 dias. Lembro-me como se fosse ontem do clima de esperança entre toda uma vanguarda de militantes que rompeu com o Partido dos Trabalhadores, pela primeira vez no poder, para se jogar de corpo e alma no Movimento Esquerda Socialista e Democrática que pavimentou os pilares de um novo projeto: um partido independente, anticapitalista e internacionalista, tendo como objetivo prático a superação da experiência de colaboração de classes petista e da marginalidade política dos partidos da esquerda radical até então, leia-se: PSTU e PCB.

O PSOL, portanto, nasceu a partir de uma necessidade histórica na qual o Partido dos Trabalhadores se comprovou a olho nu para setores de massas ser incapaz de levar adiante qualquer perspectiva programática de transformação estrutural do Estado brasileiro. Pelo contrário, o PT, a partir do governo Lula (com José de Alencar do PL de vice), se transformou numa espécie de gerente eficaz do capitalismo no país. Mas, distinto dos tucanos, com poder de cooptação e desmobilização dos movimentos sociais. Não à toa aplicou a Reforma da Previdência que retirou direitos dos trabalhadores, sobretudo, do funcionalismo público no primeiro ano do mandato e, consequentemente, expulsou a ala mais à esquerda do partido por se colocar frontalmente contrária a essa traição [artigo sobre os 20 anos da Expulsão dos Radicais. Porém, não houve luto, houve luta.

Aliás, o luto ficou para a morte de Leonel Brizola, que faleceu em 21 de junho de 2004. Isto é, duas semanas depois da fundação do PSOL. De tal modo, não é menor registrar que Brizola se colocou à esquerda, em alguns momentos ao lado dos Radicais do PT, na crítica aos rumos do governo de Frente Popular. Por isso, o enterro do histórico trabalhista foi marcado por vaias ao presidente Lula e aplausos para Heloísa Helena e Luciana Genro. Contudo, o PSOL não surgiu apenas de parlamentares combativos e coerentes aos princípios da independência de classe, merecedores de aplausos. Além dessa qualidade, o partido teve como base social, justamente, parte do funcionalismo público federal que foi atacado em greve – inclusive com violência policial – no curso da aprovação da Reforma da Previdência de Lula. Quer dizer, o Partido dos Radicais se tornou a referência política para centenas de milhares de trabalhadores que tiveram uma amarga experiência com o PT no poder.

De tal forma, a fundação do PSOL foi um fato político nacional de grande importância que gerou repercussão na imprensa e agitou toda uma vanguarda social e política no Brasil. Porém, não foi nada fácil os passos iniciais do partido. A começar pelo desafio da campanha de legalização e as polêmicas no interior da esquerda que tivemos que enfrentar: seja vindas do PSTU – que se negou em apoiar o registro legal do PSOL – ou de parte das correntes do PT – que caluniaram nosso movimento como “divisionista” e de “fortalecimento da direita”. No entanto, a força social personificada na figura de Heloísa Helena e a abnegada militância organizada nas “Brigadas do Sol” foram suficientes para a dura campanha da coleta de 500 mil assinaturas triunfar e se materializar, não somente, na legalização junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Mas, ao mesmo tempo, na superação da primeira prova de fogo do novo partido que em 2006 conquistou, com HH na cabeça de chapa, 7% dos votos para a presidência da república defendendo um programa à esquerda do 1o governo Lula.

Todavia, os acertos descritos acima não brotaram de um repolho. Foi necessário que sujeitos de carne e osso convergissem nessa direção nutridos de análise e caracterização concretas da mudança de qualidade da situação política do país com o PT passando de mala e cuia para o lado da burguesia. Ademais, era preciso uma formulação teórica com poder de sustentação de uma estratégia de ruptura com o Partido dos Trabalhadores e de iluminação de um novo horizonte. Por isso, para além do inegável protagonismo empírico dos parlamentares radicais, qualquer análise séria sobre a história do PSOL deve-se mencionar o livro “Uma saída pela esquerda”, publicado em 2002. de Roberto Robaina (então membro do Diretório Nacional do PT). que caracterizava o curso irreversível de deformação do PT e de sua direção socialdemocrata no passo de chegar ao poder.

Jornal O Globo, 07/06/2004

Sob a essência dessa consciência se realizou o reagrupamento de correntes trotskistas e marxistas revolucionárias, tais como MES, CST, CSOL (ruptura do PSTU), MTL (corrente de ocupação no campo com braço no movimento sindical), militantes do Rio de Janeiro e do Paraná que se desligaram da DS, correntes regionais como MTP e SR, além de intelectuais do mais alto gabarito como Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Chico de Oliveira, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Roberto Romano e do sempre combativo construtor Milton Temer. Portanto, o PSOL se formou como um partido de combate e da luta ideológica.


Todo esse mérito não resume a totalidade da construção do partido e não esconde, de modo algum, as dificuldades e limitações do percurso psolista (que estão amplamente registradas na Revista Movimento). Todavia, um ponto precisa ser destacado: a fundação do PSOL se comprovou como um acerto. Embora haja contradições, a rigor, no decorrer de duas décadas o PSOL se consolidou como o segundo maior partido da esquerda brasileira, com 300 mil filiados, governa (com dificuldades) Belém do Pará, lidera as pesquisa de intenção de votos em São Paulo com Boulos, possui bancada federal com 13 deputados, alguns com enorme prestígio como Sâmia Bomfim (eleita melhor deputada do país, pelo voto de por jornalistas e do público) que foi peça fundamental na derrota da extrema direita na CPI do MST, Fernanda Melchionna destaque na batalha pela reconstrução Rio Grande do Sul e da CPI dos atos golpistas, além de Glauber Braga com seu enfático enfrentamento a bancada bolsonarista no congresso nacional.

Portanto, o PSOL repercute com regularidade nos veículos de comunicação de massa, como o JN da Globo entre outros telejornais, e na imprensa escrita com alcance nacional. De tal maneira, o jornal O Globo em 02/06/2024 apresentou uma reportagem intitulada “Em busca da juventude: PT vê parlamentares envelhecerem enquanto PL e PSOL rejuvenescessem”. Nota-se que o PT não empolga às novas gerações, enquanto o PSOL disputa com o PL bolsonarista a consciência da juventude brasileira. Não é por acaso que o PSOL é o partido com mais filiados entre 16 e 24 anos no Brasil. E, mais do que isso, a partir do legado de Marielle Franco, o PSOL deu um salto como o partido com maior representatividade das mulheres, da negritude, da população LGBTQIA+ e dos povos originários.

Todos esses dados são positivos. Por outro lado, é um fato que o PSOL se transformou num partido mais de filiados do que de militantes, além disso sofre pressões da adaptação na institucionalidade, da capitulação ao lulopetismo e do eleitoralismo. Esse vetor, para além da disputa política e programática, não está desassociado do aparelhismo da máquina partidária e de métodos burocráticos que distorcem a relação de forças do partido ao ponto de o 8o Congresso Nacional consolidar uma maioria reformista na direção nacional encabeçada pela corrente Primavera Socialista que não possui intervenção digna de nota no movimento sindical, popular e estudantil.

Contudo, para concluir, o PSOL continua sendo um partido vivo e sem histórico de blocos internos cristalizados. De tal forma, não está descartada mudanças de configuração política em sua composição. Assim se deu na história com Marx e Engels, que foram minoria no Partido Social-Democrata alemão como comprova o livro “Crítica do programa de Gotha” (1875), porém a luta política dos pais do socialismo científico teve como fruto a mudança do programa do SDP no congresso de Erfurt (1891) tal como eles defendiam. Já Lênin foi minoria em determinados congressos do Partido Operário Social-Democrata Russo e, até mesmo, da fração bolchevique, que, por sua vez, foi minoritária nos Soviets de 1917 até as vésperas da tomada do poder em Outubro. Portanto, minorias podem se tornar maiorias a depender, sobretudo, da intensidade de mobilização e da luta de classes combinada com uma direção política à altura dos acontecimentos e da necessidade histórica. Em outras palavras, a disputa dos rumos do PSOL ainda está aberta e a luta de classes deve ser a aposta dos psolistas consequentes com o projeto fundacional para uma virada de chave na correlação de forças interna.

Viva os 20 anos do nosso partido!

Viva a independência de classe dos trabalhadores!

Viva a revolução!


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Pedro Micussi