Boulos ministro
Declaração do Secretariado Nacional do MES-PSOL sobre a recente entrada de Guilherme Boulos no governo federal
Foto: Guilherme Boulos. (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)
Após meses, Guilherme Boulos assume um ministério no governo Lula, ocupando agora a Secretaria Geral da Presidência. Essa decisão mostra o apreço de Lula por Boulos como uma liderança que merece apoio e deve ser útil para seu governo. Mas como politicamente o processo eleitoral já começou, Boulos foi escolhido muito mais como um dos carros chefes de campanha de Lula, e não efetivamente para governar. Afinal a linha de governo Lula está em curso e não terá alterações pela entrada de Boulos, que não levará o governo à esquerda nem irá aprofundar quaisquer das suas características.
O PSOL, partido fundado em 2004 e que contou com o fortalecimento da entrada de Boulos em 2018, não debateu internamente esta questão durante todo o tempo de espera pela nomeação nem em sua Executiva Nacional, nem em seu Diretório Nacional, nem em sua recente Conferência Programática, provando que tal movimentação é parte de um projeto do presidente Lula em uma relação individual com Boulos.
Para o PSOL, a entrada de Boulos no governo deixa uma série de desafios. O menor deles, mas importante, é que Boulos deixa de ser candidato a deputado federal e abre mão de contribuir com a superação da cláusula de barreira pelo PSOL para ser candidato a ministro do próximo governo Lula. Mesmo com uma votação possivelmente menor que em 2022, Boulos poderia ser a diferença para a federação PSOL-Rede. Mas o desafio mais importante é o partido manter seu perfil anticapitalista tendo um ministro de destaque num estado capitalista e num governo de colaboração de classes.
É evidente que Lula também chamou Boulos pelo seu peso no movimento social na cidade de São Paulo, cuja demonstração de forças se deu na manifestação de 21 de setembro. Grande parte daquele dia de mobilização teve força por conta da vontade espontânea de lutar, mas Boulos foi o principal responsável pela convocação. Assim se fortaleceu junto ao presidente que finalmente resolveu nomeá-lo. O Brasil necessita de movimento de massas e tal movimento, para eclodir, ter força e se desenvolver, só é viável se for por seus próprios interesses. Algumas vezes, no caso de governos atacados pela direita, os interesses do governo e do movimento convergem e até são os mesmos.
Mas, em geral, quando temos um governo de colaboração de classes, com base parlamentar até de centro direita (como define o ex-ministro José Dirceu) o movimento de massas necessita de independência. Boulos, que já estava subordinando sua ligação com o movimento em função dos interesses do governo, passou a ser agora uma completa correia de transmissão dos interesses do governo. Nada mais simbólico que o anúncio seja feito no dia da autorização da exploração da Foz do Amazonas, às vésperas da COP 30, indo contra o acúmulo dos movimentos sociais e ambientalistas.
Nossa posição sobre sua nomeação já foi externada meses atrás e é reforçada pelo tempo impressionante que demorou para ser concretizada, provavelmente a maior demora entre o primeiro anúncio e a nomeação efetiva da história desse país.
Reforçamos a importância da independência política. De nossa parte, vamos lutar por um movimento de massas independente e com estratégia anticapitalista. Nossa bancada de parlamentares seguirá firme na luta contra extrema direita e na defesa dos interesses dos trabalhadores, mesmo quando isso for em contradição e enfrentamento com as linhas de ajuste do governo federal.
Abaixo reproduzimos a declaração da Executiva Nacional do MES-PSOL sobre o tema, de 14 de maio desse ano.
Boulos deve se licenciar do PSOL
Declaração da Executiva Nacional do MES-PSOL sobre a possível nomeação de Guilherme Boulos para ministério do governo Lula
O PSOL tem sido vanguarda na luta contra a extrema direita e, inclusive, temos defendido a aliança eleitoral com o PT para impedi-lá de ganhar eleições quando esse risco existe. Além disso, o partido tem votado com o governo em todos os projetos de interesse do povo. Essa orientação tem sido fundamental.
Ao mesmo tempo, o PSOL necessita ser independente se quiser ser um partido útil para a construção de um projeto de esquerda. Para os que defendem essa linha, foi muito importante que a direção nacional do partido tenha decidido não ocupar cargos no governo, mas, sim, fazer a disputa de programa. Isto é, basear sua orientação e nossa disputa pelos rumos do país em nosso programa político e não em indicações de cargos, para, dessa forma, expressar as posições do partido de modo claro, sem ter de se submeter a uma disciplina de governo.
Quando um partido está no governo, o certo é que seus deputados votem sempre com o governo. No caso do PSOL, não é isso que ocorre, porque votamos contra alguns projetos do Executivo que são contrários aos interesses populares. A bancada se posicionou, muitas vezes, de forma independente.
Assim, perante a possibilidade cada vez mais concreta de o deputado federal Guilherme Boulos assumir um ministério, o melhor é que Boulos peça licença do partido se aceitar tal indicação. Afinal, foi essa a decisão do partido. Se um dirigente faz a opção por entrar no governo quando o partido decidiu não compor o governo, o mínimo que deve fazer é se licenciar. Além do mais, a bancada do PSOL não deverá se disciplinar por nada que não seja a defesa do programa político do PSOL. Tal resolução foi votada por 80% do partido em reunião de sua instância máxima, o Diretório Nacional.
A partir dela, o PSOL definiu que não teria cargos no governo, sendo que exceções deveriam se licenciar. A partir disso, a bancada do PSOL teve condições apoiar medidas do governo contra a extrema direita e os golpistas, mas com liberdade para criticar e se posicionar de forma contrária quando necessário.
Em 2023, a posição do grupo liderado por Guilherme Boulos ficou em minoria em uma questão fundamental: a definição do significado do arcabouço fiscal. Depois de um tempo, até o próprio Boulos assumiu a posição majoritária, e votamos unidos contra o Novo Arcabouço Fiscal, projeto enviado pelo governo e base de sua política econômica.
Em 2024, mantivemos a coerência e votamos contra o pacote que sustenta o arcabouço, quais sejam:
PEC 45/2024, que retirou o abono salarial de quem ganha entre 1,5 e 2 salários mínimos e atacou o Fundeb; PL 4614/2024, que limitou a valorização real do salário mínimo e atacava o BPC — benefício de idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza. Fomos protagonistas da mobilização que ajudou a barrar o corte no BPC, organizando um manifesto assinado por intelectuais, ex-ministros, professores e parlamentares de esquerda.
No campo ambiental e no combate à corrupção, as divergências também são profundas.
Votamos contra o PL 11.247, que incluiu um jabuti com incentivos a térmicas a carvão — com apoio do governo — e que pode aumentar em até 9% a conta de luz dos mais pobres, em benefício do empresário Carlos Suarez, o “Rei do Gás”. Boulos orientou com o governo; o restante da bancada votou contra. Vale lembrar que o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, também protocolou projetos na mesma linha, para beneficiar termelétricas a carvão. Também contra o PL 182/2024, que regulamenta o mercado de carbono nos moldes defendidos pelo governo, mantendo a lógica de mercantilização do colapso ambiental.
Na pauta da ética pública, votamos contra o PL 192/2023, apoiado pelo governo, que afrouxa a aplicação da inelegibilidade e amplia a impunidade para políticos corruptos.
Rejeitamos ainda todas as medidas que davam continuidade ao orçamento secreto, como o PLP 22/2025, de autoria do líder do governo no Congresso, que tenta legalizar retroativamente emendas desde 2019 — iniciativa considerada inconstitucional por consultores da Câmara.
Votamos contra a essência do projeto econômico e ambiental do governo. Por isso, é fundamental mantermos nossa independência partidária, moral e ideológica.
Por essas razões, o mais correto é que Boulos não seja ministro. Ele não poderá nem mesmo garantir a disciplina da bancada do PSOL quando os projetos do governo forem contra os interesses populares.
Além disso, as correntes do PSOL e seus dirigentes e militantes devem também levar em conta que Boulos, assumindo o ministério e não disputando as eleições para deputado, enfraquece a luta do PSOL contra a cláusula de barreira. Temos de estar alerta para que não se repita o que fez Marcelo Freixo, que depois de muito apoio do PSOL, acabou indo para o PSB e logo para o PT. Temos um debate com Boulos, mesmo depois da eleição de 2024, quando diversos setores apontaram a diluição programática que o enfraqueceram enquanto liderança e enfraqueceram o PSOL.
Caso Boulos não peça licença, tratará de debilitar a independência do PSOL. É evidente que terá um amplo setor da militância, dos dirigentes e dos parlamentares que não aceitará. Será um embate permanente. E não aceitará porque os princípios da fundação do PSOL são incompatíveis com a integração em um governo de colaboração de classes.
Nossa batalha por um polo socialista – a partir do patrimônio do programa do PSOL- seguirá, dando nitidez às tarefas e lutando pela independência para enfrentar a extrema direita e o caos ambiental, além de se fazer presente nas lutas do povo, com um viés anticapitalista e ecossocialista.
Executiva Nacional do MES/PSOL, 14 de maio de 2025.