Armênia: “um movimento de massas nunca visto neste país”

Em entrevista, estudante armênio explica de que modo um movimento de massas na expulsou o primeiro-ministro e ex-presidente de seu país.

Hovhannes Gevorkian 7 maio 2018, 20:30

Um movimento de massas na Armênia expulsou o primeiro-ministro e ex-presidente Serj Sargsyan. Mesmo que as correntes liberais estejam tentando canalizar o movimento e ganhar apoio eleitoral, este evento também pode ser um movimento positivo para a juventude oprimida e a classe trabalhadora no país. Leftast entrevistou Hovhannes Gevorkian, um estudante armênio de Direito em Berlim e membro da Revolutionären Internationalistischen Organisation (RIO) da Alemanha. A entrevista foi conduzida por Philippe Alcoy

Philippe Alcoy – Como o movimento começou? É a primeira vez que as pessoas se manifestam contra o governo?

Hovhannes Gevorkian – O movimento começou em 13 de abril, quando começaram as primeiras ações de desobediência civil. Antes disso, o líder da oposição, Nikol Paschinyan, fez uma caminhada de protesto pela Armênia. De volta à capital, Erevan, a oposição começou com protestos contra a eleição do ex-presidente Serj Sargsyan como primeiro-ministro agendado para uma votação parlamentar em 17 de abril. Foi a juventude que começou a bloquear as ruas com meios pacíficos, pois não queriam que a eleição acontecesse. Os estudantes tentaram ocupar a universidade, mas as forças policiais eram muito fortes. Com a ajuda de uma força policial massiva, as massas em protesto não conseguiram impedir a votação no parlamento, mas os protestos foram ficando cada vez maiores.

A Armênia é um país que sempre teve grandes problemas econômicos, juntamente com uma classe política corrupta, e também tem uma história de protesto. Em 2008, as pessoas protestaram contra a eleição fraudulenta de Serj Sargsyan como presidente. No seu auge, mais de 150.000 saíram às ruas em Erevan. Naquela época, as lutas eram muito mais violentas, e em 1 de março daquele ano as forças repressivas (incluindo forças especiais russas) dispararam contra os manifestantes com munição real. Nestes eventos – na Armênia, simplesmente referidos como “1º de março” – dez pessoas morreram.

Outro movimento interessante foi o grande protesto da juventude contra a alta dos preços da eletricidade em 2015. Naquela época, as pessoas também bloqueavam e ocupavam as ruas e os lugares. Este protesto foi pacífico, mas mostrou mais uma vez a insatisfação com o governo e com o Partido Republicano Armênio (ARP).

Quais são as forças sociais que impulsionam o movimento?

Claramente os jovens, mas também as mulheres, que formam uma parte importante dos protestos, embora infelizmente com uma representação mais fraca. Os estudantes são muito ativos e um bastião do movimento. É a minha geração, nascida após o colapso da URSS e conhecendo apenas a república burguesa. É a geração que não tem perspectivas no país, a geração que está deixando o país, seja para estudar ou para trabalhar em outros países.

Mas também temos que levar em conta que, devido ao ódio contra os oligarcas, outras partes da população estão participando. É um movimento de massas jamais visto no país.

Existem forças políticas liberais no movimento e qual é a sua real influência?

Eles têm uma grande influência, uma vez o líder carismático do movimento é Nikol Paschinyan, que é ele próprio um liberal. Você pode ter ouvido o nome dele pela primeira vez nos últimos dias, mas ele não é uma figura política desconhecida na Armênia. Basicamente, ele é aluno do ex-primeiro presidente Levon Ter-Petrosyan, que governou o país de 1991 a 1998. Ter-Petrosyan foi responsável por todas as privatizações da indústria e pelo rápido crescimento dos oligarcas. Ele inclusive teve que renunciar devido a protestos em massa em 1998, quando estava disposto a negociar com o Azerbaijão uma possível retirada dos armênios de Nagorno-Karabakh.

Em 2008, foi mais uma vez Ter-Petrosyan, que desafiou Serj Sargsyan nas eleições presidenciais. Após o dia 1º de março e a imposição do estado de emergência (com a proibição de greves, manifestações, censura na mídia e muito mais), Ter-Petrosyan foi colocado em prisão domiciliar. Por tudo isso, Nikol Paschinyan era seu protegido. Em 2008, ele tinha uma agenda muito mais militante: “Vamos lutar até o fim!”. Nikol e os outros líderes da oposição tiveram que se esconder até se entregarem à polícia em junho de 2009. Nikol foi então acusado de assassinato e desordem em massa. Ele passaria os próximos dois anos na prisão.

Desde então, ele aprendeu muito. Acabaram os dias do sério político Nikol Paschinyan, que se vestia como os outros políticos. Hoje em dia você o vê como um ativista, marchando o dia todo com um megafone pelas ruas. Sua agenda política permaneceu quase a mesma, já que ele é um liberal e um parlamentar da coalizão liberal “Yelk”. É uma formação de empresários pequeno-burgueses, mas Nikol é capaz de se representar como um ativista igual aos estudantes.

Visto que é um movimento democrático (suas exigências são de eleições livres e justas, além da rejeição a Serj e seu partido), Nikol é muito popular. Ele está sempre se dirigindo ao povo e tenta se apresentar como transparente e anti-corrupto. A esse respeito, ele é muito aberto e sempre pede conversas abertas. Essa também é a razão pela qual nós vimos conversas públicas com ele e Serj ou o presidente Armen Sargsyan.

Qual é a situação da classe trabalhadora e da juventude na Armênia hoje?

Ambas vivem em condições terríveis. A taxa de desemprego oficial é de 20%; empregos são raros. Não há perspectiva para os jovens porque a economia na Armênia está muito ruim. Há muitas pessoas pobres na Armênia que estão sofrendo, já que a indústria foi quase completamente destruída nos anos 90. A Armênia, enquanto uma ex-república soviética, tinha uma classe trabalhadora bem organizada e com sindicatos. Os sindicatos ainda existem, mas são muito fracos e a classe trabalhadora é fragmentada.

No entanto, também vimos durante os protestos políticos, greves na empresa de TI Synopsys e no grande shopping center Dalma. Em ambos os casos, os trabalhadores entraram em greve e se juntaram aos bloqueios das ruas. Os alunos são bem organizados e também entraram em greve. Curiosamente Nikol convocou no dia 25 de abril para uma greve de trabalhadores e estudantes em todo o país, o que não aconteceu porque o governo interino anunciou que novas eleições serão realizadas no dia 1 de maio.

Então o primeiro ministro renunciou, mas o movimento continua. Quais são as perspectivas para isso?

As pessoas sabem que o problema não era apenas Serj. Ele próprio teve uma vida luxuosa escandalosa e ficou claro que as pessoas o odiavam. Mas eles também sabem que ele e seu partido representam os oligarcas. O movimento continua e os slogans vão de #RejectSerj para #RejectHHK (abreviação armênia para ARP). Em semi-colônias muito pobres, como a Armênia, o movimento democrático sempre tem demandas sociais, porque as pessoas não apenas querem eleições livres, mas também emprego, salários maiores, pão. No início deste ano, vimos algo semelhante em nosso vizinho país, o Irã.

Agora todos estão se preparando para as eleições parlamentares. É possível que outros partidos burgueses como Tsarukyan (fundado e liderado pelo oligarca Gagik Tsarukyan) apoiem Paschinyan. Ele mesmo anunciou que ele e Yelk participarão das eleições. Essa é também a razão pela qual agora as mobilizações e atos de desobediência civil pararam. Eles irão agora para as outras cidades e farão sua campanha eleitoral. Paschinyan tem uma chance de ganhar, mas não tem certeza. Ele é muito popular no momento.

Será muito interessante ver como serão as eleições, se haverá corrupção e fraude ou não. Parece provável que sim porque todo o aparato estatal está sob o controle do ARP. Este partido funciona também como um corpo mafioso, que também é determinado a usar métodos criminosos para garantir seu domínio.

Você quer acrescentar alguma coisa?

Eu acho que os protestos massivos na Armênia com a vitória sobre Serj Sargsyan abrem um novo capítulo no Oriente Próximo e Médio. Nos últimos anos, assistimos a protestos em massa no Curdistão, no Irã e agora na Armênia. Em uma região que é muito explosiva e frágil, a “Revolução de Veludo” armênia (como é chamada por Paschinyan e seus apoiadores) mostrou que a vitória é possível. Nós não vemos isso desde a Primavera Árabe com a derrubada de Ben Ali e Husni Mubarak na Tunísia e no Egito. Desde então, também vimos que a queda de um governante não é suficiente e as massas na Armênia terão a mesma experiência.

Tradução da versão disponível em: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article5481


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