“Os assassinatos acontecem rotineiramente na favela. Marielle foi o ápice da expressão da violência”

Em entrevista publicada pelo esquerda.net, viúva de Marielle trata de sua luta politica travada desde a morte da vereadora.

Joana Mortágua e Mônica Benício 2 out 2018, 14:12

A deputada bloquista Joana Mortágua entrevistou Mônica Benício, ativista de direitos humanos e viúva de Marielle Franco, que veio a Portugal no âmbito da campanha internacional “Justiça por Marielle”, sobre a situação política no Brasil e o estado da investigação do assassinato de Marielle. A entrevista pode ser lida aqui e o vídeo está em baixo.

Em que estado é que está a investigação no Brasil pelo assassinato de Marielle?

É difícil sabermos em que estado está a investigação hoje, porque está em sigilo e, dada a natureza do assassinato da Marielle, é importante que seja sobre sigilo. Eu consigo entender isso, a família consegue entender isso, o problema é que o Estado e os órgãos competentes pela investigação, não se posicionam de forma nenhuma. Temos que deixar claro a diferença entre o sigilo e o silêncio que o Estado brasileiro hoje aplica sobre essas investigações. Não conseguimos saber em que ponto está, tudo o que é público sobre as investigações chega através da mídia como uma fuga de informação. Nenhum tipo de autoridade competente se chega a pronunciar sequer para dizer se é verdade ou mentira o que anda a ser revelado.

Eu acabo a acompanhar o caso nos bastidores, com reuniões com as autoridades competentes e os delegados, mas sempre num movimento em que eu vou procurar, ninguém chega para dar algum tipo de satisfação. Esse silêncio é muito constrangedor. E por isso essa campanha internacional, é uma forma de encontrar força para pressionar o Estado brasileiro, não só pelo resultado em si, que é muito importante, mas para que a gente tenha algum tipo de acompanhamento das investigações, para ter a sensação de que o caso está realmente a ser investigado, de que realmente é um processo sério. Com muita vergonha, eu tenho que dizer que eu não sei em que ponto está a investigação hoje.

E o maior medo é que dessa investigação não encontrem os culpados?

Na verdade, o meu maior medo não é necessariamente que não encontrem os culpados, porque o Brasil hoje deve essa satisfação ao mundo, o caso da Marielle transbordou as fronteiras do Brasil. O Brasil hoje passa uma vergonha mundial, estando há mais de seis meses sem resposta para esse crime que foi uma barbárie. Eu acredito que o Estado brasileiro vá dar essa satisfação, porque deve essa satisfação não só a mim, mas ao mundo, sobre o que aconteceu a 14 de março. Mas o meu maior medo é que isso seja feito de forma leviana e que a gente não consiga chegar ao culpado especificamente, ao real culpado disso, mas que nos seja entregue uma resposta, qualquer resposta, a fim de nos silenciar e dar o caso por encerrado.

Que poderes dominam o Brasil hoje e que politicamente, simbolicamente, estão por detrás dessa violência? Como é que isso está ligado à intervenção federal nas favelas, qual é o clima de violência que hoje se vive no Brasil e que está relacionado com o assassinato da Marielle?

Hoje o Brasil tem uma conjuntura e um contexto político muito delicado e complicado. Marielle é executada logo depois de ter começado no Rio uma intervenção federal de caráter militar. Temos hoje a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro entregue aos militares e os assassinatos acontecem rotineiramente dentro da favela. Uma parlamentar executada no centro da cidade, no centro da capital, às 9h da noite, voltando do trabalho, isso tem uma outra conjuntura, e temos de entender o que a Marielle representava, por ser mulher negra, favelada, lésbica, e o que era ter essa mulher a ocupar um cargo de poder, com a força e a projeção política que ela tinha. O assassinato de Marielle é uma resposta dessa política que temos hoje, dizendo que não aceita pessoas com o perfil da Marielle disputado o espaço de poder, um espaço composto e dominado por homens brancos, heterossexuais, fundamentalistas, racistas, LGBTfóbicos. É uma agressão à democracia muito clara, com uma mensagem muito clara, de uma tentativa de silenciamento, uma tentativa de reforço dessa segregação histórica que sempre tivemos.

Não tenho dúvidas que o crime de Marielle foi um assassinato político, foi um crime político, é que crime que envolve, segundo o que conseguimos ver pelos apontamentos da investigação, a participação de agentes do Estado, a participação de uma figura política e o mais preocupante é que quem articulou isso é uma pessoa muito poderosa que se julga acima do bem e do mal. Ao ponto de assassinar não só tudo o que Marielle representava. O Estado está acostumado a assassinar, mas assassinar uma mulher parlamentar, não é comum. É o ápice da expressão da violência. E, olhando para o cenário político que temos hoje no Brasil, com a democracia frágil que temos, que diariamente está a ser retirada, essa conjuntura política dentro desse momento em que estamos a participar numas eleições presidenciais e com uma onda de fascismo e conservadorismo muito grande crescendo, tudo isso, de certa forma, se reflete no que aconteceu a 14 de março.

Há, na resistência a essa onda de fascismo, uma emergência do movimento de mulheres, muito inspirada no exemplo de luta da Marielle, com o movimento de mulheres contra Bolsonaro, o “Ele Não!”. Como é que essa campanha surgiu?

O movimento feminista na América Latina como um todo e no Brasil também, tem vindo a crescer nos últimos anos de forma considerável, e o movimento feminista é hoje o nosso principal movimento. Há outros movimentos tradicionais no Brasil, que ainda são fortes, mas o mais ativo hoje, o que tem ocupado as ruas com mais força é, sem dúvida, o movimento feminista. Na campanha eleitoral de Marielle, o movimento já se colocou na construção desse cenário. A expressividade de votos que Marielle teve na sua primeira campanha, já foi uma resposta do que a sociedade carioca estava a querer, e já não estava mais a aceitar esse modelo da velha política. Ver a projeção que Marielle teve depois da morte é surpreendente e, se conseguirmos ver alguma coisa que não seja só dor neste contexto, vemos, sem dúvida, essa rede de solidariedade, de empatia e a força e resistência que a mulheres têm tido, e que é mundial.

Quanto à Marielle ser mais um dos símbolos dessa luta, ela por si só não é o símbolo, era uma luta da qual ela já fazia parte. Mas ver a imagem de Marielle ter algum tipo de projeção nisso é muito bonito. Esse movimento contra esse senhor que eu me recuso a dizer o nome, o do “Ele Não!”, é maravilhoso. Conseguimos alcançar em menos de uma semana dois milhões e meio de mulheres, articuladas em grupos de redes sociais, fazendo essa onda “Ele Não!” para dizer que não aceitaremos um homem fascista, machista a tomar a presidência da República. É maravilhoso estar assistindo a isso, porque isso dá esperança de que possamos estar a assistir a um novo modelo de sociedade.

E essa derrota do fascismo também é a esperança da justiça no caso da Marielle. Sem um Brasil democrático, sem um Brasil capaz de olhar para as suas feridas e capaz de as encarar com uma resposta democrática, nunca haverá justiça para a Marielle, e isso é um dos objetivos que te traz à Europa. Para terminar, queria perguntar-te pela importância desse apelo internacional, dessa solidariedade, dessa intervenção que pode ser feita a partir de Portugal para o Brasil. O que é que nós temos de exigir às autoridades brasileiras?

Eu acho que, sem dúvida, é o “Justiça por Marielle”, a resposta sobre o que aconteceu. Não só quem matou, quem executa a operação toda, mas sobretudo quem mandou matar. Qual foi a articulação, qual foi a motivação desse crime. Essa campanha internacional é muito importante porque na construção social da própria história do Brasil, olhando para crimes semelhantes ao da Marielle, quando há a participação de agentes do Estado, quando há figuras políticas envolvidas, não se costuma investigar, ou não se chega ao resultado correto. Fazer essa pressão mundial sobre o Estado brasileiro é uma forma de dizer que não aceitaremos mais a barbárie. Que o caso de Marielle, não só por ser Marielle, mas por toda a violência e por tudo o que ela representava nas próprias lutas, ainda em vida, que não vamos mais aceitar esse tipo de violência, e que 14 de março foi um dia divisor de águas, e dizemos: “não aceitaremos mais a barbárie”. Essa solidariedade mundial é importante para fazer pressão sobre o Estado brasileiro, para dizer “párem de nos matar”, “respondam ao que aconteceu com Marielle”, porque isso é um dever democrático da sociedade brasileira hoje.

E é um dever de todas as mulheres também, e é por isso que a Mônica, eu e mulheres de todo o mundo vão estar no dia 29 de setembro nas concentrações do #EleNão.

Ocupando as ruas, todas juntas, porque somos muitas e ele não será eleito, não o podemos admitir. No Brasil fizemos um movimento maravilhoso, conseguimos derrubar o Eduardo Cunha, e tenho a profunda certeza que faremos isso de novo. É um movimento mundial, estamos todos preocupados não só pelo Brasil, mas pela vida de todas as mulheres, isso é fundamental, vamos caminhar juntas para dar essa resposta nas ruas.

Entrevista realizada para o esquerda.net


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