Conjuntura política e movimento sindical: algumas reflexões

A reorganização da esquerda, dos sindicatos e dos movimentos sociais terão papel decisivo nas batalhas contra o futuro governo.

Rigler Aragão 4 dez 2018, 14:01

O mundo ainda vivencia os efeitos da crise econômica de 2008. São 10 anos de instabilidade do sistema que, derrubou ditaduras, reconfigurou as disputas políticas internacionais entre países e a luta de classe. É sob seus efeitos que vimos revoltas, criação de alternativas de esquerda e também de extrema-direita. Houve uma intensificação da polarização e de contradições as quais precisamos tentar compreender.

A começar pelo evento mais recente, que é o caso Brasileiro. O país deu um giro a direita, a maior economia latino-americana irá ser comandada pela extrema-direita. O que causará reordenação das relações políticas, principalmente, com nossos vizinhos, seja de reconfigurações de prioridades econômicas e realinhamento político, até adotar postura ofensiva de ataque contra a Venezuela. Os cenários são os mais diversos e nada pode ser descartado.

Apesar de certa retomada da produção em níveis anteriores a crise de 2008 em muitos países, a recuperação da economia se dá de forma lenta, mesmo com grande ajuda monetária dos bancos centrais. A voracidade pela manutenção dos níveis de lucratividade recaiu sobre a classe trabalhadora que, em todo mundo, sofreu com os ajustes fiscais e reformas semelhantes as aprovadas no Brasil, como a reforma trabalhista, que geraram desemprego, diminuição da renda e perda de direitos para redução do custo da força de trabalho. Tais reformas não geram crescimento econômico, mas apenas atenderam aos interesses do mercado financeiro de acessar mais recursos dos fundos públicos, a reforma da previdência no Brasil está sendo preparada para isso, assim como foi a PEC da Morte que congelou por 20 anos os investimentos nas áreas sociais.

Em meio ao cenário mundial mais instável, se viu ascensão de figuras populista de extrema-direita construídas a partir da descrença de amplos setores com os políticos tradicionais e as instituições do regime. Essas figuras ressaltaram elementos autoritários e forte preconceito sobre as minorias, colocando-os como problemas centrais para o desenvolvimento social e econômico. Este foi caso de Trump que atacou os imigrantes latinos, uma política perversa que vem separando famílias e colocando crianças em jaulas. Bolsonaro adotou perfil semelhante atacando quilombolas, indígenas, mulheres e Lgbts. Perfis misóginos, racistas, autoritário e homofóbico.

O Brasil com as eleições de 2018 deu um giro a direita. Não temos dúvidas que serão tempo difíceis de reverter imediatamente e o preço para a classe trabalhadora poderá ser bastante alto. Bolsonaro conseguiu articular em torno de sua candidatura os setores mais retrógrados e que estavam ávidos para retornar ao centro do poder, foi o caso dos militares. Conseguiu apoio do setor financeiro, das igrejas evangélicas e do agronegócio. Bolsonaro foi eleito a partir de três eixos de campanha: Primeiro, conseguiu se apresentar como candidato antisistêmico e antipolítico, como se fosse diferente a tudo que está aí. O Segundo foi o combate a corrupção e o terceiro o combate a criminalidade, defendendo o armamentismo. As duas primeiras já estão sendo questionadas, pois, sua equipe de transição é liderada por políticos tradicionais e que estão sendo investigados. Adotou também, de forma clara, que sua prioridade é defender os patrões para depois “beneficiar” os trabalhadores, sua frase diz tudo: menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego. O ataque será a todo momento e a situação será de resistências da classe trabalhadora, uma reorganização defensiva será necessária para o período.

Em menos de 48 horas de oficialização do resultado eleitoral Bolsonaro iniciou os trabalhos de transição. As prioridades do próximo governo já fazem parte da pauta do congresso, como é caso do Projeto Escola Sem Partido, a composição dos seus ministérios também já diz o bastante, até o momento já são 7 militares indicados para serem ministros, será um governo militarizado, altamente repressivo e sem dialogo. Outra característica, é a permanência da velha forma de fazer política, entre os ministros civis estão velhos conhecidos Onyx Lorenzoni e Mandeta, ambos do DEM., ou seja, uma combinação de militares e de políticos tradicionais envolvidos em corrupção serão o primeiro escalão do governo. Somado a isso estão costurando o acordo entre o MDB e Bolsonaro para formar a base congressual e também para salvar Temer.

É possível que, por mais que adote políticas reacionária, não perderá seu apoio popular rapidamente, tradicionalmente, a população tende a ser paciente e dá um voto de confiança. Porém as desilusões começaram ser mais frequentes e seu governo não empolgará setores de massa em sua defesa. Como a instabilidade é o que tem de certo no cenário, os processos estão em aberto, e a reorganização e ressignificação da esquerda, dos sindicatos e movimentos sociais terão papel decisivo nas batalhas contra o futuro governo.

Serão dias de muito choque, muita resistência. As medidas de regressão das liberdades democráticas serão prioridade pelo governo para que não tenhamos capacidade de construir uma oposição firme nas ruas. Sua tolerância a discordância, a princípio, será restringida a uma oposição parlamentar dentro dos limites institucionais. Nada fora da ordem será tolerado e a lei antiterrorismo será aprofundada para que os movimentos sociais como MST e MTST sejam criminalizadas como grupos terroristas.

As universidades públicas já sentiram a perseguição durante o segundo turno das eleições, quando mais de 50 instituições tiveram seus espaços invadidos ou suas atividades ameaçadas. As seções sindicais do ANDES foram criminalizadas e denunciadas por crime eleitoral e tiveram seus equipamentos apreendidos pela polícia. É possível que a defesa da autonomia universitária, da liberdade de expressão e a privatização seja o combustível que alimentará a mobilização do movimento estudantil, docente e de técnicos(as). As universidades foram espaços de resistência à ditadura, e serão espaço de resistência contra os ataques a educação e aos direitos da classe trabalhadora.

A região Amazônica poderá ser a mais atacada pelo desmonte de uma legislação mínima de preservação e de reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais da floresta. Há um forte interesse em retomar o projeto de construção de hidrelétricas e avanço do agronegócio sobre a floresta, através de uma nova roupagem do pensamento do período da ditadura militar de “desenvolvimento da Amazônia”.

Apesar de voltar atrás na incorporação do Ministério do Meio Ambiente pelo da Agricultura, mantem seu discurso ofensivo contra instituições públicas de preservação ambiental, como o ICBIO e o IBAMA, dos quais seus funcionários vem sofrendo ameaças e atentados de seguidores do presidente eleito. Será uma política entreguista de nossa riqueza natural, mas do que já foi em qualquer outro governo. A Amazônia guarda algumas das maiores reservas minerais e de biodiversidade do mundo, fonte de cobiça pelo capital internacional. A defesa do meio ambiente deve ser encarada como importante foco de resistência e organização contra o Governo Bolsonaro.

Para o enfretamento devemos nos apoiar no acumulo que a classe trabalhadora fez nos últimos anos. As jornadas de junho marcaram a volta de grandes mobilizações de rua no Brasil, marcando o período seguintes por fortes contradições, hora sendo aproveitado por setores de direitas que souberam da vazão ao descontentamento popular e operaram o golpe parlamentar que derrubou Dilma. Hora na luta com as bandeiras da própria classe trabalhadora com foi a jornada de lutas das mulheres em 2017 e que avançou na greve geral de Abril de 2017 e o ocupe Brasília. Enquanto a classe trabalhadora estiver mobilizada com suas pautas concreta nas ruas, terá grande possibilidade de girar a esquerda e construir alternativas reais.

Infelizmente em 2017, as direções das centrais e do PT resolveram optar por uma acomodação no momento mais frágil do governo Temer. Desarticularam o calendário de luta e foram para a mesa de negociação e outros priorizaram o início da campanha eleitoral. Isso provocou um vazio no segundo semestre de 2017 e o refluxo político e que piorou em 2018, onde processo eleitoral desvirtuado tomou conta. Quando se deixou de priorizar a mobilização popular abriu-se caminho para manipulação das massas pelo processo eleitoral viciado, confuso e corrupto, sendo o espaço que depositaram todas as angustias, insatisfação e esperança.

O “ele não” mobilizou as mulheres contra Bolsonaro, exemplo da capacidade de mobilização da sociedade que surgiu durante o primeiro turno. O movimento foi o fato que evitou a vitória da extrema-direita no primeiro turno, e reafirmou a força do movimento de mulheres que poderá estar no centro da resistência no próximo período contra o governo eleito. As grandes manifestações que, tomaram as ruas em várias capitais durante as últimas duas semanas do segundo turno, mostraram que há capacidade de mobilização e uma base disposta a enfrentar o governo Bolsonaro para defender as liberdades democráticas. Essas são importantes evidências que haverá base popular buscando se organizar.

O momento é de reorganização, de buscar a unidade e de fazer a autocrítica dos métodos e ações. Os embates serão mais fortes e a possibilidade dos movimentos serem criminalizados é muito grande, como já foi dito, nada está descartado. Será o momento de repensar o sindicato e fortalece-lo na base, articulando movimentos mais amplos em torno de pautas mais gerais e democráticas com as pautas específicas. Só a pauta economicista, já algum tempo, não tem mobilizado as categorias, até nossos espaços deliberativos devem ser repensados.

Os sindicatos nas últimas décadas sofrem forte processo de apassivamento e burocratização. Alguns mais se parecem com escritórios de negociação de acordos e/ou de serviços prestados aos sindicalizados, sem mobilização nenhuma da base. Para uma parte significativa dos trabalhadores os sindicatos são apenas estruturas burocráticas e poucos se mobilizam quando são convocados pelo sindicato. Alguns até se prestam a oferecer cursos para formar da força de trabalho para o mercado.

Mas é acreditando em momentos de crise e de fortes ataques a classe trabalhadora que o desenvolvimento da luta de classe possa ressignificar e/ou gerar novas formas de organização da classe trabalhadora. Apostando também em mobilizações populares passando por fora das atuais formas de organização, sem as direções tradicionais, e por pautas que não estarão dentro dos esquemas e formulas tradicionais.

Uma possibilidade de ressignificar o sindicalismo brasileiro é a incorporação das pautas mais gerais da classe ou populares regionais. As pautas mais gerais da classe trabalhadora são mais fáceis de imaginar como a luta contra a reforma da previdência que acabará com o direito de se aposentar. Mas compreender o potencial mobilizador das pautas locais ou regionais que fazem parte do cotidiano do(a) trabalhador(a) que sofre com os problemas da cidade, estas foram esquecidas pelo movimento sindical. Um exemplo do potencial foi, o movimento contra o aumento das tarifas de transporte público que se alastrou por várias cidades e se transformou em uma das maiores mobilizações do país ficando conhecida como “As jornadas de junho de 2013”. Estas pautas regionais ou gerais podem reconectar a o sindicato com a base e com amplos setores populares e provocar novas articulações do sindicato com movimentos sociais.

Essa nova postura dos sindicatos significa ir além de uma doação ou nota de apoio, é necessário está inserido na mobilização. Estas demandas, muito prováveis, não estarão no planejamento ou previstas com antecedência, elas apenas explodirão e colocará o problema como centro do debate naquele momento e poderão ser batalhas de curtíssimo prazo, mas extremamente mobilizadoras. Isso pode se dá contra a privatização da água no município, por mobilidade urbana, pela redução dos combustíveis, por saneamento básico e muitas outras coisas que prejudicam a classe trabalhadora no dia a dia. Isso claro, sem deixar de responder as demandas específica da categoria sindical.


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Pedro Micussi