Bolsonaro: a posse de um dos expoentes da extrema-direita mundial

A suposta domesticação do Bolsonaro cai por terra com seu discurso na tribuna da Câmara e depois no parlatório.

Frederico Henriques 3 jan 2019, 22:29

A primeira medida do presidente Bolsonaro após a posse foi o corte de mais de 15% no reajuste do salário mínimo, passando de R$1006,00 para R$998,00. O que sucedeu no primeiro diário oficial sob o novo governo reacionário foi o início dos desmontes de direitos travestidos nos discursos – e também ao longo de toda a campanha eleitoral – de “salvar” o Brasil. Como os diversos editoriais da Revista Movimento bem destacaram, há no mundo um movimento da extrema-direita organizada que, por trás dos “valores tradicionais”, carrega uma pauta de ataque às liberdades democráticas e aos direitos dos trabalhadores.

A relação conturbada com a imprensa, por exemplo, é outra marca dessa direita conservadora, e que pôde ter sido observada já na posse do novo presidente. Assim como Trump, que valoriza a comunicação direta e os canais tradicionais aliados, Bolsonaro teve seu primeiro dia marcado pela dificuldade de acesso dos jornalistas à posse, com limitação da cobertura até um confinamento de mais de 5 horas desses profissionais sem estrutura mínima. A guerra já declarada aos organismos tradicionais da imprensa burguesa, como o caso da Folha de S. Paulo desde a eleição, também aponta no mesmo sentido.

A reunião de Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon está em sintonia com a forma como os grupos de whatsapp e as redes sociais foram utilizados na campanha de Bolsonaro e devem continuar a serem trabalhados durante todo o governo. As empresas de marketing do ideólogo norte-americano da ultradireita são bases importantes para a articulação e a comunicação destes movimentos proto-facistas que estão percorrendo todo o mundo.

A suposta domesticação do Bolsonaro, da qual muitos setores do regime alardeiam – sejam de direita ou de esquerda – cai por terra com seu discurso na tribuna da Câmara e depois no parlatório. Em ambos os discursos, ouve-se reiteradas referências de embate à “ideologização” da educação e das políticas governamentais, de ataque aos “vermelhos”, assim como demarcação do fim do “socialismo no Brasil”. Tais referências desvelam mais uma face de um governo que se propõe a atacar e perseguir quem discordar dele. O corte feito da principal candidata à secretaria de juventude, apenas por ter declarado nas redes sociais a necessidade de buscar justiça para Marielle, marca bem a posição deste governo.

Na cena internacional, o alinhamento automático aos Estados Unidos sob a direção de Donald Trump, expresso desde o primeiro dia, ganhou novos contornos durante a posse. As visitas pela primeira vez ao Brasil de um primeiro ministro israelense, o corrupto e genocida Benjamin Netanyahu, e do fascista húngaro, Viktor Orban, escancararam a opção anunciada. É emblemático a imprensa reforçar que o centro da pauta entre estes chefes de governo é o comércio de segurança/militar, desnudando o caráter autoritário e repressor deste movimento de extrema-direita. No Brasil esta característica pode ser vista no gabinete ministerial que conseguiu ter mais militares que o governo composto pós-golpe de 1964.

Tendo em vista os elementos acima apresentados, é importante apontar algumas tendências que vimos no mundo destes governos e como enfrentar no Brasil.

Uma característica a ser destacada desta internacional conservadora, que tem como um dos seus pilares o Brasil, é a capacidade de engajamento de uma base a partir dos valores reacionários ligados à religião, dos valores conservadores e do “patriotismo”. Os membros desta internacional conservadora questionam o regime criando inimigos internos e externos ligados ao “globalismo”, à esquerda, aos imigrantes ou aos grupos étnicos. Dessa forma, os problemas políticos e econômicos ficam atrelados a esses setores. Isso ocorre num momento em que outros projetos – em especial o projeto da esquerda – não conseguem se reinventar, condensando-se ao regime político que está em amplo descrédito. Estes setores protofascistas conseguem normalmente engajar cerca de 20% do eleitorado, e conforme a conjuntura expande, conseguem governos tanto centrais quanto locais. A forma como utilizam as redes sociais, somada aos descréditos do regime, às divisões nos setores democráticos e aos fantasiosos inimigos internos e externos, fazem com que mantenham ou expandam a força nas mais diversas situações.

Essas pautas de engajamento são o pretexto necessário para o ataque às liberdades democráticas conquistadas, mas o acordo deste governo com a burguesia está essencialmente no ataque aos trabalhadores por meio de um projeto ultraliberal na economia. A tentativa de normalizar e naturalizar esses governos pela elite está relacionado diretamente à agenda neoliberal, personificada no Brasil na figura do Paulo Guedes. Reforma trabalhista na Hungria, Previdência no Brasil, desoneração fiscal dos ricos nos Estados Unidos, entre diversas outras medidas que tentam desmontar as conquistas da classe trabalhadora e liberar a acumulação e circulação do capital. Outro elemento fundamental a ser destacado desta nova direita é o ataque sistemático a pauta ambiental, seja em questões climáticas, como em desmatamento, no caso brasileiro é agravado pelo ataque aos povos indígenas e quilombolas.

Longe dos setores que acreditam que o Bolsonaro vai cair de maduro, ou que está dada a sua derrota, é fundamental trabalharmos com algumas questões para enfrentar este governo reacionário. A primeira é a unidade mais ampla possível em defesa das liberdades democráticas, pois como se viu da experiência internacional, o ataque às oposições e às populações vulneráveis será uma constante desta nova direita autoritária. Neste sentido a defesa dos direitos sociais e políticos também ganham um significado muito importante, assim como um desfecho do caso da execução de Marielle e Anderson no Rio de Janeiro.

O PT, como diversos setores da esquerda acreditam que o governo não tem condições de governar nesta nova fórmula, logo vai se desestabilizar e não dará certo. Esse campo é pressionado a recomposição do regime, assim como acreditam fogem dos processos de mobilização. Nossa tarefa é se engajar na defesa das reivindicações do movimento de massas e impulsionar a criação de ferramentas e novos instrumentos da luta do povo. No campo internacional vimos que a paralisia do CHP, partido do regime de oposição na Turquia, fez com que Edorgan se recompusesse mais rápido e mais autoritário, assim como o principal golpe a Viktor Organ na Hungria foram as manifestações de massa contra a reforma trabalhista. Outro exemplo inspirador é a resistência das mulheres nos EUA durante todo o governo Trump e no Brasil a partir do movimento do #EleNão.

Por fim, todas as outras experiências internacionais mostraram o fortalecimento dos polos e liquidação de posições pró-regime ou centristas: a situação de Macron na França é emblemática, por isso devemos aproveitar o momento para que o PSOL se postule como um projeto independente e radical. Neste sentido é com muito entusiasmo que vemos a candidatura à presidência da Câmara Federal do principal adversário do clã Bolsonaro no Rio e deputado de oposição mais votado do país, Marcelo Freixo. Sua apresentação como candidato não apresenta apenas uma alternativa ao reacionarismo conservador do atual governo, como poderá ser capaz de arrastar diversos setores da oposição na reorganização da luta política em curso no país.


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Pedro Micussi