Daniel Bensaïd, militante e extraordinário filósofo marxista

Terceiro artigo da série de obituários sobre o pensador francês.

Arnaud Spire 22 jan 2019, 23:36

Co-fundador da LCR (Liga Comunista Revolucionária), e depois do NPA (o Novo Partido Anticapitalista), Daniel Bensaïd contribuiu, através de suas obras e de sua ação militante, para reabrir, de maneira polêmica e inovadora, uma dinâmica de protesto que desafia o desenfreado capitalismo global de hoje.

O filósofo marxista Daniel Bensaïd morreu de câncer em Paris na última terça-feira; ele tinha sessenta e quatro anos. Sua carreira filosófica se estendeu pelos séculos XX e XXI. Ele desaparece pouco depois de declarar sobre o neoliberalismo em um livro recente “O velho mundo está morrendo” (Post-capitalisme. Imaginer l’aprés. Publicação de Diable Vauvert. Novembro 2009: Post-Capitalism: What Next?). Aliás, seu pensamento teórico é um dos muito poucos a ter integrado – no que diz respeito à crise atual – o ponto de vista da práxis em sua teoria. Era perfeitamente claro para ele que o tempo lento da ecologia não é o tempo rápido da bolsa de valores (Une lente impatience: a slow impatience, abril 2004) e que a crise econômica e financeira revela uma crise histórica da lei do valor, onde o “eu” alterna com o “nós”.

“Cuidado com a repetição!” – tal deve ser a máxima do mais esclarecido dos seus discípulos. Se alguns cínicos ainda estão convencidos de que só a guerra pode pôr um fim à mais séria crise que o capitalismo já conheceu, é claro que a extrema sofisticação e dispersão das armas nucleares hoje são um impedimento suficiente para se sugerir que a saída do crise só pode ser a redistribuição global do equilíbrio de forças na guerra de classes, através de grandes eventos políticos.

Supor que é possível tanto promover o consumo quanto tornar possível um consumo de tal escala, ou reconciliar a promoção de investimento e a garantia efetiva de grandes retornos, ele disse, equivale a imaginar “um mundo tão improvável quanto um arco-íris de três cores”. A questão hoje é como podemos transcender e arrancar as relações comerciais ou de mercado junto com as categorias filosóficas que elas implicam. Por impedir a difusão e o aperfeiçoamento da inovação, a liberalização (privatização) desacredita o discurso do neoliberalismo quanto aos benefícios da competição, e desconstrói a exaltação das restrições institucionais do mercado global. O que está agora na agenda é uma mudança da própria lógica do capitalismo: “A nova sociedade deve se inventar sem nenhuma das regras pré-existentes, através da experiência prática de milhões de homens e mulheres”.

Daniel Bensaïd foi um extraordinário intelectual marxista. Ele foi um daqueles pensadores que, no final dos anos 1970, em um período em que o protesto social estava em refluxo, não renegou nem um pouco o seu compromisso político radical. Melhor ainda, suas obras e ação política contribuíram, nos últimos vinte anos, para reabrir, de maneira polêmica e inovadora, uma dinâmica de protesto que desafia o desenfreado capitalismo global de hoje. Desde então, em seu livro  Marx, o intempestivo (Fayard, 1995: Marx, the untimely thinker), ele renovou a interpretação crítica das análises históricas, econômicas e científicas de Marx.

Daniel Bensaïd era um ex-estudante da École Normale Supérieure em Saint-Cloud e tinha uma cadeira de filosofia na universidade Paris VIII; ele participou ativamente do movimento de maio de 1968 com a LCR. O NPA perde o mais arguto teórico do anti-stalinismo. É conhecido por seus livros sobre Walter Benjamin, Karl Marx e por sua análise recente do pós-modernismo em Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente [Textuel, 2001] e Eloge de la résistance à l’air du temps (Textuel, 1999).

Daniel Bensaïd mostrou respeito pelas lições de modéstia inerentes ao ativismo considerando que a sua implicação prática é que ninguém nunca age ou pensa sozinho. Ele prontamente reconhecia que nenhum movimento político, nem mesmo o seu próprio, poderia se gabar de ser o expoente da crítica radical do capitalismo, apenas para acrescentar que “não se pode dizer, no entanto, que o pensamento crítico marxista é um campo tão cheio assim”. Com certeza, as classificações de ídolos e deuses estão em ascensão, e o sagrado está de volta com uma vingança. Mas a questão urgente, na França agora, é pensar um projeto político liberal e secular para o futuro.

Artigo originalmente publicado pelo jornal L’Humanité. Tradução de Pedro Barbosa, da Comuna (PSOL), a partir da versão disponível em marxists.org.


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