O Brexit e o futuro do capitalismo

O brexit tomou por surpresa as elites do capitalismo inglês.

Alejandro Nadal 31 jan 2019, 14:11

Em junho de 2016 o povo na Inglaterra escolheu abandonar a União Europeia (UE). O brexit tomou por surpresa as elites do capitalismo inglês. As forças que promoveram a saída da UE recorreram às bandeiras do medo à imigração e do rancor contra a euroburocracia em Bruxelas.

Durante 2013 e até fevereiro de 2016 o governo de James Cameron tratou de renegociar um acordo integral com a UE para aplacar os eurocéticos na Inglaterra. Além de conseguir que o acordo de Schengen sobre circulação de pessoas não se aplicasse na Inglaterra nos mesmos termos que nos demais países da UE, Cameron obteve concessões para restringir os benefícios para migrantes. Seu governo apresentou isso como conquista mais significativa do novo acordo com a UE. Ademais, o novo trato dava garantias para que a libra esterlina não se tornasse uma moeda de segunda categoria na esfera da eurozona, o qual tinha grandes implicações para o setor de serviços financeiros na City. Finalmente, o acordo reconhecia que Inglaterra não teria que se comprometer com uma integração política mais profunda na Europa. Muito confiado no resultado, Cameron cometeu o erro mais vistoso na história política da Inglaterra ao convocar o referendo de 2016 sobre a permanência na União Europeia.

O brexit tem muitas facetas, mas a mais significativa é que tanto os que promoveram a saída como os que desejavam a permanência recorreram ao medo como seu principal argumento. Paradoxalmente, a campanha de medo aos migrantes triunfou com margens decisivas nas regiões onde não há migrantes: zonas rurais e áreas como o País de Gales. Em favor votou a maioria da população próxima aos polos urbanos, como Londres e Manchester, assim como do sul da Inglaterra, que mantém níveis de renda superiores à média. Mas esse voto esteve animado pelo medo a um suposto colapso econômico e desemprego massivo, prognosticado pelo governo e seus aliados. O resultado não foi suficiente para fazer contrapeso. É normal, nas cidades a precariedade do emprego já representa suficiente caos para milhões de pessoas. O balanço da jornada do referendo foi uma votação dividida nas conclusões, mas unida sob a bandeira do medo.

Durante os últimos dois anos o governo inglês tratou de definir os termos da separação com a União Europeia. Na semana passada o parlamento rejeitou a proposta da primeira-ministra, Theresa May, jogando pela janela seu plano de divórcio. O balanço final é um descalabro para o projeto neoliberal sobre o qual se funda a União Europeia desde os tratados de Maastricht e Lisboa. Também o é para o capitalismo neoliberal que se aplica na Inglaterra desde os anos de Margareth Thatcher. Sem dúvida, o brexit e suas sequelas são uma marca vergonhosa para o neoliberalismo, mas surge a pergunta de se também sinalizam o futuro do capitalismo. Quiçá a resposta está nas implicações do brexit para o setor financeiro.

Entrevendo os perigos que rodeavam a desindustrialização e aproveitando habilmente a conjuntura do colapso de Bretton Woods, o capitalismo inglês construiu um senhorio financeiro sobre as ruínas do antigo império britânico. Desde as Ilhas Cayman até Chipre, a City consolidou um novo espaço transfronteiriço, no qual a libra esterlina pudesse reinar sem ser perturbada. Essa plataforma do poder financeiro serviu para o assombroso desenvolvimento da especulação e os mercados financeiros de divisas, títulos e derivados. Hoje, a prioridade desse novo império financeiro é conservar sua integridade frente ao desafio do brexit.

O mercado mundial de divisas tem vários espaços que funcionam como câmaras de compensação e a City é dos mais importantes. Uma das principais divisas que circulam nessa câmara de compensação é o euro, o que outorgou para a City um lugar preponderante no coração de uma união monetária à qual Inglaterra não pertence.

O desenvolvimento da City se fez ao amparo de importantes economias de escala no setor bancário que permitiram a aglomeração de bancos e casas de câmbio numa só localidade. Mas essas economias de escalas podem se perder, caso se veem perturbados os acordos sobre convertibilidade que lhes dão vida. E é aqui onde o caos do brexit traz sérias consequências para esse império financeiro pelo possível deslocamento de atividades bancárias que ameaçaria as economias de escala sobre as quais se construiu o império financeiro.

No drama do brexit as classes desfavorecidas não são as únicas que têm medo. A cima do capitalismo financeiro também têm dúvidas existenciais. A incerteza não respeita fronteiras nem classes sociais. Mas uma coisa é certa: nenhum sistema social pode sobreviver quando está fincado no medo. E hoje a evolução do capitalismo não está marcada pela promessa de um porvir luminoso, mas pelo temor e o desassossego.


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