Quanto vale a vida? Por justiça aos atingidos e recuperação ambiental da área! Flexibilização não!

Outra tragédia ambiental. Outra vez Minas Gerais. Outro rompimento de barragem de mineração. Outra vez a Vale!

Bruno Teixeira 31 jan 2019, 14:34

Outra tragédia ambiental. Outra vez Minas Gerais. Outro rompimento de barragem de mineração. Outra vez a Vale!

Três anos. É o tempo que o país demorou para sair de um desastre ambiental criminoso, o maior da história brasileira, para vivenciarmos um novo mar de lama matando rios e soterrando vidas.

Neste momento, novamente, começamos a assistir as primeiras reações ao rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho/MG, com as autoridades falando em punição severa e em tornar a fiscalização mais rigorosa. Mas a primeira reação de perplexidade diante desse terrível quadro é: não aprendemos nada com o crime ambiental da Samarco, Vale e BHP em Mariana/MG!

Novamente um mar de lama

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, ocorrido em novembro de 2015, provocou o vazamento de cerca de 50 milhões de m³de lama de rejeito de mineração, atingindo de forma violenta o Rio Doce e deixando milhares de moradores da região sem água e sem trabalho. Um crime que tirou a vida de 19 pessoas, deixou toneladas de peixes mortos e chegou a impactar grande parte do litoral capixaba, causando destruição por onde passou.

No entanto, 3 anos após esse crime, nenhuma pessoa foi responsabilizada.

Após o vazamento da barragem, Samarco/Vale/BHP constituíram, em comum acordo com os governos da época, uma entidade privada para realizar os trabalhos de recuperação da bacia do Rio Doce e de indenização das comunidades atingidas. Porém, o que se tem hoje é uma profunda indignação com o caráter antidemocrático na condução dos trabalhos pela Fundação Renova, que exclui das decisões as comunidades impactadas e os movimentos dos atingidos. Apesar de ter sido criada para reparar os prejuízos, o histórico dessa entidade permite concluir que sua atuação tem na verdade como prioridade a proteção do patrimônio e do interesse das empresas. São muitas as denúncias de conflito de interesse na condução dos trabalhos, incluindo a incorporação de profissionais oriundos da Vale em cargos estratégicos da Fundação, além de influência indevida das mineradoras na decisão sobre o uso dos recursos e métodos de trabalho.

Outra iniciativa que não teve sucesso após passado o clamor imediato da tragédia criminosa ocorrida em Mariana/MG foi a tentativa de endurecimento da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Uma medida para aumentar os mecanismos de controle desse tipo de atividade chegou a tramitar no Senado Federal, prevendo, dentre outras coisas, a obrigatoriedade de contratar seguro ou apresentar garantia financeira para a cobertura de danos aos atingidos e ao meio ambiente, determinação para a empresa executar todas as recomendações oriundas de inspeções periódicas e previsão de punições mais severas para a empresa e seus responsáveis legais. No entanto, esse projeto de lei não caminhou no Congresso Nacional devido ao lobby das empresas mineradoras e acabou arquivado no final do ano passado.

Paralelamente a todas essas ações da Samarco/Vale/BHP para dificultar o processo de indenização dos atingidos, punição dos responsáveis e recuperação ambiental da Bacia do Rio Doce, além do lobby no Congresso para frear as medidas de aumento da prevenção e punição aos crimes da mineração, o que se tem verificado, por outro lado, são ações dessas empresas para acelerar o retorno da operação da mineradora Samarco na região de Mariana/MG. O atual presidente da Vale, Fabio Schvartsman, numa tentativa de viabilizar sua permanência no cargo, anunciou no final do ano passado que as operações da Samarco na região devem reiniciar em 2020.

Infelizmente o desastre criminoso ocorrido em Mariana/MG foi o mais perverso de toda nossa história, mas certamente não o único. Somente em 2018, para ficar em exemplos que também tiveram grande repercussão, tivemos o rompimento de um mineroduto da Anglo American que despejou uma mistura de minério de ferro com água em um rio de Santo Antônio do Grama (MG). E tivemos o despejo ilegal de efluentes oriundos de uma refinaria de bauxita da norueguesa Norsk Hydro na região amazônica em Barcarena (PA).

Defendemos que somente o que pode impedir a recorrência desse tipo de crime socioambiental é a construção de um outro modelo de desenvolvimento para o país, diferente do atual modelo primário-exportador, que ainda opera na lógica escravista, colonial e da espoliação. Necessitamos um modelo de desenvolvimento que não signifique exportação de suor e sangue, água e território. Um modelo de desenvolvimento feito para a maioria do povo brasileiro. A construção dessa alternativa deve ser uma luta estratégica dos debaixo, impulsionada pela articulação dos povos da cidade, do campo e da floresta. Precisamos de um Projeto de Desenvolvimento Popular!

Por outro lado, a luta imediata para que novas medidas de contenção contra desastres causados pela indústria da mineração não pode prescindir de um sério debate sobre a nacionalização da Vale. Além do imediato afastamento da diretoria da empresa, é necessário ouvir a população, através de um processo de consulta pública, sobre o que o povo acha da privatização da empresa ocorrida em 1997. Um processo de privatização muito contestado à época e que hoje se desdobra em dois desastres socioambientais de proporções irreparáveis em pouco mais de três anos. Sabemos que simplesmente ter a Vale como uma empresa pública não é garantia de que novos desastres não aconteçam, mas ao menos proporciona ao poder público a possibilidade de determinar, em conjunto com a sociedade brasileira, o ritmo e o método de exploração dos minérios e a prioridade na destinação de seus recursos. Afinal hoje o que assistimos é uma empresa estratégica para o país sendo gerida ao sabor dos preços das commodities, cujo objetivo primordial consiste na aceleração do extrativismo para poder encher o bolso dos investidores privados internacionais, não tendo como prioridade o retorno ao povo brasileiro e a garantia de melhores projetos e melhor gestão de impactos e riscos da sua atividade.

Fora Schvartsman!

Privatização mata!

Por uma Vale do povo brasileiro!

O desmonte da política ambiental

O primeiro mês de governo já foi suficiente para perceber que todo o discurso e plataforma política de Jair Bolsonaro não se sustentam. Na prática a realidade é outra.

Começa que todo o discurso da moralidade utilizado para iludir o povo brasileiro, que se encontra justamente indignado com a situação da corrupção no país, já caiu por terra nos primeiros dias do ano com o envolvimento de sua família em suspeitas relacionadas ao enriquecimento ilícito, acumulação indevida de patrimônio e lavagem de dinheiro. As medidas anunciadas sobre a facilitação no processo de classificação de documentos públicos como reservados e sigilosos e sobre a exclusão de familiares de políticos do radar de controle e investigação do COAF também caminham no sentido de enfraquecer os mecanismos de transparência e de combate à corrupção existentes no país.

Esse início de governo já foi suficiente também para constatar o real caráter do projeto de segurança pública de Bolsonaro, voltado principalmente para o fortalecimento das milícias nos grandes centros urbanos e de jagunços e pistoleiros no campo. Esses atores são os principais beneficiados pela recém-lançada medida de facilitação do posse de arma no país. Além disso, as investigações sobre a atuação do filho do presidente na Alerj demonstram a íntima relação da família com as principais milícias e grupos de extermínio do Rio de Janeiro.

E agora o crime da Vale em Brumadinho/MG torna-se mais um exemplo da realidade se sobrepondo ao discurso e à agenda de destruição do governo Bolsonaro. Se o afeto político que Bolsonaro aciona para engajar sua base social é o medo e a violência, o caráter das suas ações governamentais e das políticas públicas do seu governo possuem o caráter exclusivo de destruição. Destruição de direitos, destruição do serviços públicos, destruição da natureza e dos nossos territórios.

Desde antes da campanha eleitoral, o presidente fala sistematicamente em uma fictícia indústria da multa do Ibama. Algo completamente surreal considerando que os dados oficiais apontam para um índice de pagamento de apenas 5% do total de multas aplicadas. Ou seja, o que existe de fato é um quadro completo de impunidade no que se refere a crimes ambientais cometidos por grandes empresas, à exemplo do crime da Samarco/Vale/BHP em Mariana, onde a grande maioria das multas aplicadas ainda não foi paga.

Além disso, o discurso recorrente no Planalto é o de que a legislação ambiental é muito rígida e impede o pleno desenvolvimento do país. Mas na mesma semana em que o Presidente afirma em Davos que o Brasil é exemplo na área ambiental (lembrando que a posição de destaque que conquistamos nessa área se deve às políticas públicas que ele quer desmontar e aos povos tradicionais que ele quer destruir), assistimos incrédulos em Brumadinho/MG o que causa a flexibilização da legislação e o desmonte dos órgãos ambientais.

Um dos principais alvos do Governo e do lobby das empresas no Congresso Nacional é a flexibilização do licenciamento ambiental, o principal instrumento para prevenir impactos como os proporcionados pelo vazamento de rejeitos de barragens de mineração. Sobre esse tema, já se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3729/2004, apresentado há mais de uma década mas abraçado recentemente pela bancada ruralista e também pelo atual governo, o qual fragiliza ainda mais esse instrumento. As principais críticas residem no fato do PL permitir que empreendimentos de baixo impacto passem por um processo de licenciamento simplificado, sendo que a atribuição pela definição do grau de impacto das atividades fica a cargo de cada Estado. Essa previsão deve provocar uma espécie de ‘guerra fiscal’ no setor de licenciamento ambiental, com cada Estado oferecendo regras mais brandas para atrair investimento privado. Vale destacar que o Complexo Minerário de Córrego do Feijão obteve recentemente a licença ambiental para ampliação de sua atividade justamente através de um processo de licenciamento simplificado conduzida pelo Estado de Minas Gerais com a justificativa de que se tratava de uma atividade de baixo impacto.

No intuito de cumprir sua promessa de campanha de “acabar com o ativismo ambiental xiita”, o pacote de desmonte da política ambiental federal, até o momento, inclui o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente, exemplificado pela extinção da Secretaria de Mudança do Clima, do setor que articulava o combate ao desmatamento na Amazônia, do envio do Serviço Florestal Brasileiro e do Cadastro Ambiental Rural para o Ministério da Agricultura e do envio da Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Todas essas medidas conduzidas por Ricardo Salles, criador do Movimento Endireita Brasil, e interventor dos ruralistas indicado para o cargo de Ministro de Meio Ambiente.

Até o dia do rompimento da barragem da Vale o Ministro Ricardo Salles não havia dito nada a respeito dos principais desafios da pasta, que são gigantescos, nada sobre a regulação ambiental de grandes empreendimentos. As únicas falas e ações que se vê do Ministro são entrevistas e publicações em redes sociais atacando os trabalhadores da área ambiental, além de protestos contra o excesso de terras indígenas e de unidades de conservação, críticas sobre a estrutura de monitoramento e fiscalização do desmatamento na Amazônia e perseguição a movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

Agora o Ministro fala em punição severa à mineradora e fortalecimento da gestão ambiental. Mas como confiar em um sujeito que foi condenado em primeira instância por crime de improbidade administrativa justamente por beneficiar mineradoras nas mudanças do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Tietê?

No dia 24 deste mês a Justiça Federal remeteu para o Supremo Tribunal Federal o julgamento da ação popular que pede a nulidade da nomeação de Ricardo Salles para Ministro do Meio Ambiente. Entendemos que, após a tragédia de Brumadinho/MG, a permanência do ministro ficou insustentável por não ter autoridade moral para atuar com isenção na responsabilização da empresa e na exigência de justiça para as vítimas. Um criminoso ambiental não pode estar à frente da agenda ambiental federal.

Ainda no campo socioambiental, o desmonte inclui sucessivos ataques contra a política indigenista e a Funai, que perdeu sua atribuição de conduzir os processos de demarcação de terras indígenas. Essa responsabilidade passou também para o super Ministério da Agricultura, encabeçado pela Musa do Veneno e representante da bancada ruralista, Teresa Cristina (DEM-MS). O Ministério da Agricultura passou ainda a ser responsável pela política de desenvolvimento agrário e regularização de territórios quilombolas, já tendo ordenado ao Incra a paralisação de todos os processos de assentamento de reforma agrária.

Como se vê, o pacote de destruição da política ambiental é gigantesco. E a tarefa que está posta para o conjunto dos ativistas é aumentar os esforços de articulação e trabalhar para amplificar a indignação do povo perante mais esse crime ambiental. Só assim conseguiremos barrar todos esses retrocessos. Seremos resistência!

Por fim, nesse momento de dor e incredulidade, é dever de todos os movimentos e organizações prestarem solidariedade às famílias impactadas e ao povo de Minas Gerais, exigindo uma investigação independente sobre o evento, com capacidade para apontar o motivo dessa tragédia socioambiental e os culpados por mais esse crime envolvendo a Vale. É dever exigir também a constituição de uma entidade pública e independente, com participação das comunidades atingidas, responsável pela reparação às vítimas e recuperação ambiental da área.

Lama nunca mais!

Flexibilização Não!

Fora Salles!


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Pedro Micussi