Porto Rico no 1 de maio: o Povo Unido traça as linhas de combate

Paralisação nacional no país caribenho é respondida com truculenta atuação da polícia.

Berta Joubert-Ceci 12 maio 2018, 15:44

No último 1 de maio ficou exposta claramente a situação extrema de devastação política no arquipélago porto-riquenho. Traçaram-se as linhas de combate. Tornaram-se patentes os interesses que a administração do governador Ricardo Roselló – e de seus antecessores tanto populares como Penepeístas – quiseram disfarçar.

Cruamente mostrou-se a cara da colônia à mercê dos interesses do império.

Exitosa Paralisação Nacional

Desde cedo na manhã da terça-feira – um dia corrente de Porto Rico – foram vistas as ruas desertas. A Praça Las Américas, o centro comercial mais importante da área metropolitana fechou, assim como todos os negócios e bancos no centro financeiro a Milla de Oro, lugar onde se concentrariam milhares de boricuas [Termo usado para designar os Porto-Riquenhos, derivado do nome original (Taino) da ilha: Boriken – que foi adaptado em espanhol para Borinquen] respondendo ao chamado que o Povo Unido Contra a Venda e a Privatização dos Serviços Públicos fizera semanas antes. Já essas ruas desertas puderam constatar que a Paralisação Nacional foi um rotundo êxito.

Os que não compareceram às manifestações, seguiram as orientações das organizações convocantes. Não ir ao trabalho, nem à escola, não comprar, não fazer nenhuma transação bancária, enfim, tentar paralisar a economia por um dia. Desde vários lugares saíram marchas que confluíram na Milla de Oro. Chegaram inclusive desde Culebra e Vieques. Estudantes, professores/as, coletivos de mulheres, trabalhadores de diversos sindicatos, mães, pais, comunidades ambientalistas, meninas e meninos, cidadãs/os da terceira idade, famílias inteiras, enfim, todos os setores da população porto-riquenha se uniram. No sul e no oeste da ilha foram convocadas manifestações para os que não puderam viajar para a zona metropolitana.

Atuação criminosa da polícia

Todas as marchas se conduziram animadas, com militantes, consignas coreadas e em completa ordem. No entanto, segundo os informes de várias pessoas no lugar e de múltiplos vídeos propagados pelas redes sociais, a polícia tentou modificar os trajetos e impossibilitar a passagem das e dos manifestantes. Tudo com uma atitude hostil e insultando às e aos manifestantes desde o princípio até o final. De fato, desde dias anteriores, a imprensa capitalista já havia tratado de infundir medo para intimidar a população para que participasse das marchas. A polícia por semanas esteve se queixando de que desde o furacão María não é paga e está abandonada, apelando para a solidariedade do povo e se ausentando massivamente, naquilo que está conhecido por “blue flu”, descuidando-se da onda de criminalidade que atinge a ilha. Esse 1 de maio apresentou-se em peso para cumprir seu verdadeiro papel: protetora dos interesses capitalistas. Mais de mil agentes fortemente armado foram destacados, incluindo diferentes esquadrões de forças de choque mascarados. No final da marcha, quando o contingente do Coletivo Se Acabaron las Promesas, composto majoritariamente de jovens, trataram de passar em frente ao edifício que alberga a Junta de Supervisão Fiscal e chegar à plataforma principal, a polícia injustificadamente impediu a passagem com atitude provocadora. Alguns manifestantes responderam jogando bolinhas de gude e garrafas. Ao ver que a polícia se colocou em posição de ataque, o principal dirigente do contingente, Scot Barbés, iniciou negociações com o corpo policial que prometeu lhes deixar passar se cessavam de atirar objetos, o qual fizeram os manifestantes. Apesar disso, a polícia, depois de quase uma hora, arremeteu-se furiosamente contra a multidão, lançando gases lacrimogênios e dando cacetadas. Em várias fotos e vídeos podia-se ver mulheres e jovens com cabeças ensanguentadas, meninas e meninos atingidos por gases, centenas de policiais perseguindo jovens até uma urbanização onde ilegalmente invadiram uma casa para deter os estudantes.

Várias organizações de direitos civis estão investigando agora esta atuação da polícia. Entre as violações cometidas indicam: excesso de presença policial, o que é inconstitucional; bloqueio de estradas; uso de agentes químicos afetando crianças e idosos; agressão com balas de borracha contra pessoas que não cometiam qualquer delito; lançamento de gases em zonas residenciais e apreensão de ao menos uma dezena de pessoas sem divulgar onde eles eram levados.

Ante as acusações feitas por vários setores, o juiz federal Gustavo Gelí designou um agente especial reformado para que leve a cabo a investigação dos sucessos ocorridos nesse dia. É importante destacar que a Polícia de Porto Rico foi acusada de abusos no passado recente e atualmente está sob um processo de reforma a cargo deste mesmo juiz. Esta brutalidade policial fez parte da história política de Porto Rico contra o movimento independentista e faz recordar os acontecimentos do Cerro Marravilla em 1978 quando dois jovens independentistas foram levados ali por um oficial encoberto sob falsas premissas, e em emboscada, foram assassinados a tiros pela polícia.

Por quê? Quais são os antecedentes?

A insustentável crise de uma colônia em falência, que o capitalismo em decadência quer reestruturar para satisfazer a seus interesses, provou uma resistência que, embora ainda não tenha se aglutinado do todo, está dando constantes sinais de vida. Para sufocar essa resistência, os poderes fáticos criollos e estadunidenses prepararam suas forças repressivas. Essa é a razão da contratação do ex-agente do FBI, Héctor Pesquera, como dirigente do novo guarda-chuva da “Segurança Nacional” que abarca desde a polícia, bombeiros, emergências, etc., com um salário de $250,00. Pesquera, totalmente inefetivo para solucionar a crise de segurança cidadã pós-María, foi no entanto o cérebro destas operações de repressão do povo. Os planos fiscais apresentados em 19 de abril pela Junta de Controle Fiscal foram uma verdadeira declaração de guerra contra o povo boricua. E as guerras têm bandos. Não se pode esperar que o povo acate silenciosa e passivamente umas medidas tão draconianas impostas pelo Congresso dos EUA sob a lei PROMESA e sua Junta de Controle Fiscal, representando milionários estadunidenses. O mesmo presidente da JCF, José Carrión advertiu: “Os Novos Planops Fiscais propostos traçam a agenda para a mudança transformadora que Porto Rico necessita”. (Noticel, 19 de abril)

Contudo, a juízo de Sergio Marxuach, diretor de Política Pública do Centro para uma Noca Economia, “o Plano parece subestimar o impacto negativo da reforma fiscal e super-estimar o impacto positivo das reformas estruturais”. (O custo social do Plano Fiscal, 80grados.net)

Porém, a que mudanças se refere? Para estas reformas, a JCF apresentou os planos fiscais para o governo e as agências como a Autoridade de Energia Elétrica, Autoridade de Aquedutos e Saneamento, a Universidade de Porto Rico e outras. Propõem uma planificação de cinco anos onde estimam um aumento na arrecadação de $2,296 bilhões e cortes nos gastos por $ 9,9

Entre as medidas propostas estão: privatizações de agências, eliminação do bônus de natal e das mesadas por demissão injustificada; reduzir dias de férias ou enfermidade; condicionar o aumento de salário mínimo; fechar escolas e reduzir gastos nominais em educação; consolidar oficinas e eliminar quartéis da polícia; fechar prisões e enviar confinados às cárceres dos EUA; reduzir (ao menos) em 10% o valor das aposentadorias; reduzir em mais de $200 milhões os aportes para a Universidade de Porto Rico; reduzir em mais de $ 175 milhões as transferências para os municípios, e muitas outras medidas mais, além de “compactar” 114 agências em 22 e sobretudo, derrubar as leis de proteção laboral.

É desnecessário constatar os nefastos efeitos que isso trará para o futuro da nação boricua. Citando o artigo de Marxuach:

“Os seis membros da Juinta que aprovaram o Plano acreditam, apesar de toda a evidência ao contrário que Porto Rico se converterá num paraíso neoliberal. Isso é pouco provável. Mais factível é que acabemos em uma distopia infernal: mais polarização social, desemprego, pobreza extrema, criminalidade, maltrato de menores, violência de gênero, abuso de substâncias controladas e suicídios; e menos escolaridade, expectativa de vida e mobilidade social”.

E podemos terminar com estas reflexões que Carlos Alá Santiago Rivera, Catedrático da Escola Graduada de Administração Pública e Ex-Diretor do Instituto de Relações do Trabalho da UPR, escreveu em 2 de maio no jornal Claridad. No interessante artigo “Violência Institucional como proposta governamental”, referindo-se sobretudo à proposta Reforma Laboral que anula a negociação coletiva, disse: “O abandono sistemático do governo de Porto Rico dos métodos tradicionais de resolução de conflitos coletivos, entre estes o da negociação coletiva, é um chamado à renovação da violência… Rivera continua:

“Se as controvérsias entre os patrões e trabalhadores já não podem ser mais negociadas, então o que resta é o confronto entre as partes num conflito de difícil solução, violento, caótico e interminável… A negociação coletiva era entendida como o meio adequado para resolver pacificamente as causas que provocavam a guerra entre as partes. Na ausência desse instrumento ou ante sua suspensão e degradação hoje resta uma mera interrogação do passado: como exatamente eles querem resolver os problemas laborais e sociais que surgiram?”

8 de maio de 2018

Reprodução da tradução disponível no Portal de la Izquierda.


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