O grito por Marielle ecoou: seguir a luta por justiça e pela prisão dos mandantes

A jornada de justiça por Marielle não pode ser entendida como um fato isolado, mas como parte de um calendário de mobilizações contra a extrema direita.

Camila Goulart e Israel Dutra 17 mar 2019, 21:16

As lutas populares, que tiveram como ponto alto o “Ele Não” no ano passado, voltaram a ter lugar nas ruas do país e do mundo e nas mídias, retomando com força o caso Marielle Franco. Há um ano, em 14 de Março de 2018, junto com o seu motorista Anderson Gomes, seu brutal assassinato chocou a sociedade brasileira.

Os atos do último dia 14 marcaram um primeiro ciclo de mobilizações democráticas e questionamentos contra o autoritarismo expresso pelo governo Bolsonaro e contra a extrema-direita. Tiveram em Marielle seu rosto e bandeira, na esteira da festa popular do carnaval e do dia internacional das mulheres.

Ao completar um ano do assassinato político dessa mulher, negra, LGBT, favelada, socialista, que estava vereadora do RJ pelo PSOL, a data foi marcada pelo luto, mas principalmente por muita luta. Como resposta aos que tentaram assassinar a honra e o seu legado, espalhando fake news e quebrando sua placa em praça pública, milhares de novas placas em homenagem à Marielle se multiplicaram pelos cinco continentes. Não só por todo Brasil, mas também em cidades como Buenos Aires, Amsterdã, Genebra, Bolonha, Madri, Melbourne, Londres, Nova Iorque, Boston, Los Angeles, Montreal, Ottawa, Montevidéu. O parlamento chileno conheceu um protesto organizado pela Frente Ampla, por justiça. A execução de Marielle se converteu em uma preocupação internacional, portanto é fundamental que essa preocupação se converta na articulação dos diversos setores da esquerda para resistir aos ataques às questões democráticas.

A jornada de justiça por Marielle não pode ser entendida como um fato isolado, mas como parte de um calendário de mobilizações contra a extrema direita, seus métodos autoritários e seu plano de ajuste, asfixiando os direitos do povo pobre e que teve nela o principal símbolo.

Carnaval de rua, 08 de março e justiça por Marielle

Há um ano que nosso partido vem exigindo justiça para Marielle e para o motorista Anderson, e esse ciclo de protestos começou ainda nos primeiros dias do ano com o Carnaval, que disputou ideologicamente a consciência popular com sambas enredo e alegorias. A Mangueira, que foi a campeã do carnaval do Rio de Janeiro, foi o ponto alto. Contando a história dos “heróis dos barracões”, dos invisibilizados, com a “história que a história não conta”, e tendo em Marielle o símbolo mais forte desses heróis do tempo presente, com uma bandeira do seu rosto em verde e rosa que ficou conhecida no Brasil inteiro. Mas não apenas a Mangueira, outras escolas de samba, blocos de rua e manifestações culturais reivindicaram Marielle e fizeram a disputa contra o Bolsonaro.

Como disse o samba enredo: “na luta que a gente se encontra”, e assim foi. O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, foi outro ponto forte de mobilização internacional e nacional. No Brasil, milhares de mulheres saíram às ruas contra o governo e seus ataques, pelo fim do feminicídio. Mais uma vez, o símbolo que sintetizou e deu um rosto unitário ao diverso movimento que estava mobilizado foi o de Marielle Franco.

A próxima data desse calendário foi o 14 de março, onde nós do PSOL sabíamos que tínhamos sobre nossos ombros uma imensa responsabilidade. Fazer um dia que marcasse com força a luta por justiça para Marielle, apostando na continuidade da mobilização democrática e no papel que o PSOL precisava ter diante de um ano desse crime político bárbaro.

Prisão dos assassinos. Falta saber quem matou e por quê

Dois dias antes do 14M fomos surpreendidos com a prisão dos dois principais suspeitos de terem assassinado Marielle. O policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, ligados à milícia. Apesar dessa importante ação da Polícia, o caso para nós está longe de ter sido resolvido. Por isso que perguntamos: quem mandou matar Marielle e por quê?

Marielle foi assassinada pois foi parte da CPI das milícias, com Marcelo Freixo, hoje Dep. Federal do PSOL pelo RJ, e em 2018 era a relatora da CPI da Intervenção Militar no Rio de Janeiro e denunciava essas organizações criminosas que massacram o povo pobre da periferia e que tem relações intrínsecas com os políticos. As últimas revelações indicam, inclusive, relações das milícias com a família Bolsonaro.

Várias perguntas ainda seguem sem respostas. Qual origem e trajetória dos 117 fuzis apreendidos numa das buscas, onde os indícios apontam que eram de propriedade de Ronnie Lessa? Segundo a Revista Piauí, os vínculos com a milícia chegam ao grupo conhecido como “Escritório do Crime”. Quais relações que esses setores têm com políticos importantes do Rio e do Brasil? Pouco se sabe também do afastamento do delegado Giniton Lages. Durante a divulgação da Operação Lume, duas entrevistas coletivas foram feitas ao longo do dia, de forma separada e distinta. A do governo, com Witzel e o então responsável Lages à frente, no Palácio Guanabara, e outra com as responsáveis do Ministério Público, numa linha mais independente das investigações.

A prisão dos assassinos foi um passo importante, ainda que tardio. Mas é fundamental seguir exigindo justiça, o que soubemos até agora foi apenas a ponta do iceberg da relação promíscua desses milicianos criminosos com a política brasileira e o Estado. É preciso colocar atrás das grades os mandantes e apurar as relações entre as milícias e os políticos do alto escalão carioca e nacional.

A esquerda combativa deve seguir mobilizando: o papel do PSOL

Estivemos impulsionando desde cedo, ao longo de todo dia 14, manifestações, homenagens e protestos por todo o país. Faixas exigindo saber quem mandou matar, placas de rua com o nome da Marielle sendo colocadas em diversas cidades, colagem de cartazes exigindo justiça. Escolas, universidades, bairros, locais de trabalho foram palco das mais diversas manifestações. Os parlamentares do PSOL prestaram homenagens em seus pronunciamentos nas câmaras e assembleias das grandes cidades. No âmbito nacional, ficou o memorável discurso de Freixo no grande expediente de 12/03, junto com a bancada federal do Partido, apesar das provocações de idiotas do PSL. No dia 14 foi feito um ato no salão verde da Câmara de Deputados, com boa parte da bancada e militantes, registrando em uníssono a chamada por Marielle.

Durante à noite, houve caminhadas em várias capitais, de norte a sul do país. Em São Paulo se reuniram mais de 15 mil pessoas. Aqui em Porto Alegre, tivemos 10 mil reunidos no centro em um ato chamado e organizado pelo PSOL. O ato foi muito forte e representativo. Contou com a participação das nossas figuras públicas, como Roberto Robaina – vereador de Porto Alegre, fundador e dirigente nacional do PSOL, Pedro Ruas, também dirigente do partido, de outros partidos políticos do campo da esquerda, movimentos sociais, estudantis, LGBTs, feministas, de negritude, sindicatos, associações, movimento popular, setores do hip Hop, do samba.

Apesar da diversidade, as parlamentares do PSOL, Luciana Genro, Dep. Estadual, Fernanda Melchionna, Dep. Federal, e Karen Santos, vereadora da cidade, deram o tom da nossa exigência. Defendemos o perfil combativo do ato. O PSOL gaúcho deu exemplo ao comandar agitação na cidade, com colagens de cartazes ao longo da semana, intervenção parlamentar e agitações nos bairros, nos locais de trabalho e de estudo. Nossos delegados sindicais da saúde levantaram a bandeira de Marielle. Houve uma assembleia especial na ocupação urbana Marielle Franco, na região metropolitana. Os militantes do Juntos construíram intervenções nos cursos e restaurantes universitários.

O PSOL vai seguir defendendo o legado de Marielle. Sua morte evidencia o braço mais perigoso das ações armadas no país, as milícias cariocas. Por conta disso, o partido deve defender também Marcelo Freixo, alvo das mesmas bandas que assassinaram Marielle e Anderson.

Não podemos diluir o papel de Freixo, até porque reduzir a sua força é exatamente o que querem as milícias. Foi Freixo o político que foi mais longe no enfrentamento a elas. A CPI indiciou 226 pessoas, entre elas, ex-secretário, deputado estadual, vereadores, policiais militares e civil ligados ao crime. Ainda no Rio, fruto Operação Lava Jato, a prisão dos ex governadores. Freixo também foi o principal porta voz da luta contra estes setores. Então é mais do que nunca necessário fortalecer seu nome. A própria mídia, por razões de realismo jornalístico, reconhece isso. O partido deve postular esta liderança para fortalecer o combate à criminalização da pobreza em nosso programa.

É equivocado restringir a defesa do legado de Marielle a uma ou outra causa, ou reduzir a um simples crime de ódio, como querem alguns formadores de opinião. O PSOL não pode capitular ao discurso que limita a luta por justiça ou secundariza o papel de Marcelo Freixo. Diluir o partido numa pauta de “movimentos” é um erro estratégico na defesa dos interesses do povo pobre, dos que lutam contra as violações de direitos nas favelas, ou defendem o direito das mulheres, da negritude e da comunidade LGTBQI.

Não vamos abaixar nossas bandeiras nem nos intimidar pelas ameaças que o PSOL vem sofrendo dos defensores das milícias e do ódio.

Mais do que a responsabilidade de levar essa luta adiante, precisamos afirmar um projeto político independente. Marielle é um forte símbolo da luta democrática, e sua execução é fruto da degeneração desse sistema. E é o PSOL que pode ser consequente nesta luta.

Na luta que a gente se encontra

Para seguir a luta por justiça, articulando com as demais lutas populares, tomamos o exemplo do 14 de março para apostar na construção da resistência. Assim foram as aulas inaugurais da Rede de Cursinhos Emancipa. Elas ocorreram no dia 17 de março, simultaneamente em Belém, Natal, Brasília, Montes Claros, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São Paulo e Curitiba. Foram fortes atividades, de diálogo com a juventude negra e periférica sobre a campanha de Justiça para Marille e de disputa de uma ampla vanguarda para a defesa da educação como uma “arma” de transformação social.

As próximas agendas envolvem a pressão para a continuidade das investigações. Também a luta contra os ataques que Bolsonaro e seu governo planejam, como a Reforma da Previdência e o desmonte da educação.

O PSOL deve estar à altura de seu desafio histórico. A responsabilidade por construir uma resistência massiva e reinventar um projeto de esquerda no Brasil, com socialismo e liberdade como princípios é uma tarefa a ser construída por muitas mãos.

A força do povo brasileiro é o principal ativo para seguir dando a batalha por dias melhores e por justiça para os nossos.

Por Marielle e Anderson, que estão presentes, agora e sempre.


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Pedro Micussi