“Acredito que esse seja o momento mais adequado para afastar Bolsonaro”

Fernanda Melchionna analisa discute conjuntura política brasileira.

Fernanda Melchionna 16 abr 2020, 15:00

Fernanda Melchionna é deputada federal pelo PSOL do Rio Grande do Sul e pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre para eleições de 2020. Como deputada, ganhou, pelo voto do júri popular, o 18º lugar no Prêmio Congresso em Foco 2019, um dos prêmios mais tradicionais da imprensa brasileira. É natural de Alegrete (RS) e a primeira parlamentar bibliotecária da história da Câmara dos Deputados. Esteve como vereadora de Porto Alegre durante dez anos. 

No dia 18 de março, a parlamentar gaúcha, junto às deputadas Sâmia Bomfim e Luciana Genro e ao deputado David Miranda, todos do PSOL, além de intelectuais, artistas, movimentos sociais e outras organizações políticas e civis, protocolou um pedido de impeachment de caráter emergencial contra o presidente Jair Messias Bolsonaro. O pedido não foi uma iniciativa em conjunto com a Executiva Nacional do partido, que divulgou uma nota crítica à ação.

As atitudes do primeiro mandatário, sobretudo no que se refere ao tratamento da pandemia do coronavírus no país, são consideradas crimes de responsabilidade na avaliação do grupo signatário. Em entrevista, Fernanda amplia detalhes desta e outras ações de caráter urgente hoje no meio da crise sanitária que o país e o mundo estão vivendo.

Qual o principal fato que acabou reunindo parlamentares do PSOL no pedido do impeachment do presidente Bolsonaro?

Não é nenhuma novidade que o Bolsonaro cometeu inúmeros crimes de responsabilidade ao longo de 2019. Um governo claramente protofascista, que tenta a todo momento restringir as liberdades democráticas dos trabalhadores e, enfim, do Brasil. Tenta romper as ideias centrais da Constituição Federal e ao mesmo tempo implementar medidas econômicas antipovo. Entretanto, em 2020, teve alguns fatos extremamente graves. Primeiro o tema da convocação da manifestação com caráter claramente golpista para o dia 15 de março, que já foi um sinal de start, que nos deu razões para começar a pensar no impedimento como um horizonte a ser construído junto com as forças democráticas do nosso país. E depois quando já na crise de pandemia, com a entrada do Covid-19 no Brasil, não só ele divulgou nas redes sociais essa manifestação, como pessoalmente esteve lá, apertando a mão das pessoas, logo ele que esteve em uma comitiva [vinda dos Estados Unidos] com mais de 20 infectados, descumprindo todas as medidas sanitárias. 

Então, embora seja o pior momento do Brasil, que nós enfrentamos um vírus desconhecido, com muitas mortes já, há muitos infectados e uma uma prospecção ainda muito grave, o desregulamento do Sistema Único de Saúde e de perda grande de renda de salário por parte da população, talvez esse seja o momento mais adequado para afastar o presidente. O presidente hoje acaba sendo quem mais atrapalha no combate à pandemia, descumprindo e mandando descumprir as orientações da Organização Mundial de Saúde. Atrapalha os esforços que precisam ser feitos nesse momento de unidade nacional contra o inimigo número um, que é o Covid-19. Eu ainda não tenho dúvida que o inimigo número 2 no clube para enfrentar o vírus é Jair Bolsonaro. Portanto é preciso construir uma derrota dele, neste momento, o que resultaria numa vitória para o povo brasileiro. E na verdade no pedido não são só várias lideranças do PSOL, mais intelectuais, artistas, lideranças de diferentes grupos para a defesa dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, das lutas antirraciais, também o Vladimir Safatle, [as antropólogas] Rosana Pinheiro-Machado e Débora Diniz, artistas como Gregório Duvivier, Felipe Neto, [o historiador e Youtuber] Henry Bugalho. Acho que tem um leque de mais de 200 personalidades que são importantes e que mostra que existe um grande movimento social e político em defesa do Brasil, e contra um psicopata e um criminoso que é o Bolsonaro.

Como funciona esse pedido de impeachment?

Ele é protocolado. Ele não foi arquivado pelo presidente [da Câmara, Rodrigo Maia], mas ele precisa ser aceito. Por isso é que nós começamos a campanha “Recebe Maia” no sentido de que ele receba esse pedido de impedimento, à luz do abaixo-assinado que reuniu um milhão de pessoas e que nós entregamos pessoalmente no protocolo, pedindo que seja incluso, para fortalecer uma luta. E para que de fato se inicie o processo. A gente sabe que no Parlamento e nas instituições de uma forma geral vale a correlação de força. Então estamos chamando as pessoas a se somarem nas diferentes tipos de luta possíveis. A luta nesse momento é uma luta com panelaços, é uma luta nas redes, porque nós não somos irresponsáveis como Bolsonaro para chamar uma mobilização de rua. Mas essas outras formas de mobilização de auto-organização precisam se expressar, nos ajudando a viabilizar a perda de apoio que o Bolsonaro e o bolsonarismo, como conceito de política do ódio e do achismo estão tendo. Eu não tenho nenhuma dúvida que se tivesse a possibilidade de ocorrer mobilização nas ruas, nós seríamos milhões de pessoas do Brasil contra o Jair Messias Bolsonaro e em defesa da vida. Mas como nós não podemos, nós somos responsáveis, nessa situação política temos que fazer muitos panelaços, muitas mobilizações em rede, muito abaixo-assinado, sermos criativos e insistentes na crítica, além de nos proteger e proteger as nossas famílias. Temos que ser solidários com os vizinhos. Porque nesse momento também entra no debate se o que vem será a barbárie ou a humanidade.

O cidadão comum pode apoiar de alguma forma? Quais são as plataformas para acessar mais informações sobre o assunto?

O cidadão comum pode e deve ajudar muito nesse processo. Nas nossas três páginas dos deputados federais que assinaram o pedido de impedimento – nossa querida Sâmia Bomfim (SP), nosso companheiro David Miranda (RJ), e a minha própria. Todas as páginas têm um abaixo-assinado que pode ser assinado pelo pessoal e pode ser compartilhado via WhatsApp, via redes sociais. A minha página sai direto um abaixo-assinado e nessa plataforma pode ter informações sobre pedido de impedimento, sobre quais são os crimes de responsabilidade que nós estamos apontando. Quem assina nos ajuda nessa mobilização virtual para fortalecer esse pedido e de fato conseguir barrar esse criminoso.

Qual é hoje a adesão real do Congresso para que esse pedido seja aceito? 

Está em aberto. Por que o próprio processo de impedimento de luta contra o Bolsonaro tá aberto e depende da nossa correlação de forças, das possibilidade de as forças democráticas pautarem no horizonte uma alternativa no nosso país. Estamos tentando ir pelo caminho que for mais rápido, e que permita de fato afastar esse criminoso nesse momento. Porque  precisamos proteger o nosso povo, garantir uma renda básica, garantir o salário, garantir o emprego, ampliar o SUS, proteger os profissionais de saúde. E qualquer caminho para nós é válido. Mas nós precisávamos botar um horizonte, porque é fato que tem um setor que acha que o importante é esperar 2022, quando temos um governo que a cada dia pode fechar ainda mais as liberdades democráticas. Nós achamos que o Bolsonaro atrapalha para combater o Covid-19 e que a esquerda não pode se prender no calendário eleitoral de 2022. Que a cada dia que esse psicopata segue governando, a nossa população corre muitos riscos, por isso é no momento mais difícil da nossa história, como é ter que enfrentar um vírus como o coronavírus, que é o momento mais necessário para intimar o Bolsonaro. Porque derrubar o Bolsonaro significaria defender imediatamente um governo comandado pela ciência, para combater a pandemia, e depois da pandemia, novas eleições para que o povo seja chamado a participar. 

Por que pensa que Bolsonaro se nega a tomar alguma medida de política pública para conter o sofrimento da população diante da crise causada pela pandemia? É uma questão de ideologia ou de interesses?

O Bolsonaro está preocupado é com a saúde dos mercados. É uma questão de ideologia, ele é um negacionista, ele não acredita na ciência, ele é um obscurantista, um propagador de fake news como DNA do projeto político dele, dos filhos dele e do Olavo de Carvalho, que é um pseudointelectual guru desse projeto político protofascista no Brasil. Mas também ele tá preocupado com que as pessoas voltem a trabalhar para salvar a saúde dos mercados, dos capitalistas, enfim, não importa o custo de vidas que isso vai causar. Ele não só faz esse tipo de política no discurso, também tentou via Secretaria de Comunicação chamar uma carreata para o Brasil voltar a abrir os comércios, tentou produzir a campanha “O Brasil não pode parar”. Mas ele teve que voltar atrás porque era escandaloso, era contrário a todas as orientações da Organização Mundial de Saúde. Quando ele desautoriza governadores e prefeitos que estão tomando as medidas sanitárias, não é só que ele é um entrave, ele é alguém que trabalha contra o ordem e a saúde pública e atrapalha a rapidez que nós precisamos para fazer que menos vidas corram riscos.  Veja, a Câmara aprovou há mais de 12 dias a renda básica, e 12 dias depois apareceu um site que muitas pessoas não conseguiram cadastrar e ainda os pagamentos não foram liberados. Para fazer o isolamento a gente tem que dar condições para que o povo faça o isolamento. Está acontecendo que a fome está aumentando no Brasil. Sempre contou com índices altos. Agora, com as crises recentes, com a desigualdade que produz uma agenda ultraliberal todo vai piorando. Já eram 13 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria, tu imagina agora, com o grau de informalidade e precarização do trabalho que aumenta devido às políticas deste governo. Nesse cenário, eles seguram um benefício como a renda básica, aprovado rapidamente pela Câmara dos Deputados. Um horror.  Ele na verdade faz chantagem. Usa o estômago das pessoas e pede para elas voltarem a trabalhar. 

Como vê o cenário atual para reativar um projeto de lei de taxação das grandes fortunas?

Dentro do cenário atual, toda uma parte enorme dos defensores da agenda ultraliberal estão dizendo que é importante abandonar suas ideias e entrar com políticas compensatórias, fundamentais nesse momento. Que é o tema da renda básica, que é o tema da garantia do salário, de empregos etc. E obviamente nós não temos nenhuma dúvida de que essas medidas são fundamentais nesse momento. Mas também é preciso já fazer o debate de quais são as alternativas para garantir que o Estado possa defender os trabalhadores e salvar vidas, tirando de quem tem. Taxando grandes fortunas, suspendendo o pagamento da dívida pública, garantindo taxação de lucros e dividendos. É um escândalo! Veja, tem um setor dos ricos que foi se refugiar em iates, para se refugiar do Covid-19. Eles não pagam tributos sobre essas embarcações, enquanto o pessoal aqui não consegue pagar aluguel que é óbvio, a crise tá muito pesada para a maioria das pessoas. Enquanto isso, os ricos seguem no seu mundo paralelo. Então não é aceitável que quando acabar a pandemia eles querem arrochar salário de servidor,  demitir servidor público, atacar o direito dos trabalhadores. Mais ainda endividar com uma taxa o Estado, sem discutir uma dívida pública que nunca foi auditada. Então é preciso começar a fazer sim esses debates. Portanto eu desarquivei o projeto da Luciana Genro, da taxação das grandes fortunas, que foi assinado pelo [ex-deputado] Chico Alencar e pelo [deputado federal] Ivan Valente também. Sâmia Bomfim tem trabalhado muito nesse tema também. A oposição tá fazendo um conjunto de medidas econômicas, com seis temas emergenciais para a gente começar a debater desde já as alternativas econômicas, para que a gente possa, na garantia com os que têm muito mais, que paguem pela crise. Não é normal que nos últimos anos tem aumentado o número de pessoas em situação de miserabilidade, tem aumentado o número de desempregados, tem reduzido globalmente a renda da classe trabalhadora brasileira, e que os milionários sejam mais milionários. E foi isso mesmo o que aconteceu. Nós temos mais bilionários no Brasil agora. São 206 pessoas com uma renda de um trilhão e 200 bilhões de reais. Nós temos bancos com lucros no valor, no ano 2019, de 112 milhões, só de lucros líquidos. Tem muita gente que tá ganhando muito à custa do povo, e é preciso reverter isso. A desigualdade anterior ao Covid-19 hoje se potencializa, então é preciso combater o Covid-19 agora e abrir um outro caminho para o futuro, que é um caminho de igualdade e de justiça de direitos para população.

Como operam as desigualdades sociais e a ausência do Estado na luta contra uma pandemia?

A pandemia acelera sua reprodução. Eu fiquei chocada com o primeiro óbito que eu tive contato nos primeiros dias de Covid-19. foi uma empregada doméstica, uma trabalhadora doméstica, e contraiu o Covid da sua patroa. É um triste exemplo de como a desigualdade vulnerabiliza os menos favorecidos. Claro que nós não queremos que ninguém morra, nem a patroa, nem a trabalhadora doméstica. Mas nesse exemplo a gente vê que o elo sempre estoura no polo mais frágil. Nós já temos um problema no Sistema Único de Saúde de falta de leitos, de uma quantidade de gente que não tem as cirurgias marcadas. De morte de pessoas esperando na fila. Da dificuldade dos nossos profissionais de saúde de atender ao conjunto de demandas do nosso povo, pela falta de estrutura do SUS, pelo corte de investimentos com a Emenda Constitucional 95, pela consequência dessa agenda ultraliberal. E é óbvio que essa desigualdade também é impactada no momento de 2019, seja no acesso aos serviços públicos de saúde, quando o rico vai poder se tratar no Albert Einstein, ou em qualquer desses leitos privados. O povo depende da ampliação do Sistema Único de Saúde. Por isso a gente tem batido muito no tema da renda mínima, desde antes de ser aprovado eu já tinha projetos nesse sentido, o primeiro do PSOL. Depois nós construímos juntos com a oposição. Teve esse projeto que foi votado pela Câmara dos Deputados, que é um importante projeto. Então isso é fundamental porque as pessoas que não têm renda, não tem como escolher morrer de fome ou contrair Covid-19. Então tem que dar condições para garantir o isolamento social, e isso ainda hoje não foi dado pelo governo Bolsonaro. Quando o Bolsonaro faz a sua enorme quantidade de fake news dizendo ao Brasil “com a Itália não se pode comparar porque ela tem muito mais idosos”… é verdade, mas aqui nós temos 30% das pessoas sem água, e a água é essencial nesse momento. Sempre a água é vida, mas agora que a gente precisa estar sempre lavando as mãos, as pessoas estão sem sabão, sem alimentos. 50% da população brasileira não tem saneamento básico. Imagine o Covid-19 nas periferias brasileiras em que as pessoas moram muito próximas umas das outras, onde as famílias são numerosas e muitas vezes compartilham a mesma casa. Como garantir o isolamento para que há transmissão descontrolada? Como garantir que um jovem que saiu para a rua não passe para sua avó, que é do grupo de risco? Falando nisso, já tivemos mortes de pessoas com 40 anos, nós tivemos agora a morte de um bebê no Rio Grande do Norte.  Nós tivemos  mortes das mais variadas idades, embora a letalidade seja maior para idosos. E mais grave ainda, os profissionais de saúde, que é gente que tá na ponta. São trabalhadoras e trabalhadores que estão arriscando a vida para proteger a população. Não podem estar trabalhando sem equipamento de proteção individual, sem as máscaras, sem o afastamento de quem tá em grupo de risco. Uma irresponsabilidade o que o governo está fazendo. E aí tem o problema da importação de materiais e a pirataria que os Estados Unidos está fazendo. Mas também de uma incapacidade do governo de fazer uma reconversão industrial. Nós temos uma indústria aqui como a Petrobras produzindo o álcool, a Universidade pode produzir álcool! Nós podemos reconverter a indústria têxtil para produzir macacão, equipamento de proteção individual em campo e fazer ventilador pulmonar. Mas o que que ele faz? Ele não faz a reconversão industrial. Ele corta as bolsas dos pesquisadores que estão trabalhando na ciência para combater o Covid-19, e ainda não dá condições para que a universidade e os nossos pesquisadores de ponta entrem com todo o seu conhecimento para enfrentar o Covid-19. Não tem outra palavra para o Bolsonaro. Ele é um criminoso. Só que nós não queremos deixar para denunciá-lo num Tribunal Penal internacional depois que a pandemia passar porque a cada dia que ele segue [no cargo] serão mais mortos e nós não queremos isso. Precisamos fazer isso agora, fazer o impedimento desse presidente incompetente e criminoso. Por isso seguimos na luta, por medidas emergenciais para combater o Covid-19, mas também sabendo da nossa responsabilidade histórica, que é a necessidade de derrotar o Jair Messias Bolsonaro para salvar a vida da nossa população.

Entrevista realizada por Juan Manuel P. Domínguez para o portal Brasil 247

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Pedro Micussi