Brasil: Onze novos bilionários e 116 milhões sem almoço

A injustiça tributária cavou um abismo ainda maior entre pobres e ricos, mantendo o Brasil na vergonhosa posição de país com a maior concentração de renda do mundo, perdendo apenas para o Catar.

Maria Regina Paiva Duarte 30 abr 2021, 14:40

Em meio ao caos pandêmico e uma gestão desastrosa das crises sanitária e econômica, com mais de quatro mil mortes diárias pela covid-19, choca a notícia de que 11 novos brasileiros foram incluídos na lista de bilionários da Forbes. O ranking global dos bilionários de 2021, divulgado pela revista no dia 6 de abril inclui 30 brasileiros, sendo 11 novatos compondo este seleto grupo. No mesmo dia também foi notícia que metade da população do Brasil não tem garantia de comida na mesa.

É chocante, mas tínhamos sinais desse abismo. No ano passado, em plena pandemia, 42 bilionários brasileiros acumularam mais R$ 176 bilhões às suas fortunas, valor superior ao orçamento da saúde em 2020! Outra comparação mostra que estes bilionários lucraram mais que o valor do auxílio emergencial do ano passado.

Além de mitigar a fome e ajudar famílias mais necessitadas, este auxílio fez com que o PIB não tivesse uma caída ainda mais expressiva do que teve. Este recurso movimentou a economia, pois foi usado no consumo e sobrevivência de milhões de famílias.

Valores injetados na economia geram demanda, venda de produtos e serviços, agregando valor ao país. Bem ao contrário do efeito das fortunas acumuladas, que são improdutivas e estão estocadas, gerando riqueza apenas aos detentores, em valores e cifras que escapam à compreensão da imensa maioria da população. É o chamado capital vadio: vive de juros e especulação, não gera nenhum emprego e nenhum movimento produtivo para a nação.

Além de ser incompreensível do ponto de vista numérico, a acumulação da riqueza é absurda e revoltante quando se constata o aumento da miséria, da fome e da capacidade de sobrevivência desse imenso contingente de pessoas que passam dificuldades. Estima-se 116 milhões de pessoas com insegurança alimentar, 15 milhões de desempregados, cinco milhões de desalentados e mais de 40 milhões no trabalho informal, completamente precarizados.

No período pandêmico, a riqueza de 65 bilionários brasileiros quase dobrou: passou de US$ 127,1 bilhões ano passado para US$ 219,1 bilhões (cerca de R$ 1,2 trilhão). Este dado contrasta fortemente com a insuficiência ou mesmo ausência de renda da maioria da população, com o aumento da fome e da situação de vulnerabilidade. Mas, ao mesmo tempo, nos indica a fonte de obtenção dos recursos para salvar vidas e combater a crise econômica: tributar os super-ricos!

Historicamente subtributadas, as grandes fortunas se acumulam cada vez mais. Estudo publicado pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF) mostra que aproximadamente R$ 650 bilhões é o valor que as classes mais ricas deixaram de pagar de imposto, entre 2007 e 2018, por conta da regressividade das alíquotas efetivas sobre as altas rendas.

Neste período de 11 anos, os contribuintes com rendas maiores do que 30 salários-mínimos passaram a pagar cada vez menos impostos, enquanto os contribuintes com rendas mais baixas passaram a pagar mais imposto a cada ano. Em decorrência, os contribuintes mais ricos tiveram também um crescimento muito maior no valor das suas riquezas acumuladas neste período.

A injustiça tributária cavou um abismo ainda maior entre pobres e ricos, mantendo o Brasil na vergonhosa posição de país com a maior concentração de renda do mundo, perdendo apenas para o Catar.

O valor médio do patrimônio daqueles que estão entre os 0,01% da população mais rica do país é 610 vezes maior do que daqueles que ganham até cinco salários mínimos que representam quase 80% da população. A acumulação também se dá pela baixa tributação de heranças e doações, limitada em 8% e 6%, respectivamente, alíquotas muito baixas quando comparadas com outros países.

O Congresso Nacional precisa assumir a liderança neste processo de tributar os super-ricos. Em agosto de 2020, foram apresentadas oito propostas de leis que podem arrecadar cerca de R$ 300 bilhões ao ano, onerando apenas os 0,3% mais ricos do país.

O que significa para estes bilionários terem uma ínfima parte de sua riqueza tributada? Nada! O que vai significar para essas famílias necessitadas? Vida!

Justiça fiscal salva vidas. É disso que estamos falando.

A campanha “Tributar os Super-Ricos”, integrada e apoiada por mais de 70 entidades nacionais, visa a implementar este conjunto de oito medidas para enfrentar a crise econômica, agravada pela pandemia de covid-19, com o aumento dos tributos sobre as altas rendas, grandes patrimônios e redução para as baixas rendas e pequenas empresas. Na fase atual da campanha, as entidades pressionam por sua tramitação no Congresso Nacional.

Essas medidas reduzem a desigualdade, movem a economia e dignificam um país. Medidas que vários países já adotaram ou estão implementando, como Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Equador e agora anunciadas nos EUA.

Um dos eixos principais da campanha é corrigir as distorções no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que livra as rendas do capital. O Brasil é praticamente o único país do mundo onde pessoas que recebem lucros, dividendos e rendimentos de aplicações financeiras são isentas do Imposto de Renda, diferentemente da imensa maioria dos trabalhadores, que são tributados na fonte e fazem o ajuste da declaração. Esta alteração, juntamente com elevação das faixas de alíquotas do IRPF, pode gerar em torno de R$ 160 bilhões.

Taxar grandes fortunas e riquezas é outra alternativa arrecadatória justa e necessária. O Imposto sobre as Grandes Fortunas (IGF) foi previsto na Constituição Federal em 1988, mas ainda não foi regulamentado em lei. Na proposta da campanha, só seriam tributados patrimônios que excederem R$ 10 milhões, abrangendo somente fortunas pessoais, sem afugentar nenhum investimento produtivo. Atingiria apenas 59 mil pessoas, equivalendo a 0,028% da população, arrecadando mais de R$ 40 bilhões por ano, valor equivalente ao total do recurso emergencial previsto para este ano.

Não são valores desprezíveis e são apenas duas medidas, entre as oito da campanha, fundamentais para salvar vidas e diminuir o desastre vivido em nosso país, onde 335 mil pessoas foram vitimadas pela covid-19. São medidas de fácil aprovação por não necessitarem alterar a Constituição Federal. É urgente salvar vidas que estão agora sendo perdidas não apenas pela doença, mas fragilizadas pela fome.

Assim, as entidades participantes do movimento nacional para Tributar os Super-Ricos dirigem-se aos membros do poder Legislativo para que promovam a tramitação dos projetos de lei da campanha. É preciso vontade política, desejo de justiça fiscal e sentido humanitário diante de um flagelo que assusta o mundo e que pode ser revertido com saídas emergenciais que já estão disponíveis no Congresso Nacional.

Artigo originalmente publicado em CADTM.


TV Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!

Greve nas Universidades Federais

Confira o informe de Sandro Pimentel, coordenador nacional de educação da FASUBRA, sobre a deflagração da greve dos servidores das universidades e institutos federais.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 21 abr 2024

As lutas da educação e do MST indicam o caminho

As lutas em curso no país demonstram que fortalecer a classe trabalhadora é o único caminho para derrotar a extrema direita
As lutas da educação e do MST indicam o caminho
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão