A última casa de Trotsky

A última casa de Trotsky

Gabriela Pérez Noriega escreve sobre o asilo de Leon Trotsky no México e a luta pela defesa da verdade histórica depois da sua morte.

Gabriela Pérez Noriega 18 jul 2022, 19:18

Artigo originalmente publicado pela Revista Aurora (PUC-SP), v. 13, n. 38, 2020. Tradução: Júlio Pontes.

O sítio histórico, hoje Instituto de Direito de Asilo Museu de Leon Trotsky, foi a última casa do revolucionário marxista russo e tem a história narrada a seguir. Em 9 de janeiro de 1937, Leon Trotsky e sua esposa Natalia desembarcaram do navio petroleiro Ruth no porto de Tampico, México, vindos da Noruega. O asilo político foi outorgado pelo então presidente do México, General Lázaro Cárdenas, cujo petição foi previamente realizada em Torreón pelo muralista Diego Rivera, o Prof. Octavio Fernádez e mediate uma carta do General Francisco Múgica. 

O General Lázaro Cárdenas enviou o trem presidecial, “El Hidalgo”, o “Tren Olivo”, para levar a Trotsky e Natalia a Cidade do México. Diego Rivera e Frida Kahlo generosamente lhes proporcionaram estadia em sua residencia, A Casa Azul de Coyoacán, em um ambiente de grande cordialidade e amizade. 

A chegada ao México ocorreu depois de haver sofrido a mais rígida prisão domiciliar dos últimos seis meses em seu asilo na Noruega, durante os “Processos de Moscou”, por disposição do governo deste país que cedeu às ameaças russas de suspender as compras de arenque. O propósito era impossibilitar a defesa de Trotsky diante dos absurdos e acusações monstruosas levantadas contra ele e seu filho Leon Sedov “in absentia”. Nesses processos, Stalin levaria a cabo os sangrentos expurgos para assassinar aos companheiros de armas de Vladimir Lênin e decapitar o Exército Vermelho, exterminando a maioria de seus generais e da oficialidade. Em mudança, no México, na Casa Azul, a pouco tempo da sua chegada, Leon Trotsky inicia de imediato sua defesa pública. Solicita então a criação de uma comissão internacional de inquérito para examinar o expediente dos “Processos de Moscou”, avaliar tanto a sua defesa como a de seu filho, frente as acusações imputadas, e determinar se realmente eram culpáveis dos crimes pelos quais foram condenados “in absentia”. Em março de 1937, por iniciativa de “The American Committe for the Defense of León Trotsky”, se organizou uma comissão composta por renomados e impecáveis intelectuais de diversas nacionalidades, alheios a ideologia de Leon Trotsky. Foi conhecida como a “Dewey Commission” por estar encabeçada pelo filósofo norteamericano John Dewey. A comissão é também conhecida como “Os Contra Processos de Moscou”. Trotsky declarou publicamente que se entregaria às autoridades soviéticas para sua execução caso a comissão o considerasse culpado da menor das acusações. Na Casa Azul de Coyoacán, uma subcomissão levou a cabo, em abril de 1937, treze seções de exaustivos interrogatórios a Trotsky e seu secretario Jan Frankel. 

Em 21 de setembro do mesmo ano, transcorridos meses de investigação, a “Dewey Commission” deu seu veredicto: os Processos de Moscou foram baseados em “frame ups” (falsas acusações para culpar inocentes) e que Trotsky e Leon Sedov não eram culpados das 18 acusações levantadas contra eles por ordem de Stalin! Das muitas batalhas lideradas por Leon Trotsky contra o regime contrarrevolucionário estalinista, sem dúvidas, a “Comissao Dewey” ou “Contra Processos de Moscou” foi uma das mais nontáveis e transcendentes. Assim se desmascarou e demonstrou de forma contundente e inapelável, diante da história presente e futura, a absoluta ilegitimidade do regime burocrático dirigido por Stalin, cujo governo tinha como bases o imperio da mentira e dos assassinatos sem freio nem limites. 

Depois de quase dois anos de grande amizade, a relação entre Diego Rivera e Leon Trotsky, ao final de 1938, repentinamente chegou ao seu término. O secretario francês Jean Van Heijenoort atribui como principal causa os problemas surgidos com a criação da revista “Clave” por um grupo de pessoas próximas da ideologia de Trotsky, que não concedeu a direção da revista a Diego Rivera e sim ao jovem camarada Jose Farrel. Além disso, um artigo de Diego foi apresentado como uma carta a redação. Ambos os fatos contrariaram Diego que, erroneamente, em uma carta ao poeta surrealista francês Andre Breton, culpou Leon Trotsky pelo que havia passado. Quando o muralista se negou a esclarecer o mal entendido, a amizade anterior chegou ao seu fim. Depois do ocorrido, segundo narra o secretario Van Heijenoort, Diego Rivera se afastou do trotskismo e se aproximou de pequenos sindicatos e grupos políticos hostis a ideologia de Leon Trotsky. Tempos depois, Diego Rivera apoiou o candidato presidencial de direita: Adrew Almazán. 

Depois do distanciamento, o secretario Van Heijenoort prosseguiu com a busca da nova casa e, em marco de 1939, encontrou uma residência desocupada e em mal estado na Rua Viena 19 (próxima da Casa Azul), antiga casa de campo construida na época de Porfirio Diaz e que havia sido habitada pela familia Turati, comerciantes do ramo óptico. 

Depois de intensos trabalhos de reparação e remodelação, Trotsky, Natalia e os camaradas “secretarios-guardas” se mudaram em 5 de maio seguinte. Implementaram casas para coelhos e galinhas, uma pequena granja na qual Trotsky se ocupava de prover alimentos a família e realizar atividade física. Também se afeiçoou a busca e coleta de diversos cactos no campo mexicano, para enfeitar o jardim da casa Viena 19. 

Depois de um ano tranquilo e pacífico na nova casa, repentinamente, na madrugada de 24 de maio de 1940, a mão assassina de Josef Stalin se fez presente. Cerca de vinte estalinistas fortemente armados, encabeçados por David Alfaro Siquieros, invadiram surpreendentemente a casa e metralharam profusamente três partes do quarto de León Trotsky e de Natalia, por ordens vindas de Moscou. A missão foi frustrada graças a Natalia que, ouvindo os primeiros disparos, tirou León Trotsky da cama, empurrando-o a um canto escuro do quarto. Foi assim que ambos se salvaram. Na casa vizinha, o pequeno Esteban foi atingido por uma bala no dedo do pé direito depois de um dos estalinistas ter descarregado toda munição de sua pistola automática em direção ao quarto onde dormia o neto de Trotsky. A porta da residência foi aberta aos agressores pelo jovem guarda Sheldon Hart, um membro stalinista infiltrado na casa. Leon Trotsky e Natalia Sedova sabiam que Stalin só lhes daria uma trégua e outro ataque ocorreria em breve.

O Socialist Worker Party (SWP) norteamericano reuniu fundos para que Trotsky comprasse a casa da Rua Viena 19 e se realizassem reformas para fortalecer a segurança da residência, obras que o revolucionário russo considerava de pouca utilidade, já que tinha a certeza que o atentado seguinte não seria similar ao primeiro, senão de outra natureza. Em 20 de agosto de 1940, o catalão Ramón Mercader, agente da KGB, manteve uma relação amorosa com a jovem trotskista norteamericana Sylvia Ageloff e, desse modo, conseguiu infiltrar-se habilmente ao redor de León Trotsky. 

Depois disso, Mercader se mudou para o México, sob o pretexto de negócios e demonstrou sempre absoluto desinteresse tanto em relação a política quanto a figura de León Trotsky. No entanto, procurou começar uma amizade com os ajudantes/secretarios, a quem convidava frequentemente a restaurantes. Aproximou-se do casal Rosmer, muito próximo a Trotsky, ganhando sua confiança, acompanhando-os em um piquenique ou levando-os ao porto de Veracruz, quando embarcaram para a Europa junto com Natalia. De repente, Mercader pede um favor a Trotsky que revise um pequeno escrito de sua autoria, que ele não pôde recusar. Uma vez em seu escritório, com um piolet de cabo cortado e em breve segundos, Mercader fere mortalmente Trotsky

Pouco tempo depois do assassinato de seu esposo, Natalia Sedova recebe a visita do presidente General Lázaro Cardenas e de sua esposa Amalia Solórzano de Cárdenas para manifestarem seus pêsames e oferecerem seu generoso apoio. Nos últimos meses de seu mandato, o General Lázaro Cárdenas fez com que o governo comprasse a casa da Rua Viena 19, com o propósito de dar recursos a Natalia Sedova para o seu sustento, com o acordo verbal de que poderia continuar morando na residência e com a promessa de que, no futuro, a casa se converteria em museu. 

Não obstante, na escritura de compra do governo, em 22 de novembro de 1940, não ficou especificado seu uso futuro como museu, sendo com a delegação de centro cultura, o que deu vulnerabilidade ao sítio histórico. Rapidamente elementos estalinistas infiltrados em grande número no governo aproveitaram tal vulnerabilidade para intentar cumprir as ordens recebidas de Moscou de eliminar a casa que foi de León Trotsky e o cenário e testemunho do crime traiçoeiro cometido lá. Em repetidas ocasiões, chegaram escritos de escritórios do governo, ordenando a desocupação do imóvel para fazer dela uma creche, biblioteca ou escritório governamental. 

Graças a intervenção do General Lázaro Cárdenas em uma carta, em 4 de julho de 1946, dirigida ao Lic. Adolfo Zamora, advogado que havia sido grande amigo e responsável legal de León Trotsky, e também tutor de seu neto, afirma: primeiro magistrado achou por bem concordar em deixar a Sra. Vda. de Trotsky na posse definitiva e na posse da referida casa, e que para esse efeito ele daria as instruções correspondentes!

O que o Lic. Javier Rojo confirmou, em carta datada de 13 de setembro: …Já dei ordens à Direção Geral de Obras Públicas para que lavre uma escritura em seu favor, e quando este documento estiver pronto, eles a chamarão para assinar. E assim, pouco depois, Natalia Sedova foi convocada para a assinatura. Apesar disso, mãos misteriosas fizeram o documento desaparecer, e a casa permaneceu propriedade do governo.

Outro episódio digno de contar envolve o embaixador russo no México, Konstantin Umansky, segundo o relato do Lic. Adolfo Zamora. Dada a estreita relação de amizade de Zamora com o Procurador de Justiça do México, foi informado que Umansky tinha a inevitável missão, a mando de Stálin, de subornar a justiça mexicana, sem limite de recursos, para oficializar a versão de que a morte de Trotsky havia ocorrido em uma luta de igual para igual com um suposto partidário seu decepcionado, e assim mitigar o crime com traição, deslealdade e vantagem, com autoria indelével, inesquecível de Josef Stálin. Obviamente, a justiça mexicana não se prestou a esta falsificação. Pouco depois, Konstantin Umansky foi destituído do seu cargo no Mexico e foi indicado para ser embaixador da Costa Rica, onde nunca chegou, já que o avião que o levava explodiu misteriosamente ao raiar do dia, em 25 de janeiro de 1945, na decolagem no Aeroporto Militar da Cidade do México. 

Como se mencionou anteriormente, a perda incomum da escritura que avalizava a doação da casa da Rua Viena 19 a Tatalai Sedova, viuva de Trotsky, manteve a propriedade do imóvel em nome do governo. Por sorte, durante muitos anos não se pôs em perigo a permanencia desse lugar histórico, salvo brevemente em uma ocasião nos primeiros dias de janeiro de 1965. 

O presidente Lic. Gustavo Díaz Ordaz, em um inesperado ataque de fúria pela participação de estudantes e professores trotskistas em lutas universitárias da UNAM, como represália e vingança exigiu repentinamente a desocupação imediata da casa pelos familiares de León Trotsky, que a ocupavam e cuidavam. Nessa ocasião, um advogado do Departamento Central chegou a residência com quinze caminhões de carga e uma ordem de despejo imediato. 

Uma vez mais, por intervenção do Gral. Lázaro Cárdenas e de um grande amigo do Museu, o Lic. Javier Wimer, concedeu-se o prazo de vinte dias para o desalojamento. Três meses depois de haver desocupado o imóvel, Esteban Volkov, neto de Trotsky, recebeu uma notificação do governo na qual se indicava que podia retornar a casa da Rua Viena 19. 

Em 24 de setembro de 1982, o destino da residência permaneceu assegurado ao ser declarada monumento histórico por decreto do presidente José López Portillo, em que designou Esteban Volkov como guardião. 

Em 20 de agosto de 1990, o então governador da Cidade do México, Lic. Manuel Camacho Sólis, levou a cabo a reinauguração da Casa Museu Leon Trotsky, sob a supervisão da Dra. Alejandra Moreno Toscano. Simultaneamente, em um edifício anexado comprado pelo governo, se inaugurou o Instituto de Direito de Asilo e Libertades Públicas. 

O edifício anexo ao museu conta com duas salas de exposição, auditório, biblioteca e oficinas. Posteriormente, a razão social do museu mudou para Instituto do Direito de Asilo Museu casa de Leon Trotsky (IDA-Museu). O objetivo do IDA-Museu é manter e preservar a verdade histórica. 

Esse instituto, como estipulam seus estatutos, também tem a missão de promover a educação e a cultura para a população, para a qual se oferecem múltiplas atividades como cinema, exposições, recitais, conferencias, mesas redondas, seminarios, apresentação de livros, para citar algumas. Além disso, a entidade atua como coadjuvante de diversas instituições públicas e privadas sobre o tema “migração”.


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