A polícia mata: o brutal assassinato de um jovem da periferia provoca um levante na França
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A polícia mata: o brutal assassinato de um jovem da periferia provoca um levante na França

O assassinato do jovem Nahel, na cidade de Nanterre, iniciou uma onda de revolta pelo país

Luc Mineto 29 jun 2023, 08:34

Foto: Hubert2T / Pixabay

Na manhã da terça-feira dia 27 o jovem Nahel, 17 anos, foi morto a tiro pela polícia na cidade de Nanterre, na periferia oeste de Paris. Nahel tinha tentado fugir de um controle operado por uma dupla de policiais motociclistas.

A versão da polícia, registrada no BO seria que o jovem Nahel, ao fugir do controle policial, tentou atropelar um dos policiais que não teve outra alternativa senão usar a sua arma. Num primeiro tempo, as mídias CNews e BFM-TV (na qual a direita e a extrema direita têm um peso desproporcional) repercutiram a versão da polícia como é quase sempre o caso.

Mas esta versão da polícia foi rapidamente desmentida por vários vídeos publicados nas redes sociais. Neles se vê nitidamente que o policial fica do lado do carro, e não em frente e que em nenhum momento sua integridade física foi ameaçada. Então claramente o único delito cometido por Nahel foi esta tentativa de fuga, o “refus d’obtemperer” com pena máxima de 3 meses de prisão e 750 (4 000 Reais) Euros de multa.

O motorista da ambulância que veio recolher o corpo do Nahel. Ao reconhecer no jovem um vizinho, não controla a sua indignação e desespero e grita aos policiais presentes: “ele tinha 17 anos, cara de menino, fizeram isso por ele não ter habilitação…eu conhecia ele, era um moço tranquilo, com a mãe sozinha” e adianta “agora a cidade dorme, mas daqui e pouco vai acordar e eles vão descer em cima de vocês“. Na tarde deterça, quando a notícia deste homicídio foi se espalhando os jovens das periferias reagiram com violência a violência da polícia e iniciaram manifestações, protestos e confrontos. Em Nanterre bombas e rojões iluminaram a noite, carros e locais públicos foram queimados, policiais foram feridos nos confrontos. O mesmo aconteceu em outras cidades dos Hauts de Seine, Seine Saint Denis et Val de Marne, o cinturão popular de Paris. Houve protestos também em Lyon, Mulhouse, Dijon, Bordeaux entre outras. E na tarde e da noite de quarta confrontos violentos se multiplicaram em todo o território nacional.

O que aconteceu em Nanterre foi uma tragedia anunciada. Não é a primeira vez que pessoas estão mortas numa blitz policial na estrada. Em 2022, 13 pessoas foram mortas nessas circunstâncias. De acordo com o site “Basta!” nos anos 2020, 2021 e 2022 o número de pessoas mortas pela ação da polícia mais do que dobrou em comparação com a média registrada nos anos 2010, A brecha jurídica foi aberta com uma lei promulgada em 2017pelo então presidente François Hollande “socialista” que autorizava a polícia a abrir fogo em algumas situações de tentativa de fuga de um controle policial.

Mas se Hollande abriu a porteira, Macron e seus sucessivos ministros do interior fizeram passar a boiada. Desde os Coletes Amarelos em 2018, a violência policial contra os movimentos sociais está liberada, incentivada e sistematicamente acobertada. Durante o movimento das aposentadorias, durante os protestos contra os mega piscinões de Sainte Soline e mais recentemente contra a faraônica linha de trem entre Lyon e Turim ela redobrou. Tudo isto orquestrado em sintonia com a extrema direita e seus sindicatos que teceram suas redes e estenderam sua influência na corporação policial.

Muito emocionada, mas também muito revoltada, a mãe de Nahel não escondeu seu ressentimento “Hoje de manhã ele me deu um grande beijo e disse: ‘Mamãe, eu te amo’…Eu dei tudo a ele para que um filho da puta pudesse tirar meu filho de mim“. A família do Nahel e seus advogados Yassine Bouzrou, Jennifer Cambla e Abdelmadjid Benamara entraram na justiça para e exigir que o processo do policial inculpado por homicídio doloso (e hoje encarcerado) não seja tratado pelo foro de Nanterre “para que a delegacia de polícia de Nanterre encarregada das investigações não atua em um caso envolvendo policiais locais” e “para afastar o promotor público de Nanterre, que já usou as declarações falsas dos policiais (formalmente negadas pelo vídeo) para abrir uma investigação por tentativa de homicídio contra o jovem“. Uma queixa para falsidade ideológica visa também o policial assassino e seu colega cúmplice por ter forjado o B.O. A família também convocou uma manifestação “branca” (sem bandeira de partidos nem faixa tricolor para os eleitos) para quinta, dia 29.

Na França, pelo menos na França que tem ainda um mínimo de dignidade, a indignação é total. O ator Omar Sy, futebolistas famosos como Kilian Mbappe Jules Konde, ou ainda Aurelien Tchouameni, oriundos das mesmas periferias ignoradas pelo poder central, foram entre os primeiros a condenar o assassinato e a se solidarizar com a família.

A extrema direita desde o início repetiu a narrativa inicial segundo a qual a vida do policial teria sido ameaçada. Agora ela lança mão de outro velho recurso: sujar a vítima apresentada pelo sindicato France Police (extrema direita) e pela CNN como um delinquente, traficante de drogas, afirmação sem fundamentos e vigorosamente negada pelos advogados da família. E mesmo se for verdade, justifica uma execução sumaria?

No governo a preocupação é extrema. Após a onda de protesto contra a reforma das aposentadorias que sacudiu o país esta primavera o governo teme neste verão uma onda de revolta das periferias similar à que aconteceu em 2005. Então as mais altas autoridades a começar pelo presidente Emmanuel Macron, a primeira-ministra Elizabeth Borne e o ministro do interior e chefe da polícia Gerald Darmarin tiveram que condenar uma ação policial “fora dos padrões” (sic) que resultou na morte de um jovem adolescente de 17 anos.

Em outubro 2021, Philippe Poutou então candidato à Presidência da República pelo NPA declarava “a polícia mata” provocando uma onda denegações do Gerald Darmarin e dos sindicatos de policiais. Infelizmente, Nanterre mais uma vez comprovou “sim, a polícia mata“.

Hoje, ninguém pode prever a extensão futura deste levante da periferia, mas com certeza o grito de “justiça por Nahel” está longe de se calar.


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