Nunes, conversão à direita 
Ricardo Nunes

Nunes, conversão à direita 

O prefeito de São Paulo consolidou seu “flerte” com a extrema direita com o anúncio de seu provável vice, em meio às atrocidades cometidas pela Rota na Baixada Santista

Israel Dutra 21 fev 2024, 15:46

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Não é segredo que o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, escolheu a polarização como estratégia eleitoral. Para chegar com chances ao pleito de outubro, ele acena com um giro à direita. 

A prefeitura sofre com uma crise de “gestão” que combina a falta de carisma do atual mandatário com uma cidade com inúmeras reclamações. As pesquisas, ainda iniciais, indicam uma disputa muito apertada com Boulos. No Carnaval, Nunes foi vaiado no sambódromo do Anhembi, enquanto Boulos foi bem recebido na base social dos blocos de rua. 

Por tudo isto, Nunes está se aproximando organicamente de Bolsonaro. Três movimentos apontam o giro: a indicação por parte do bolsonarismo de um ex-comandante da Rota como vice; a defesa do sionismo diante das declarações de Lula e a confirmação no ato golpista do dia 25 de fevereiro. 

Bolsonaro joga “war” 

Em declaração à imprensa, Bolsonaro comparou sua estratégia eleitoral ao jogo de “War”. 

Acossado pela operação da Polícia Federal (PF), que colocou a hipótese da prisão do genocida na ordem do dia, o bolsonarismo precisa coesionar sua base social, apelando para um ato de rua no dia 25, na Avenida Paulista.

Como linha mais geral, a extrema direita prepara a presença na eleição municipal de outubro. Bolsonaro terá algumas prioridades na disputa, levando em conta o “triângulo” das principais capitais do sudeste. Suas apostas são Nikolas Ferreira em Belo Horizonte, Alexandre Ramagem no Rio de Janeiro e um Nunes “bolsonarizado” na disputa de São Paulo. Dessa forma, busca manter a polarização, servindo para disputar a agenda política, coesionar sua base social e manter a hegemonia no campo da oposição de direita ao governo federal. A disputa da agenda envolve reforçar temas de “costumes” e agitar uma linha mais punitivista diante da crise da segurança pública. 

Nunes, um flerte com o fascismo? 

Como podemos definir a trajetória de Nunes? Ele sai da condição de um modesto vereador, sendo base do governo de Haddad (2013-16) para chefiar a maior cidade do Brasil. Isso se explica pela crise orgânica. Em 2020, a eleição da cidade de São Paulo foi marcada por uma fragmentação que levou Covas e Boulos ao segundo turno com cerca de 32% e 20%, respectivamente. A eleição se deu no marco da pandemia, com um Doria desgastado, como parte do derretimento geral do PSDB nos últimos anos. Ainda assim, Covas teve uma postura de defender o legado tucano, já com um estágio bastante debilitado de sua doença. Nunes assumiu a prefeitura após a morte de Covas, em maio de 2021. 

Pouco conhecido, Nunes apelou para uma aliança com a Câmara Municipal, para garantir sua governabilidade. Para tanto, teve que se articular com figuras experientes e com peso político, como o vereador Milton Leite, atual presidente da Câmara, filiado ao União Brasil. 

Em 2023, Ricardo Salles tentou se alçar como o nome da extrema direita para disputar a eleição paulistana, e seu plano era utilizar a CPI do MST como palco para sua projeção. Esse plano naufragou, seja pela própria incapacidade da extrema direita, seja pela articulação que MST e os parlamentares da esquerda – com destaque para o PSOL e Sâmia Bomfim – fizeram para desmoralizar os argumentos da CPI. 

Sem Salles, com dificuldades para emplacar outros nomes, Bolsonaro optou por apoiar Nunes, abrindo um caminho para uma coalizão mais à direita. Nunes consolidou seu “flerte” com a extrema direita com o anúncio de seu provável vice, em meio às atrocidades cometidas pela Rota na Baixada Santista, como denunciamos em artigo anterior: “Mello Araújo é um ex-comandante da Rota, forjado na ‘linha dura’. Apresenta-se como feroz ‘anticomunista’, tendo participado de inúmeras manifestações de 7de Setembro, como um agitador da linha bolsonarista.”

As últimas posições corroboram tal enquadramento. Nunes tem sido vanguarda na defesa do genocidio sionista em Gaza, prontamente atacando Lula por sua declaração na Etiópia. A confirmação que estará no palanque do ato golpista do próximo domingo, 25, com o núcleo duro do bolsonarismo, como Malafaia e Hang completa o “giro”.

Setores que são parte da direção de sua campanha, como Edson Aparecido, liderança do “PSDB histórico”, atualmente filiado ao MDB de Nunes, alegaram que estão disputando a linha e minimizam o giro ao bolsonarismo.  


Não sabemos se vai se consolidar até outubro uma linha de extrema direita na campanha de Nunes. Contudo, está nítido que vai mobilizar aspectos dessa “agenda”, se valendo de fake news como as que já foram propagadas contra o padre Júlio Lancelloti, para ficarmos num caso concreto. 

Aldo e suas ligações perigosas 

Na outra ponta do condomínio de Nunes, Aldo Rebelo assumiu a pasta de Relações Internacionais da prefeitura. A posse, na segunda-feira (19), foi um ato político para buscar compensar a saída de Marta Suplicy, que deixou a pasta para ser vice de Boulos. Na forma, Rebelo aparece como uma “ampliação” de Nunes, por sua trajetória no PCdoB, hoje filiado ao PDT. No conteúdo, há outros elementos, contudo, que devem ser considerados.  Rebelo criticou Lula por sua posição a respeito da Palestina, fez referência a boa relação com Bolsonaro, retomando sua tese acerca da intentona do 8 de Janeiro. Ao relativizar a tentativa de golpe, Rebelo assume a linha de impunidade para os agentes da extrema direita. 

Tudo isso é parte da ideologia que Aldo vem desenvolvendo nos últimos anos, com um nacionalismo cada vez mais conservador, defendendo os bandeirantes e o agronegócio. Em sua passagem pelo governo petista, Aldo já tinha dado passos em direção ao agro, atacando o código florestal, com os movimentos ambientais elegendo a “motosserra” como símbolo da crítica a sua gestão. 

Fora do PCdoB, Aldo criou ligações com setores perigosos da política internacional, se aproximando de ideias como as apregoadas por Alexander Dugin e o grupo “Nova Resistência”. Essa corrente de extrema direita confere as bases para o pensamento de Putin e do chamado eurasianismo. 

A ideologia de Aldo é como uma versão brasileira do pensamento de Dugin. Não por acaso, a obra que resume o pensamento de Aldo se chama “Quinto Movimento”, muito similar à “Quarta Teoria Política” defendida por Dugin e seus seguidores. Para quem não acredita nessa convergência à direita, sugiro acompanhar o debate que vem aproximando Putin de Donald Trump, como na entrevista do ditador russo na Fox, para o célebre trumpista Tucker Carlson. 

Combater à extrema-direita 

A polarização já está nas ruas e nas redes. A reação do sionismo e da extrema direita à declaração de Lula sobre o genocídio em Gaza é uma amostragem da “temperatura política”. O ato do dia 25 é uma medida desesperada de Bolsonaro para evitar sua prisão e desmoralização. A eleição de 2024 começa a ganhar musculatura nesse contexto. E Nunes sabe disso, dobrando a aposta. 

Da parte da esquerda, o movimento democrático ao redor de Boulos será parte dessa luta, assim como outras configurações onde o PSOL estará localizado nas disputas das capitais. A forma de combater Nunes e a extrema direita terá que combinar a luta das ruas com uma presença programática na arena eleitoral. 

Para fazer oposição ao projeto de Nunes, precisamos contestar os fundamentos de seu programa. Podemos tomar dois exemplos: a questão dos serviços públicos, como a crise da Enel, onde é fundamental enfrentar o neoliberalismo e as privatizações; e a questão da Rota, sobre a qual a esquerda deve responder discutindo segurança pública a partir de uma ótima contrária ao genocidio da juventude negra. 

O enfrentamento à extrema direita deve ir para além da retórica, deve ter uma centralidade programática, ganhando a maioria social para as nossas ideias e propostas. E afirmando que apenas nas ruas vamos impor uma defensiva ao bolsonarismo, atuando para colocar o clã na prisão, ecoando que não pode haver nenhuma anistia aos golpistas. 


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