Eleições em Portugal: guinada à direita com um futuro incerto
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Eleições em Portugal: guinada à direita com um futuro incerto

Uma avaliação da complexa situação política portuguesa após a eleição vencida pela direita

Adriano Campos 17 mar 2024, 10:31

Foto: Bloco de Esquerda

Via Viento Sur

Em seu conjunto, a direita obteve 53% dos votos no último domingo. A Aliança Democrática (AD), liderada pelo PSD de Luís Montenegro (membro do Partido Popular Europeu), obteve 29,5%. Os ultraliberais da Iniciativa Liberal (IL), membro do [partido europeu] ALDE, alcançaram 5%, enquanto o CHEGA, partido de extrema direita fundado em 2014 e filiado ao ID – Partido Identidade e Democracia, subiu para estrondosos 18%, garantindo 48 dos 230 assentos no parlamento português.

O Partido Socialista (PS), o partido governista e detentor da maioria parlamentar absoluta, caiu de 41,6% (2022) para 28,6%. A erosão acelerada de um governo envolvido em casos de suspeita de favoritismo e incapaz de responder à crise imobiliária, à erosão salarial devido à inflação e ao enfraquecimento dos serviços públicos levou à maior vitória da direita em décadas. À sua esquerda, o Partido Comunista Português perdeu seu último deputado no Alentejo e o segundo em Setúbal, os redutos do partido, reduzindo sua representação para 3,3%. O Bloco de Esquerda conseguiu um ligeiro aumento de votos, mantendo um grupo parlamentar com 5 deputados (4,5%). Na centro-esquerda, o partido LIVRE (Verdes Europeus) subiu de 1 para 4 membros eleitos (3,2%), formando um grupo parlamentar, enquanto o partido dos direitos dos animais, PAN, manteve seu deputado.

Extrema direita: o pior do sistema ultrapassou a marca de um milhão de votos

Desde a queda do governo de maioria absoluta do Partido Socialista, anunciada em 7 de novembro de 2023, a ascensão da extrema direita foi um dos sinais mais fortes nas pesquisas. Até 2019, Portugal era uma exceção em uma Europa onde a extrema direita era uma presença crescente nos parlamentos nacionais. Eleito como deputado único em 2019, o ex-líder do PSD André Ventura importou o manual global do trumpismo para o contexto português. Ancorado em uma imagem anticorrupção e impulsionando uma agenda punitivista, misógina, xenófoba e autoritária, Ventura conseguiu esvaziar a direita tradicional, aliando questões até então ocultas, como o elogio ao passado colonial, à articulação política em setores como as forças policiais. Ao crescer para 7% nas eleições de 2022, Chega lapidou o CD-PP no parlamento, um partido democrata-cristão que há décadas é a ala mais à direita do sistema.

Financiado por setores rentistas da burguesia e com elementos marginalizados da direita portuguesa como quadros, o Chega foi alimentado por um forte dispositivo de disseminação de conteúdo nas redes sociais, capturando o voto de milhares de abstencionistas e, o que é mais preocupante, dos eleitores mais jovens. Ao chegar em primeiro lugar no Algarve, região que sofre com o descaso e o abandono dos sucessivos governos em termos de acesso à moradia e aos serviços públicos, o Chega provou sua eficácia em disputar o sentimento de frustração e ressentimento de parte da população. Essa disputa é baseada em um discurso de ódio que culpa os imigrantes pelo problema de moradia e pela falta de vagas nos serviços públicos.

Durante toda a campanha, André Ventura, que teve o apoio pessoal de Santiago Abascal e elogios fervorosos de Bolsonaro e Viktor Orbán, fez uma distinção entre imigrantes legais (dos antigos territórios colonizados por Portugal) e a crescente imigração descontrolada, em suas próprias palavras, do subcontinente indiano. Para atender a todos os requisitos de um acólito de Trump, Ventura lançou suspeitas sobre a confiabilidade do processo eleitoral. Agora, com 48 deputados, Ventura está exigindo um lugar ao sol na nova configuração do parlamento e a influência que pode ter sobre o governo.

Nos últimos anos, Ventura tentou ganhar as ruas com manifestações, com pouco sucesso; agora ele fará de tudo para traduzir sua força eleitoral em organização social sob a égide do “combate à corrupção” e da agenda autoritária. O que até agora era um fenômeno virtual e eleitoral, pode ganhar contornos perigosos de ódio organizado nas ruas.

A direita vencedora em apuros

A Aliança Democrática (PSD+CDs) vence as eleições com poucos votos a mais do que havia conseguido em sua derrota eleitoral de 2022, chegando a perder votos em vários distritos do país. Pressionado à sua direita pelo CHEGA, mas também pela Iniciativa Liberal, cuja agenda consiste na redução de impostos, na imposição de privatizações e no retrocesso das leis trabalhistas, a AD fez uma campanha desastrosa, com a aparição sucessiva de antigos governantes do período da troika e da austeridade, revelando que o retrocesso do direito ao aborto, a negação da crise climática e o ataque aos imigrantes estão no firmamento do desejo de muitos de seus líderes. Os cortes de impostos para as empresas, o fortalecimento do setor privado na área de saúde e a retirada da proteção aos proprietários de imóveis já são esperados.

Após anos de governo e, nas últimas eleições, diante da incerteza de que um governo de direita integrando o CHEGA favoreceria a maioria absoluta do PS, o PSD optou nessas eleições pela tese do cordão sanitário e na campanha eleitoral prometeu não governar com o CHEGA, buscando integrar apenas a IL. Entretanto, não há garantias de que essa será uma solução estável. Assumindo o seu papel na oposição, Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, afirmou na noite eleitoral que este governo não contará com os seus votos para a aprovação do orçamento de Estado em outubro, deixando a AD dependente do voto do CHEGA. Ainda não está claro se Montenegro antecipará a dramatização antes do Orçamento do Estado para 2025 (votado em outubro deste ano), apresentando já um orçamento retificativo e mostrando-se pronto para novas eleições, ou se, pelo contrário, apostará em uma negociação arriscada com o CHEGA, quebrando o cordão sanitário prometido. Portanto, a direita governará em uma linha tênue.

Partido Socialista: o centro pagando a conta da maioria absoluta

Em 2019, após rejeitar as negociações com os partidos à sua esquerda, o PS lançou uma estratégia para conquistar a maioria absoluta. Usando a tática macronista de se postar como um baluarte contra a extrema direita, António Costa conseguiu uma maioria absoluta enquanto freava os avanços em questões como o Serviço Nacional de Saúde, a crise imobiliária e a valorização dos salários corroídos pelo efeito da inflação. Durante dois anos, o PS marcou o ritmo, enquanto se multiplicavam os casos de suspeita de má gestão e até mesmo de corrupção dentro do governo.

A nova liderança do Partido Socialista, com Pedro Nuno Santos à frente, inicialmente apresentada como representante da ala esquerda do partido, provou ser uma façanha, personificando a defesa do legado da maioria absoluta. Em vez de aceitar os erros, durante a campanha ofereceu condições de reciprocidade para a AD na eventualidade de um governo sem maioria parlamentar. Com essa orientação continuísta, incapaz de disputar votos entre os mais jovens e abstencionistas, o PS minou a credibilidade da hipótese de uma nova maioria parlamentar para manter a direita à distância e responder aos fracassos dos últimos anos, defendida por todos os partidos à esquerda do PS. Assim, a campanha do PS facilitou a vitória da direita, que é a sua maior vitória na história da democracia portuguesa.

Ao assumir o seu papel de oposição, o PS prometeu não aprovar moções de rejeição na Assembleia da República, permitindo o governo da AD, mas apostou tudo na ligação da AD ao CHEGA, afirmando que não votaria a favor do Orçamento do Estado.

Sem um programa alternativo sobre as questões que levaram ao descrédito da maioria absoluta, esse antagonismo não tem substância, embora não falte quem, dentro do PS, defenda a aprovação dos orçamentos de Estado de direita.

A esquerda está apostando na clareza de um programa e na disposição para uma política unitária

A erosão eleitoral do PCP é o resultado de erros de leitura política e de uma prática contínua de sectarismo. Ao recusar, durante os anos da geringonça, uma mesa de negociações tripartida (PS, Bloco e PCP), entregou ao PS o papel de fiel político da esquerda. No parlamento e nos movimentos sociais e sindicais, o PCP obstrui iniciativas unitárias em questões em que o PS era uma força de bloqueio. Há dois anos, uma leitura campista da invasão da Ucrânia levou o PC a um forte isolamento, mesmo entre os setores da população onde ainda tinha alguma influência. Durante a campanha, a oscilação entre afirmações de autonomia política e apelos pouco claros por uma maioria de esquerda levou ao pior resultado eleitoral desde 1975.

Um dos protagonistas da noite foi o LIVRE. Inicialmente fundado como o partido de um homem só (Rui Tavares, ex-eurodeputado que rompeu com o Bloco em 2011), o LIVRE passou por um processo de realinhamento político e crescimento orgânico, garantindo a afiliação total com os Verdes Europeus, baseando todo o seu programa em fervorosos elogios à União Europeia. Nessa leitura, ele se coloca à direita do Partido Socialista, que prega uma crítica surda e cínica ao establishment europeu. Tavares, que está comprometido com uma agenda verde e com a defesa de recortes inovadores, encarna a subalternidade do PS. Durante a campanha, ele defendeu a teoria dos três campos, que argumenta que a exclusão do CHEGA de qualquer solução de governo ou maioria parlamentar (primeiro campo) deve resultar em uma matemática que permita ao PS, Bloco, PCP, LIBRE e PAN (segundo campo) governar com mais deputados do que a AD e a IL (terceiro campo). Evidência para essa tese: as eleições portuguesas testemunharam um crescimento desproporcional da extrema direita por meio da redução da abstenção e qualquer governo resultante de um acordo entre PS, Bloco, PCP, LIBRE e PAN seria derrotado por uma rejeição conjunta do PD, CHEGA e IL.

Nesse contexto adverso, o Bloco conseguiu manter sua representação parlamentar e até aumentar seu número de votos em 35.000. Como aponta a resolução do Bureau Nacional do Bloco,

A resiliência do Bloco se deve à sua clareza em três aspectos essenciais: 1) a clareza de ideias sobre o conteúdo político de um governo, que deve, acima de tudo, tratar de serviços públicos, direitos sociais, trabalho e renda; 2) o embate com o poder econômico, denunciando a contrarreforma fiscal da direita e confrontando os rentistas, o setor imobiliário e todos os beneficiários da inflação (bancos, hipermercados, energia), que de fato expressaram sua hostilidade em relação ao Bloco; e, finalmente, 3) o confronto com a extrema direita, criando a única dificuldade séria que enfrentou em toda a campanha: explicar as origens milionárias de seu financiamento”.

Diante do crescimento da extrema direita e da perspectiva de um governo radicalizado à direita, a esquerda tem uma dupla missão: organizar a luta contra o novo governo e apresentar uma alternativa confiável. A mobilização popular contra a agenda conservadora deve ganhar as ruas, contando com a força dos movimentos LGBTQI+, feminista e antirracista e lançando uma luta para moldar o senso comum, nas redes sociais e nas escolas, hoje sob forte influência da extrema direita e do mito individualista liberal. Com uma política de unidade que ofereça ao país a imagem de um governo alternativo, em questões essenciais como salários, moradia e serviços públicos, ampliando os espaços de encontro e convergência. Essa luta já começou e terá imediatamente um marco fundamental na gigantesca mobilização popular esperada para o dia 25 de abril de 2024, que comemorará o 50º aniversário da Revolução dos Cravos.


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