Milei e o “março argentino”
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Milei e o “março argentino”

O mês de março abrirá uma nova etapa de diversas lutas convergindo contra o governo de extrema direita de Javier Milei

Israel Dutra 1 mar 2024, 11:38

I – O Março que se inicia hoje promete ser o mês mais agitado dos últimos anos da política argentina. Sem parecer exagerado, vamos ter um novo e mais forte capítulo do “choque de trens” que promove Javier Milei contra o movimento de massas. Derrotado no primeiro round, a tentativa de aprovar o “Plano Motossera” pela via de uma nova legislação de exceção – chamada de “Lei ônibus” – e normalizar o protocolo repressivo contra as manifestações, Milei voltou à carga. Vai apresentar em rede nacional, hoje à noite (1° de Março), o novo itinerário de seus planos. Da nossa parte, seguimos acompanhando a dinâmica do processo argentino, a partir da resistência política e social em curso. Para o ativismo latino-americano em geral e o brasileiro particular, é de suma importância seguir os próximos acontecimentos do país vizinho, que pode evoluir para uma nova conjuntura, nesse mês de março. O calendário marca protestos hoje, com panelaços e mobilização até o congresso, a manifestação feminista de 8 de março, a jornada do 24 de março, contra a ditadura, além hipóteses de novas greves operárias e lutas estudantis.

II – A fase em que a extrema direita se encontra tem uma característica indelével: é internacional. Milei foi um dos convidados de honra da Trumpfest, a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), discursando contra a esquerda e chamando a justiça social de “aberração”. A reunião da CPAC é a articulação que organiza a incipiente “Internacional da extrema direita”. O clã Bolsonaro foi representado por Eduardo, tendo Trump como estrela. Milei combina a defesa ideológica de uma ofensiva geral da extrema direita com uma agitação aberta a favor do genocídio sionista. Enquanto Lula denunciou na Etiópia o massacre em curso, Milei viajou a Jerusalém para apoiar irrestritamente Netanyahu e a ala mais à direita do sionismo. E a colaboração é direta com os golpistas brasileiros, como revelado pela PF: Fernando Cerimedo, considerado o “cerébro” das redes de Milei, foi um dos articuladores da “milícia digital” em prol da intentona golpista do 8 de janeiro de 2023, em Brasília. É um dos elos nítidos entre Milei e o bolsonarismo. Se Milei passa seu plano, é uma casa que a extrema-direita avança; se é derrotado, pelo movimento de massas, é um sinal para o mundo.

III – Milei perdeu o primeiro round, após uma jornada de manifestações que começaram em dezembro, tiveram seu ápice com a greve geral de 24 de janeiro e concluíram-se com manifestações durante a derradeira votação da “Lei Ônibus”. O nível de despreparo para gerir as crises acentuou as contradições que levaram à derrota de Milei. A crise ameaça escalar por três aspectos entrelaçados: a crescente resistência popular, uma maior desconfiança sobre a capacidade de Milei levar adiante seus planos e uma divisão da burguesia. A máxima expressão dessa divisão, que tem como pano de fundo a distribuição de recursos orçamentários para as províncias, foi o choque entre Milei e Nacho Torres, governador de Chubut. Torres ameaçou cortar o fornecimento de petróleo caso o governo federal leve adiante a chantagem de não repassar dinheiro para Chubut. Foi apoiado pelos governadores da região da Patagônia, gerando uma manifesto de solidariedade de quase todos os governadores da Argentina. Torres é do partido PRO, de Macri. Essa pugna retardou os planos de Milei e Macri de consumar uma união parlamentar para sustentar a governabilidade e escalou as diferenças entre Milei e importantes setores da burguesia.

IV – Com tantas frentes e desencontros, o clima é de incerteza. O que se sabe é: o governo segue com o plano de guerra contra o povo argentino e março deverá conhecer o pico da conflitividade social, sindical e política. Como já informamos, Milei abre hoje o novo período parlamentar com o discurso que convoca ao “segundo round”, após sair debilitado de sua primeira derrota, praticamente encerrando o período de “lua de mel” que todo governante busca desfrutar em seu início de governo. O cenário econômico é de aumentos constantes de tarifas, perdas da capacidade de compra do salário, o que desata as chamadas “paritárias”, que são as negociações salariais dos sindicatos. Tivemos paralisação de importantes setores: ferroviários, professores, aeronáuticos, trabalhadores da saúde, nas últimas semanas. Cresce o clamor por uma nova greve geral. Milei atacou os piqueteiros, anunciando o fim de um dos maiores planos de assistência social, o “potenciar trabajo”, deixando centenas de milhares de famílias sem renda. Atacou da mesma forma os direitos humanos, fechando institutos e autarquias públicas como o INADI (Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo) e proibiu a linguagem inclusiva em toda administração pública. Milei começa a ver sua popularidade cair. Tais indicadores já são sentidos nas pesquisas de opinião.

V – Março terá uma ampla jornada de lutas do povo argentino. Começa na noite de hoje, com piqueteiros, movimentos sociais e as assembleias de bairro em frente ao Congresso, apoiando-se num panelaço que pode se massificar. Dia 8 se espera um grande ato do movimento de mulheres, reagindo às ameaças de parlamentares governistas contra a histórica conquista do direito ao aborto. E, no dia 24 de março, acontece a multitudinária marcha do Dia da Memória. Neste ano ocorrerá uma manifestação unificada – algo que não acontecia em muitos anos – entre os setores mais à esquerda e o peronismo, acatando a proposta do “Encontro Memória Verdade e Justiça” para garantir a unidade, diante não só da política de Milei, mas também de sua vice, Vitória Villaroel, conhecida como negacionista da ditadura militar que teve mais de 30 mil desaparecidos políticos. E existem duas frentes que podem se desenvolver, fechando o círculo de setores em luta: a temperatura sindical que obrigaria a burocracia da CGT a convocar uma segunda greve geral e a entrada em cena do movimento estudantil, contra os cortes avassaladores do orçamento universitário e o aumento das tarifas do transporte. A setorial de mulheres do PSOL, num gesto de internacionalismo ativo, enviará uma delegação de companheiras, dirigentes e parlamentares para o dia 8 de março em Buenos Aires. A relação com Argentina também avança na necessidade colocada de um encontro antifascista, que se gesta em Porto Alegre. O desfecho das lutas do “Março Argentino” terão impacto direto na América Latina e no mundo. A Argentina aponta o caminho.


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