Eleição na Câmara dos Deputados: a principal tarefa do PSOL é derrotar Bolsonaro

Nosso papel, como deputadas e deputados do Partido Socialismo e Liberdade, é lutar, com todas nossas forças e em todos os espaços que tivermos, pela derrota de Bolsonaro e de seu projeto neofascista de destruição nacional e ataque à classe trabalhadora.

A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados apresenta um debate necessário para o PSOL, seus militantes e instâncias num momento em que o Brasil combina o aprofundamento de crise econômica, política, social e sanitária – a última potencializada sobremaneira pelo criminoso negacionismo da pandemia de Covid-19 por Bolsonaro. Abrimos o debate sobre a tática parlamentar de votar em Baleia Rossi contra Arthur Lira no primeiro turno da eleição na Câmara dos Deputados de forma clara e transparente aos companheiros do PSOL, afinal, num momento em que Bolsonaro trama o fechamento do regime político e o ataque às liberdades democráticas, a possibilidade de vitória de seu candidato não pode ser-nos indiferente.

Nas últimas semanas, em que a eleição para a presidência da Câmara tornou-se uma pauta nacional, o PSOL poderia ter desenvolvido outra política, mas o fato é que o partido esteve sem iniciativa nesse tema. Estamos muito atrasados. Algumas posições contrárias à tática que defendemos precisam ser esmiuçadas. É o que nos propomos a fazer a seguir:

1) Votar em Baleia Rossi contra Arthur Lira é uma política de conciliação com a burguesia?

A primeira posição afirma que o voto em Rossi contra o candidato de Bolsonaro no primeiro turno seria uma política de conciliação com os partidos burgueses e que o PSOL deve apresentar-se com cara própria para defender os interesses do povo, como se defender um voto tático em um candidato burguês significasse um compromisso com sua agenda econômica.

É preciso caracterizar as frações burguesas em disputa: uma, expressa pelo PP e outros partidos burgueses que oferecem apoio e até legenda para o neofascista Bolsonaro, e outra que, embora tenha acordo com a primeira na agenda econômica, não está disposta a levar a cabo a pauta de ataque e restrição às liberdades democráticas tal como pretende Bolsonaro. Apoiar pontual e taticamente a segunda contra a primeira significa confiar na burguesia? Nunca. Na realidade, com nossa posição, pretendemos distinguir os matizes e atuar de forma concreta na situação concreta. Isso significa defender as instituições do Estado burguês? Frente aos ataques dos que querem fechar o regime político por dentro dele, é preciso lutar contra a restrição das liberdades democráticas sem nutrir ilusões nas instituições do regime e alertando o povo de que as transformações ocorrerão com a alteração da correlação de forças, na luta nas ruas.

Os socialistas lutamos por uma democracia real, não pela dominação burguesa. Mas Bolsonaro já deixou claro que conspira por uma estratégia de fechamento do regime político como forma de dominação burguesa. A vitória de Bolsonaro na Câmara, embora não signifique necessariamente um golpe final da extrema-direita, certamente contribuirá para o avanço de pautas como a federalização das polícias, o excludente de ilicitude e até o voto impresso para colocar suspeitas no sistema eleitoral, aos moldes do que Trump fez nos EUA. Levar tais pautas a votação é um compromisso já assumido por Arthur Lira e seus aliados.

Precisamos debater se o comando da presidência da Câmara ser exercido por um aliado de primeira ordem do Palácio do Planalto ajuda ou atrapalha a relação de forças para os interesses dos de baixo, e avaliar a importância de uma derrota do governo e de seus planos autoritários por meio de uma tática que explora as divisões e conflitos dos de cima. Além disso, ignorar o potencial eleitoral de Bolsonaro – que, embora seja um criminoso e tenha sido derrotado na eleição de 2020 – é errado, já que ele ainda preserva pouco mais de um terço de apoio nas pesquisas de opinião e, em termos políticos, ainda tem a maior minoria da sociedade e também do Congresso Nacional. Contribuir para que Bolsonaro tenha dificuldade de levar adiante sua estratégia golpista, portanto, é nosso dever. Isso transforma Baleia Rossi num candidato de esquerda? Claro que não. Não podemos ter ilusão em nenhum setor da classe dominante. Mas não aproveitar as fissuras nas disputas intraburguesas para impor derrotas ao maior inimigo no momento seria um erro grave. E nós não temos dúvida de que o centro é derrotar Bolsonaro.

Um risco grande é transformar uma discussão tática em estratégica. Um voto crítico sem ilusão, demarcando nossa posição independente em favor dos trabalhadores e de uma agenda econômica que taxe os capitalistas, não pode ser confundido com a eleição majoritária e muito menos a composição de governos.

2) A eleição da Câmara é um ensaio para 2022?

Transpor o debate sobre a tática para a eleição da presidência da Câmara para a política do PSOL em 2022 é esquemático e absolutamente equivocado. Em primeiro lugar porque, em eleições gerais, o colégio eleitoral é determinado pelo povo. Mesmo jogando de acordo com as regras do jogo burguês, o povo vota. No caso da Câmara dos Deputados, a eleição é feita pelos representantes majoritários dos interesses burgueses, suas frações e uma ínfima minoria de representantes dos trabalhadores. A divisão da Câmara é um espelho da divisão burguesa e não da divisão de classes da sociedade. Portanto, esta eleição não é, de forma alguma, uma antecipação da eleição de 2022, mas uma vitória agora pode significar um acúmulo de forças para Bolsonaro impor sua agenda e fortalecer-se para a eleição presidencial. Para nós, não existe hipótese de um apoio do PSOL a uma frente encabeçada pela direita no primeiro turno da eleição de 2022. Para o MES, isto está absolutamente fora de debate.

Por outro lado, é evidente que, se o governo for vitorioso na eleição da presidência do Parlamento burguês, terá mais condições, em dois anos, de tentar alterar as regras eleitorais, intervir em universidades, indicar mais aliados negacionistas em instituições sanitárias e científicas, pautar, na Câmara, suas propostas reacionárias que agradam sua base social, fortalecendo os projetos das bancadas fundamentalista religiosa, da bala, etc. Portanto, há risco de, com uma vitória de Lira, estarmos em condições mais desfavoráveis para o movimento de massas.

Assim como não podemos subestimar o peso eleitoral de Bolsonaro, tampouco devemos subestimar a incidência de um setor fascista que tem peso nas polícias militares, nos fundamentalistas religiosos e que ganhou uma fração do movimento de massas. Não permitir que a Câmara seja correia de transmissão dos interesses do Planalto tem sua importância. Além disso, a eleição da presidência da Câmara medirá qual setor burguês é vitorioso: o disposto a flertar com o fascismo ou o que, mesmo vacilante nas tarefas democráticas e absolutamente burguês na agenda econômica, não está com ele. Sabemos que a luta final contra o fascismo não se dará somente no calendário eleitoral, mas no embate físico. A correlação de forças não se altera por vontade e tampouco pela eleição da presidência da Câmara dos Deputados, mas pode ter, sim, um desfecho mais desfavorável à ação independente dos trabalhadores se avança a restrição das liberdades pretendida por Bolsonaro.

Além disso, sabemos que é fundamental derrotar Bolsonaro antes de 2022 e retirá-lo da presidência para interromper seus crimes diários contra a vida e os direitos do povo brasileiro. Por isso, em março de 2020, protocolamos um pedido de impeachment que recolheu mais de um milhão de apoios. A vacilação de Rodrigo Maia, e da oposição burguesa de direita, que não deu início ao processo de impeachment de Bolsonaro mostra que a luta pelo “Fora, Bolsonaro” precisa tomar as ruas e pressionar o Congresso. Com uma presidência da Câmara nas mãos de Bolsonaro, entretanto, suas chances de disputar a reeleição aumentam consideravelmente.

3) Os revolucionários, em nenhuma hipótese, podem estabelecer compromissos com setores burgueses?

Uma terceira posição afirma que a tática de voto em Baleia Rossi contra Arthur Lira não é lícita porque os revolucionários não podem fazer movimentos políticos com nenhum setor burguês. Tal posição desconhece profundamente a história dos movimentos revolucionários. Vladimir Lênin, em sua famosa obra Esquerdismo: doença infantil do comunismo, dedica um capítulo a uma polêmica com jovens revolucionários do comunismo de “esquerda” alemão:

“Nenhum compromisso. É surpreendente que, com semelhantes ideias, esses esquerdistas não condenem categoricamente o bolchevismo! Não é possível que os esquerdistas alemães ignorem que toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e compromissos com outros partidos, inclusive os partidos burgueses!

Fazer a guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo que sejam apenas temporários) que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo? Isso não será parecido com o caso de um homem que, na difícil subida de uma montanha, onde ninguém jamais tivesse posto os pés, renunciasse de antemão a fazer zigue-zagues, retroceder algumas vezes no caminho já percorrido, abandonar a direção escolhida no início para experimentar outras direções?”.

Com tal resgate, não se pretende, aqui, comparar mecanicamente diferentes momentos históricos e os desafios dos socialistas em cada um deles, mas sim, discutir um método de análise, caracterização e política. Atuamos com a realidade que temos, não com a que queremos. Não se sustenta, desse modo, a afirmação de que seria um problema de princípios um voto no Parlamento burguês numa tática para debilitar as condições de Bolsonaro conspirar pelo fechamento do regime.

Aliás, um princípio que sempre norteou os bolcheviques, assim como o MES, é o de não compor governos burgueses. Não compusemos nem mesmo os governos da Frente Popular, quando já tínhamos caracterização do curso de traição de classe do projeto petista já no início dos anos 2000. Ao invés de nos lançarmos em busca de cargos no governo Lula, lançamo-nos, junto com centenas de outros camaradas, a percorrer o Brasil para fundar o PSOL e construir uma ferramenta política que nos permitisse apontar uma alternativa socialista para o Brasil.

4) São dois candidatos iguais?

Há, ainda, uma posição que afirma serem Baleia Rossi e Arthur Lira “dois candidatos iguais”. Mas os dois candidatos seriam iguais porque defendem a mesma agenda econômica? Evidentemente, os dois candidatos representam uma agenda econômica pró-burguesa e antipovo, que significou o aprofundamento das reformas neoliberais como as da previdência, “teto” de gastos e trabalhista. Trata-se de dois candidatos obviamente burgueses.

Então, o que os divide? Bolsonaro luta para ganhar a presidência da Câmara dos Deputados e definiu Arthur Lira como seu candidato, ou seja, uma vitória de Lira é uma vitória de Bolsonaro. Há, ao mesmo tempo, uma disputa em curso entre diferentes frações burguesas e suas facções políticas: uma delas está disposta a governar com Bolsonaro e reforçar a extrema-direita e outra, mesmo que vacilante e insuficiente, apresenta disposição de contrapor-se às investidas bolsonaristas na defesa das liberdades democráticas. E isto, nas circunstâncias de enfrentamento contra uma extrema-direita que controla a presidência da República e parte importante do aparelho de Estado, não é pouco. Ou, por acaso, não existem elementos que nos permitam diferenciar defesa da ciência ou negacionismo, direitos das minorias ou retrocessos nas conquistas democráticas, civilização ou barbárie?

Se seguíssemos tal posição, deveríamos ter tomado como centro denunciar Trump e Biden nos EUA. Sabemos, no entanto, que a derrota de Trump é um feito enorme, embora não tenhamos ilusão com a agenda imperialista (talvez até mais próxima do establishment) de Biden. Mas ignorar ou subestimar o peso da luta democrática em tempos de enfrentamento contra o autoritarismo é errado. Evidentemente, Bolsonaro, com o resultado de 2020, perdeu força momentânea para o golpe final, mas pode ir, por dentro do regime político, facilitando ataques democráticos e é por isso que a fração burguesa bolsonarista precisa ser derrotada na eleição à presidência da Câmara.

5) No primeiro turno da eleição da Câmara, não deveríamos fazer propaganda de nosso programa para reduzir danos no segundo turno?

Por último, analisamos uma quinta posição, que afirma ser a eleição na Câmara um momento para mostrar um programa para o país e que, por isso, o PSOL deveria lançar uma candidatura no primeiro turno para ter seu programa apresentado. Já no segundo turno, seria possível dar um voto para reduzir danos.

Embora a eleição da Câmara seja feita por deputados, é verdade que podemos, sim, aproveitar esse momento para apresentar um programa ao movimento de massas e, depois, reduzir danos — posição que deixaria os militantes mais tranquilos com as suas convicções. Para nós, deputados, votar em um dos nossos é reconfortante, sem dúvidas. Mas não somos comentaristas da realidade. A pressão real sobre o PSOL é ser parte de um movimento democrático anti-Bolsonaro, de uma vanguarda ampliada, embora seja verdade que não ainda da totalidade do movimento de massas que, infelizmente, acompanha pouco as movimentações do Congresso Nacional.

Parte dos nossos militantes prefere candidatura própria com a certeza de que a eleição terá dois turnos. Mas é preciso alertar que há um risco real de que a eleição defina-se em um turno e, apesar de o bloco de Arthur Lira parecer numericamente menor que o bloco anti-Bolsonaro, a eleição é secreta e existem defecções em muitos partidos. No PSL, por exemplo, contabilizado nas estimativas como formalmente no bloco de Maia/Rossi, 36 parlamentares lançaram nota afirmando que votarão em Lira. Já em partidos de centro-esquerda que estão no bloco, como PT, PSB e PDT, há setores que votam no candidato de Bolsonaro.

Enquanto estamos debatendo a necessidade de uma campanha de vacinação, renovação do auxílio emergencial etc., o Planalto libera emendas e oferece cargos. Numa votação secreta, apostar em dois turnos e correr qualquer risco de uma vitória de Bolsonaro é temerário. Correremos esse risco para termos dez minutos para falar na tribuna no dia da votação e apresentarmos nosso ponto de vista durante alguns dias?

Mas, se não fizermos isso, o PSOL será linha auxiliar da direita? Evidentemente, não. Como afirmou Sâmia Bomfim em entrevista ao jornal O Globo, sua posição é a de dar um voto tático e pontual em Baleia Rossi contra Arthur Lira para sermos oposição a uma eventual futura gestão de Rossi desde o primeiro dia pós-eleição. A mudança na correlação de forças que permitirá combater a agenda econômica neoliberal dependerá da ação do movimento de massas e ser parte de um movimento anti-Bolsonaro dará ao PSOL, inclusive, mais autoridade sobre um setor que está conosco na defesa das liberdades democráticas, mas ainda não foi ganho para a luta socialista.

Nosso papel, como deputadas e deputados do Partido Socialismo e Liberdade, é lutar, com todas nossas forças e em todos os espaços que tivermos, pela derrota de Bolsonaro e de seu projeto neofascista de destruição nacional e ataque à classe trabalhadora. É o que o povo brasileiro espera de nós e é com este dever em mente que nos dirigimos à nossa militância, a nossas e nossos camaradas e às instâncias partidárias.


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Pedro Micussi