O histórico de finanças predatórias do novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, representa uma ameaça de agravamento da pobreza ainda maior pelo próprio Banco
arton21552-a742f

O histórico de finanças predatórias do novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, representa uma ameaça de agravamento da pobreza ainda maior pelo próprio Banco

Deve-se permitir que o novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, assuma o cargo sem uma investigação completa sobre seu histórico de operações financeiras predatórias, especialmente como um líder visionário da MasterCard comprometido com a “inclusão financeira”?

Via CADTM

Muito pode ser aprendido com as experiências da última década, começando na África do Sul, onde ele autorizou uma parceria com uma empresa de serviços de dados parcialmente pertencente ao Banco Mundial, a Net1. A International Finance Corporation do Banco Mundial [o braço privado do Banco, responsável pela criaçao de mercados e pela atração de investimentos] comprou 22% da Net 1 – a maior participação individual – em 2016 por US$ 107 milhões.

A principal subsidiária da Net1, a Cash Paymaster Services (CPS), foi forçada à falência em 2020, depois que o ativismo social levou a um processo judicial contra sua estratégia de longa data de ordens de débito, que empobreceu milhões de pessoas sob o pretexto de inclusão financeira. A Net1 atraiu pessoas pobres para o sistema bancário formal em termos que levaram ao subdesenvolvimento catalisado pelo crédito, e não ao desenvolvimento.

 Armadilha da dívida para os pobres

A África do Sul, a sociedade mais desigual do mundo, é também um dos locais mais importantes onde tiveram lugar experimentos de inclusão financeira em massa, primeiramente por causa de sua desastrosa incursão no mercado de microcrédito comercial na era imediatamente pós-apartheid. Entretanto, esse episódio lamentável foi muito agravado pelas experiências da década de 2010 marcadas pela colateralização dos benefícios assistenciais pagos pelo Estado a partir de 2012. 

Hoje, mais de 25 milhões de pessoas – dos 60 milhões de habitantes do país – recebem uma transferência de renda mensal do Estado, dividida em quatro categorias: auxílio-desemprego no valor individual de US$ 20, benefício no valor de US$ 27 por criança pago às famílias pobres, e uma transferência de renda garantindo a aposentadoria básica e para pessoas com deficiência por US$ 110.

Como parte de seu esforço para bancarizar 500 milhões de pessoas pobres não bancarizadas em todo o mundo, Banga fez uma parceria com a South African Social Security Agency (SASSA) e a Net1 para usar cartões de débito MasterCard na distribuição de benefícios assistenciais. Esse novo sistema de pagamento com cartão de débito tinha o objetivo de ajudar os sul-africanos de baixa renda a evitar longas esperas nas agências do governo sob o sol quente (fonte de muitas mortes de idosos), protegê-los dos pequenos criminosos que roubavam os beneficiários dos subsídios nos pontos de pagamento e diminuir os custos de efetuar o pagamento em dinheiro (cash, então pago através de carros-fortes que levavam mensalmente os benefícios para entrega), economizando recursos públicos. 

Banga visitou a África do Sul em janeiro de 2013 para explorar como o sistema funcionava à época e conquistou a confiança dos funcionários conservadores do Tesouro. Um sistema de distribuição mais eficiente significava uma economia anual estimada em US$ 80 milhões, afirmou Banga.

Um dos líderes locais que ele conheceu, Nhlanhla Nene, foi ministro das finanças da África do Sul em 2014-15 (antes de ser demitido por se opor a um duvidoso acordo de energia nuclear russo) e foi nomeado para o cargo novamente em 2018. Rapidamente, porém, Nene foi obrigado a renunciar devido a suas visitas inexplicáveis à casa da família Gupta, que havia corrompido muitos braços vitais do Estado sul-africano. O outro funcionário que Banga conheceu, Ismail Momoniat, há muito tempo atua na liderança do serviço público do Tesouro.

Ainda em janeiro de 2013, Banga visitou Soweto, uma imensa comunidade negra de Johanesburgo, e localizou uma beneficiária do programa de transferências assistenciais do governo no assentamento de barracos de Elias Motsoaledi, próximo ao maior hospital da cidade, informação que a MasterCard ainda divulga em sua conta no Flickr. Quatro meses depois, o Washington Post forneceu a ele uma plataforma para suas lembranças sobre a beneficiária em questão, Hilda Nkantini:

“Na África do Sul, conheci uma mulher chamada Hilda, uma senhora de 77 anos, que vivia em um pequeno barraco de metal. E ela me disse – e é difícil manter a cabeça erguida quando ouvimos alguém dizer isso para nós – ela disse: ‘Agora sinto que sou alguém. Tenho um cartão que contém meus dados biométricos. Eu existo’. E você não pode imaginar a surpresa em seu rosto. Receber os mesmos benefícios sociais que recebia antes, mas em dinheiro, e ela era se sentia anônima. Agora ela tinha uma identidade dentro da África do Sul”.

Sem dúvida, o novo sistema foi muito apreciado por sua conveniência. Mas Banga continuou,

“Não sou um filantropo. Não sou uma agência das Nações Unidas. Eu respondo aos acionistas. Preciso me sair bem. Acredito que é possível fazer as duas coisas… se esses caras usarem o cartão, vou ganhar dinheiro… No início, eles sacam dinheiro em um caixa eletrônico. Eu ganho muito pouco dinheiro se eles sacarem dinheiro em um caixa eletrônico. Mas sabe de uma coisa? Eles se beneficiarão ao fazer isso, e esse é o primeiro passo.”

Da garantia de acesso aos benefícios à rapina financeira

Exatamente no momento em que Banga afirmou que poderia encontrar um equilíbrio entre “fazer o bem” para as pessoas e para os acionistas, os benefícios assistenciais sul-africanos estavam sendo transformados em colateral para acesso a produtos financeiros de alto preço. Banga já havia começado a ampliar os serviços da MasterCard por meio de uma parceria com um dos líderes corporativos mais notórios da África do Sul, Serge Belamant, da CPS/Net1.

Por meio de sua parceria com a SASSA, Belamant foi autorizado a coletar as informações pessoais e biométricas de mais de 18 milhões de sul-africanos. Ele também conseguiu coletar um histórico completo dos padrões de renda e gastos dessas pessoas. Criou, então, quatro empresas subsidiárias para comercializar produtos financeiros exclusivamente para beneficiários dos programas de assistência social e vinculou ordens de débito aos novos produtos financeiros baseados na concessão de crédito (principalmente microfinaná, seguro funeral e contratos de celular). Essas ordens de débito quase sempre drenavam recursos das contas dos beneficiários desses programas, a ponto de eles terem pouca ou nenhuma entrada de recursos (via pagamento das transferências) a cada mês.

Banga usou repetidamente a história de Hilda para promover sua inovação (ver aqui, aqui e aqui), mas o principal objetivo dos passos seguintes no uso de sua tecnologia era facilitar a SASSA em sua virada para a rapina financeira. A SASSA fez uma parceria com a CPS/Net1, o Grindrod Bank e a MasterCard para entregar o pagamento das transferências de renda em mercearias, bancos comerciais ou em um dos 10.000 pontos de pagamento da Net1 (que surgiam em todo o país na primeira semana de cada mês).

Enquanto Banga implementava rapidamente 10 milhões de cartões de débito, a Net1 criava empresas subsidiárias para vender produtos de inclusão financeira aos beneficiários, incluindo empréstimos (Moneyline), seguros (Smartlife), tempo de conexão e eletricidade (uManje Mobile) e pagamentos (EasyPay).

Como um provedor de serviços monopolista, a Net1 controlava todo o fluxo de pagamento do Tesouro para os beneficiários dos programas de assistência social. Ela estava bem posicionada não apenas para transferir tais pagamentos, mas também para vender produtos financeiros sendo paga pelos serviços prestados ao mesmo tempo em que os pagamentos dos benefícios eram feitos.

Não havia possibilidade de os beneficiários não pagarem suas dívidas porque os reembolsos eram deduzidos automaticamente do valor do benefício a ser pago, nada tendo a ver com o comportamento do consumidor. Como os pagamentos à Net1 reduziram o valor prometido dos benefícios assistenciais, os beneficiários recorreram a outros credores formais e informais, muitos dos quais também eram pagos automaticamente por meio dos mesmos poderes de ordem de débito da Net1.

Embora a Net1 afirmasse que oferecia crédito sem juros, suas “taxas de serviço” mensais eram, em geral, superiores a 5% de juros ao mês. Embora tecnicamente permitidas pela Lei Nacional de Crédito, essas taxas de juros chegavam a mais de 30% em um empréstimo padrão de 6 meses. Naquela época, as taxas de juros de um cartão de crédito eram de pouco mais de 20% ao ano. Por meio de seu crédito extremamente oneroso, a Net1 obteve mais receita com a venda de produtos de inclusão financeira do que com a distribuição de transferências assistenciais de 2015 a 2017.

Embora seja difícil estimar o custo real da compra desses produtos para os beneficiários – porque essas informações eram controladas pela Net1 – existem alguns indicadores úteis. A conhecida ONG de defesa do bem-estar Black Sash realizou uma pesquisa entre outubro e novembro de 2016 e, dos 1.591 beneficiários dos  programas sociais, 25,5% responderam “sim” à pergunta: “algum dinheiro foi deduzido do seu subsídio sem o seu consentimento?”

A parceria entre a Mastercard e a Net1 foi inovadora porque eles criaram um cartão de débito que operava dois sistemas de pagamento paralelos: Europay-MasterCard-Visa e o Sistema Universal de Pagamento Eletrônico (UEPS). O primeiro funcionava online com um número PIN, como em todo o mundo; o segundo funcionava off-line com segurança biométrica e foi projetado especificamente para os beneficiários sul-africanos.

A implicação desse sistema duplo era que a grande maioria das transações dos beneficiários das transferências assistenciais era feita por meio do sistema UEPS off-line, seja em pontos de pagamento Net1 ou em varejistas que usavam dispositivos de ponto de venda Net1. Em vez de essas transações serem liquidadas por meio do Sistema Nacional de Pagamentos, tornando-se assim visíveis para o Tesouro e o Banco Central do país, elas eram liquidadas internamente pela Net1.

A maioria dessas deduções em favor dos produtos da Net1 acontecia fora das estruturas financeiras tradicionais. Isso levou a uma predação financeira significativa por parte de um provedor de serviços monopolista.

Em resumo, facilitada pela MasterCard, a Net1 desenvolveu um sistema bancário paralelo que, na realidade, não introduziu os beneficiários no setor financeiro convencional, mas os segregou em um espaço de pagamento digital monopolista fora da supervisão e do controle do Estado. A Net1 controlava o fluxo de distribuição do Tesouro para as contas dos beneficiários e, portanto, podia deduzir os pagamentos de produtos financeiros das transferências no exato momento em que o dinheiro do Estado era depositado em suas contas bancárias.

Os beneficiários dos programas de combate à pobreza não podiam escolher entre pagar ou atrasar o pagamento, pois os reembolsos eram deduzidos automaticamente das contas [tal como no crédito consignado no Brasil]. A parceria SASSA-MasterCard-CPS/Net1-Grindrod eliminou quase todo o risco de inadimplência, usando o estado de bem-estar social como fiador do crédito privado. A situação dramática de milhões de beneficiários dessas transferências de renda que caíram em um relacionamento predatório por meio do MasterCard foi agravada pela preocupação de que a própria ministra da Assistência Social tivesse sido corrompida no processo.

Isso, por sua vez, levou a Black Sash a investigar e litigar contra o CPS. Em setembro de 2020, eles foram bem-sucedidos e não apenas garantiram que o contrato da Net1 não fosse renovado, mas também obtiveram uma demanda de reparação que forçou a CPS a entrar em falência formal (embora a Net1 continue a desempenhar o papel de efetuar os pagamentos assistenciais na África do Sul e em vários outros países).

 África do Sul e Brasil como pilotos no processo de colateralização da pobreza

Esse tipo de estratégia de redução de riscos transformou os benefícios do combate à pobreza, garantidos pelo Estado, em uma nova forma de colateral, revertendo o próprio objetivo dessas transferências monetárias, ou seja, aliviar os níveis de privação por meio do alívio monetário da pobreza. Processos semelhantes estão em andamento no Brasil e em muitos outros países com sistemas de transferência de renda.

Até o final da década de 1990, o Banco Mundial era profundamente cético e, na verdade, se opunha abertamente a qualquer tipo de transferência monetária para os pobres (com base no argumento de que isso exacerbaria os hábitos de consumo ineficientes dos pobres, incapazes de fazer boas escolhas). Mas mudou de orientação e passou a defender o esquema como o novo modelo de política social para o Sul Global, a partir do início dos anos 2000, graças à  facilidade de carregar dívidas em um fluxo de renda regular, pago pelo Estados, que, como garantidor da transferência de renda àqueles mais vulneráveis, eliminou riscos de inadimplência e atrasos, reduzindo custos de transação.

Foram adotadas condicionalidades e estabelecidos critérios rígidos de elegibilidade para legitimar o uso de transferências de renda patrocinadas pelo Estado, introduzindo assim parâmetros – como testes de meios e requisitos de trabalho – que discriminavam os pobres na divisão clássica entre “merecedores” e “não merecedores”. Logo, os pobres merecedores se tornaram a peça central da estratégia de inclusão financeira que o Banco Mundial se propôs a criar em estreita associação com grandes corporações financeiras.

Hoje, bilhões de famílias pobres tornaram-se, ao mesmo tempo, recebedoras de transferências de dinheiro e titulares de contas bancárias. Isso abriu não apenas a possibilidade de contrair empréstimos – o que é considerado uma nova forma de “direito” social na esteira da suposta onda de fortalecimento das microfinanças – mas também criou uma nova condição existencial: o endividamento estrutural.

Isso significa que está surgindo uma nova forma de pobreza, ainda mais perversa e abjeta, que ocorre por meio da extração financeira dos mais vulneráveis, que agora precisam recorrer permanentemente a níveis de endividamento cada vez mais altos para pagar empréstimos antigos e sobreviver. Em todos os países mais pobres, bem como nas economias de renda média, como a África do Sul e o Brasil, o endividamento extremamente alto dos trabalhadores pobres e dos mais desfavorecidos tornou-se uma questão social alarmante, exigindo até mesmo o desenvolvimento de programas específicos que possam ajudar esses enormes contingentes de devedores a renegociar seus pagamentos e, portanto, sua capacidade de viver endividados.

Isso mostra o quão preocupante é a nomeação de Banga à presidência do Banco Mundial, ainda mais agora que o enfrentamento da crise climática exige urgentemente uma nova geração de políticas ecossociais que atendam de forma verdadeira e equitativa às necessidades daqueles que continuam a pagar – no Sul Global – pelos erros de políticas de desenvolvimento fracassadas e pelo consumo excessivo de gases de efeito estufa do Norte Global.

Ao buscar a inclusão financeira de acordo com essas diretrizes, a MasterCard faz parte de um grupo de elite de corporações financeiras, de telecomunicações e de pagamentos digitais, de filantrocapitalistas utópicos digitais (notadamente a Fundação Gates), de inovadores como a Belamant, de organizações de lobby de direita, de ONGs aliadas, como a Accion, e do Banco Mundial e do FMI. Esse grupo de elite foi chamado por Daniela Gabor e Sally Brooks de “complexo fintech-filantropia-desenvolvimento”.

Sua alegação central é que, se for fornecido maior acesso a um conjunto de serviços microfinanceiros digitalizados (pequenos empréstimos, oportunidades de poupança, pagamentos e tecnologia de transferência de dinheiro, ordens de débito etc.) fornecidos por plataformas de fintech com fins lucrativos orientadas por investidores, os pobres do Sul Global terão mais condições de superar a pobreza.

 Fantasias das fintechs

No entanto, as evidências que sustentam essa alegação são muito fracas. Para começar, um acesso muito mais amplo a esses serviços já foi alcançado desde 1990, graças à revolução das microfinanças e à emissão generalizada de cartões de débito. Até mesmo os principais defensores do passado da inclusão financeira reconhecem agora que a suposta revolução teve impacto zero sobre a pobreza global.

Por essas razões, as realizações de Banga aparecem como uma versão repetida das aventuras coloniais anteriores que permitiram que as grandes potências causassem estragos em seus súditos. Ao extrair enormes riquezas baseadas em recursos naturais e mão de obra, sob o pretexto do “fardo do homem branco” ou da disseminação do cristianismo, as colônias foram programaticamente saqueadas e subdesenvolvidas.

Hoje, um exercício de extração semelhante está em andamento, justificado agora sob a bandeira da ampliação da inclusão financeira por meio de uma “Quarta Revolução Industrial” que combina algoritmos baseados no consumo com a tecnologia de cartões. Portanto, seja por projeto ou por padrão, a nomeação de Banga provavelmente avançará o objetivo estratégico do governo dos EUA de promover normas de consumo e endividamento ocidentais por meio da disseminação de plataformas de fintech de propriedade e controle das corporações e investidores dos EUA. Banga demonstrou como essas plataformas operam para beneficiar a economia dos EUA, ao mesmo tempo em que prejudicam as cobaias do setor financeiro e, mais amplamente, as economias do Sul Global.

 Nkantini não se encaixou no roteiro da MasterCard

Quando soubemos do novo emprego de Banga, à frente do Banco Mundial, ficamos curiosos para saber se Hilda Nkantini haveria sofrido com a rapina financeira de uma década por ele exercida na África do Sul – e descobrimos que seu bom senso financeiro prevaleceu sobre o marketing do garoto-propaganda da MasterCard e dos truques do complexo fintech-filantropia-desenvolvimento. Se você a rastrear no âmbito do mesmo assentamento de barracos empobrecidos onde ela reside há décadas – como fez o acadêmico-ativista Siphiwe Mbatha, do Centro de Pesquisa e Prática Sociológica da Universidade de Johanesburgo, em março de 2023 – descobrirá que ela mal sobrevive economicamente.

Mas, embora ainda use com gratidão seu cartão MasterCard, ela insiste em dizer que nunca se serviu ou aprovou as ordens de débito feitas contra seu auxílio monetário para remuneração de serviços e empréstimos espúrios.

Em 2013, o repórter do Post fez a Banga apenas uma pergunta difícil sobre seu projeto na África do Sul: “Isso também permite que a MasterCard colete dados para fins de marketing? E quanto às preocupações com a privacidade?” Sua resposta evitou a realidade por trás do acordo que a MasterCard fez com a Belamant: “Na verdade, não. Lembre-se de que, basicamente, como um sistema operacional, não obtenho informações pelo nome de uma pessoa. Tudo isso vai para o governo”.

Hilda Nkantini é a prova de que é possível resistir à agenda neoliberal associada à sedutora inclusão financeira. Nkantini aprecia os avanços tecnológicos (o pagamento de benefícios através de cartões digitais), mas não se expõe à vigilância biométrica ou à colaterialização de sua renda proveniente de transferências assistenciais.

No entanto, essa resistência sutil, um jiu-jitsu da ideologia de Banga e da parceria CPS/Net1, tem-se mostrado muito rara. Como resultado, as características predatórias do abuso da MasterCard no pagamento dos benefícios assistenciais são o principal legado que Banga deixou na África do Sul.

Além disso, as impressões digitais do Banco Mundial sobre tal abuso foram confirmadas quando, em meados de 2021, sua avaliação do Projeto de Parceria com a África do Sul para 2022-26 do acordo de inclusão financeira da década de 2010 declarou orgulhosamente que seus objetivos foram “em grande parte alcançados”. Sob o título “Lições”, a seção que continha a Net1 foi deixada em branco.

Nesse sentido, Ajay Banga é o homem perfeito para liderar o Banco Mundial, uma vez que seu papel histórico tem sido amplamente predatório e que a criação de pobreza em massa tem ocorrido regularmente por meio de seus projetos de “desenvolvimento” pró-corporativos e dos programas de ajuste estrutural macroeconômico. Acrescente-se a isso a retórica da inclusão financeira que vai desde o microfinanciamento dos anos 90 até a recente adesão de Banga à colateralização da política social de combate à pobreza. Os próximos cinco ou dez anos em que Banga administrará a instituição certamente confirmarão a impossibilidade de sua reforma.

Além disso, as primeiras plataformas de fintech, que antes eram amplamente consideradas excelentes “modelos”, principalmente a M-Pesa do Quênia, “amadureceram” de forma destrutiva e agora exploram cada vez mais seus clientes.

Portanto, devemos ser extremamente cautelosos com as alegações empolgadas feitas por aqueles que querem expandir os serviços de fintech, pois seus motivos são muito mais para promover seus próprios interesses financeiros e uma visão de mundo ideológica específica do que para lidar com a injustiça econômica estrutural.

A MasterCard Corporation é um bom exemplo. Sua meta corporativa bem divulgada de querer ampliar a inclusão financeira para enfrentar a pobreza global supostamente reflete o alto nível de responsabilidade social da empresa, bem como o interesse pessoal apaixonado de Banga em vincular a tecnologia ao desenvolvimento.

Na prática, contudo, nenhum desses relatos se confirma. Até mesmo os principais CEOs do setor de fintech, como Dan Schulman, do PayPal, agora admitem prontamente que a inclusão financeira é simplesmente uma “palavra da moda” eufemística para recrutar o maior número possível de novos clientes, para poder extrair silenciosamente um fluxo interminável de valor da intermediação de seus trilhões de dólares em pequenas transações financeiras.

E como o exemplo da CPS/Net1 na África do Sul demonstra claramente, os verdadeiros beneficiários dessa forma de fintech orientada pelo investidor não são os clientes em situação de pobreza, mas os CEOs das fintechs, seus acionistas e investidores e, em última análise, as economias do Norte Global, onde suas operações geralmente estão sediadas.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi