Novo Ensino Médio: Lula, revoga já!
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Novo Ensino Médio: Lula, revoga já!

As mudanças propostas pelo governo na reforma elaborada por fundações privadas não revertem seus efeitos nefastos na educação pública

Foto: Rede Emancipa Jundiaí

Desde 2016 estudantes e professores de todo país vêm se manifestando contra a Reforma do Ensino Médio, sancionada por Michel Temer, mas elaborada com fundações empresariais, como Todos Pela Educação, Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann, Itaú Social e outras. Inclusive, em algumas escolas estaduais, o Ifood é um dos elaboradores das apostilas oferecidas aos professores como apoio curricular aos itinerários formativos. São fundações criadas e mantidas pelo grande capital privado, com o intuito de garantir a defesa de seus projetos societários na disputa de hegemonia, fingindo ser uma espécie de filantropia de bilionários.

Só que bilionário não faz caridade, faz investimento: essas fundações são parte de seus tentáculos no sistema construindo a legitimação da sua concepção de sociedade e de educação. Além, claro, de ganhar dinheiro do Estado com cursos, assessorias, materiais didáticos e afins. Inimigos de classe que dizem defender a educação de qualidade, mas enquanto a TLS (Trabalhadoras e Trabalhadores na Luta Socialista) defende 10% do PIB aplicado à educação, Todos Pela Educação por exemplo julga que 5% do PIB é suficiente e que o problema é a ineficiência na aplicação dos recursos. Nunca os encontramos nas lutas pela valorização salarial do professorado, é claro.

O rechaço ao Novo Ensino Médio

Em 2023 a Rede Emancipa, movimento social de educação popular, fez uma pesquisa nacional com 1179 estudantes, sendo 86,1% deles de escolas públicas. 84% considerou que a reforma piorou o Ensino Médio, 89,8% defenderam a revogação do Novo Ensino Médio e só 3,9% defenderam ajustar e reformar a lei, mantendo a estrutura atual. O Governo Federal, pressionado pelos estudantes, professorado e famílias, também fez sua pesquisa e ela também apontou o descontentamento com o Novo Ensino Médio. Desde 2016 estudantes vinham fazendo manifestações contra a reforma e conforme o governo Bolsonaro foi aprofundando a implementação junto com as fundações, a realidade de piora na educação pública e aprofundamento das desigualdades foi ficando escancarada, de forma que ganhamos o debate de que a reforma piorou o Ensino Médio. Claro que o grande capital não ia aceitar a derrota.

As respostas dos institutos e fundações empresariais

Num primeiro momento, Todos Pela Educação e outras fundações empresariais foram para a grande mídia dizer que os problemas do Novo Ensino Médio eram de implementação, que as secretarias de educação pelo Brasil não estavam implementando direito. É claro que não diriam que o problema está em toda a estrutura da reforma, que cria um Novo Ensino Médio para formar jovens que aceitem um novo mundo do trabalho, sem direitos e com desigualdades sociais e educacionais aprofundadas. De forma desonesta omitem que são corresponsáveis pela implementação em todas as redes estaduais do país. Inclusive Kátia Smole, ex-secretária de educação básica do MEC durante o governo Temer, é diretora executiva do Instituto Reúna (que assessora a implementação da reforma em pelo menos 21 estados).

Depois colocaram a culpa no MEC de Bolsonaro não realizar uma coordenação nacional para a implementação da reforma, também omitindo que havia uma coordenação nacional da implementação do NEM no Conselho Nacional de Secretários de Educação (o Consed). Não tendo mais como maquiar a realidade, a coalizão empresarial Todos Pela Educação no ano passado disse que havia “havia equívocos no desenho da reforma (não apenas erros de implementação)” e agora em 2024 encomendou uma pesquisa ao Datafolha com 462 estudantes (a pesquisa da Rede Emancipa, por exemplo, ouviu 1179 estudantes). Disse que ela não buscou avaliar a aprovação do Novo Ensino Médio, mas que os resultados (65% declarou que quer escolher parte do que vão estudar no Ensino Médio) mostram que os jovens desejam a “essência” do novo modelo.

Uma conclusão bem frágil por muitos motivos, um deles é que esses 65% é composto por um percentual de 30% do total pesquisado que disse preferir uma escola que combine uma parte de disciplinas comuns a todos com outra parte de curso técnico profissional. Temos isso hoje com o “antigo Ensino Médio” com muita excelência nos Institutos Federais, por exemplo, que não tem uma proposta de formar jovens para compor o precariado e um mundo do trabalho sem direitos, baseado em “empreendedorismo” e capitalismo de plataforma, como querem os bilionários defensores da reforma.

A reforma da reforma como uma tentativa do Lula em conciliar o inconciliável

Tentando dar resposta as grandes manifestações pelo desastre para a educação pública do país que é o NEM, mas sem ir contra os interesses das fundações empresariais, Lula lançou um projeto de lei que tenta reformar a reforma (e não a revogar, mantendo a tão almejada pelos seus fiadores bilionários “essência” do NEM). Ela traz melhorias em relação ao que é o Novo Ensino Médio hoje e isso é fruto da luta popular, o que merece ser valorizado, mas não rompe com os interesses das Fundações. A reforma da reforma ainda permite terceirização para os itinerários, tem definição ambígua para formação geral básica, mantém a formação de professores amarrada a BNCC, uma série de passagens que deixam dúvidas e brechas e que, na dúvida, serão sempre interpretadas para o melhor interesse do empresariado. 

Mantém-se os itinerários mesmo que os componentes curriculares que irão compor cada itinerário formativo tragam intrinsecamente a desprofissionalização docente e a degradação das condições de trabalho. Ao sair do seu campo de formação plena e transitar por áreas estranhas à sua formação, são exigidos gigantescos trabalhos adicionais na preparação das aulas e tempo excessivo de aperfeiçoamento de uma classe já sobrecarregada com jornadas amplas de trabalho. A queda da qualidade do ensino com isso é óbvia e soma-se também o impacto nas subjetividades dos docentes. 

A utopia que nos move por uma educação crítica, emancipatória, antirracista, feminista, inclusiva, que forneça possibilidades de leitura de mundo pautada no método científico e na historicização é substituída pelo avanço da ideologia neoliberal que visa preparar toda uma geração para o mercado de trabalho precarizado, sem direitos básicos e sem perspectivas. Nosso trabalho enquanto professores realizado nesses moldes se concretiza como instrumento de alienação e exclusão. A frustração promovida pela substituição dos valores que a educação deve promover pelos valores impostos pela lógica empresarial, são ingredientes que deixam a prática docente desprovida de sentido e encarcerada atrás dos muros da alienação

 Abaixo há uma tabela com a sistematização de alguns pontos.

PROJETO DE LEI N. 5.203/2023
Tópicos da ReformaAspectos PositivosAspectos NegativosPontos de Atenção


Carga horária
Retoma as 2.400 horas destinadas à Formação Geral BásicaFormação Geral Básica deverá ser ofertada em 2.100 horas caso seja concomitante ao ensino técnico e profissionalRedução da Formação Geral no caso do Ensino Médio Técnico


Componentes da Formação Geral Básica
Retomada da Língua EspanholaOs componentes curriculares não estão definidosInclui os componentes Química, Física, Biologia, História, Geografia, Sociologia e Filosofia, mas não estipula sua obrigatoriedade. Isso abre brecha para que as redes estaduais não forneçam todas as disciplinas ou forneçam, mas com carga horária reduzida.


Itinerários Formativos
 Mantém a formação flexível com a substituição dos itinerários por percursos de aprofundamento e integração de estudos que reproduzem a lógica da flexibilização do trabalho. 

Ensino técnico
 Continua de forma aligeirada e possibilita a parceria público-privada 

Formação dos profissionais
Revoga o “notório saber” como meio de contratação de professores.  
Fonte: Elaborado a partir de REPU, 2023

O relator do PL 5230/2023 é Mendonça Filho que, ironicamente ou não, ocupava o cargo de Ministro da Educação quando a Reforma do Ensino Médio foi aprovada. A análise dos documentos demonstrou que o Projeto de Lei não revoga substancialmente a Lei n. 13.415/2017, pois não toca em seus pontos mais críticos, como os itinerários formativos – que passam a se chamar “percursos de aprofundamento”; não define a obrigatoriedade dos componentes curriculares da Formação Geral Básica; e perpetua a lógica neoliberal de formação curricular flexível com um ensino precarizado.

Lula, revoga já!

É fundamental que a sociedade civil e os movimentos sociais tomem consciência que o PL 5.230/2023 não promove transformações no Novo Ensino Médio e se mobilizem contra esse projeto de destruição da educação pública que está se concretizando no Brasil. A revogação do NEM é parte indissociável da reconciliação dos objetivos que a educação deve atender e sua prática efetiva, é também o primeiro passo, entre muitos outros necessários, para o restabelecimento de sentido na prática docente e valorização da classe. Nenhuma reforma educacional pode desconsiderar a participação das/os protagonistas deste processo. Um governo que diz que quer que o país tenha mais de cem institutos federais de ensino tem que ter compromisso real com uma educação pública, gratuita, de qualidade e emancipadora.


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Pedro Micussi