O encarceramento da pobreza
Uma análise radiográfica das prisões em todo o mundo mostra uma realidade muito semelhante
Foto: Victoria Hazou/UN Photo
Via Rebelión
Além das diferenças nas condições de vida e da superlotação, a maioria dos presos são pessoas empobrecidas, marginalizadas e com poucas oportunidades. O sociólogo francês Loïc Wacquant, em seu livro Punishing the Poor (Punindo os pobres), argumentou que a prisão é usada como um aspirador social para limpar o resíduo humano gerado pelo sistema econômico capitalista e, assim, remover a escória da sociedade de mercado do espaço público. Essa escória seria composta por pequenos delinquentes, pessoas desempregadas ou destituídas, sem-teto, deficientes, com grave sofrimento emocional, viciados em drogas, migrantes em situação administrativa irregular, pessoas abandonadas pela deterioração do sistema de previdência social e de saúde e os jovens dos subúrbios das cidades forçados a normalizar suas vidas com empregos precários.
Se olharmos para a realidade das prisões espanholas, a primeira coisa a se observar é o nível de educação da população encarcerada. De acordo com dados do final de 2022, 15% dos presos eram analfabetos. Além disso, 33% tinham concluído o ensino fundamental, 44% o ensino médio, enquanto apenas 4% tinham formação universitária.1 Se nos concentrarmos nas mulheres, descobriremos que mais de seis em cada dez não concluíram a educação básica. Dessas, cerca de 10% não tinham nenhuma educação.2
Outro fator a ser levado em conta como indicador de pobreza é a saúde. A população carcerária tem uma saúde mais precária do que o restante da população. As patologias crônicas mais frequentes são artrose, reumatismo, asma, hepatite, angina de peito e ataques cardíacos, com uma super-representação de pessoas com AIDS. Em um nível psicológico, há uma alta presença de pessoas com sofrimento mental e patologias definidas.3 De fato, 34,8% da população carcerária relata ter sido diagnosticada, em algum momento de suas vidas, com um transtorno mental ou emocional, sendo a prevalência maior entre as mulheres (42,3%) do que entre os homens (34,3%). Além disso, durante 2022, houve 16.370 admissões em leitos de enfermagem de prisões, das quais 7.941 foram devidas a patologia psiquiátrica (48,5%), o que nos dá uma ideia da alta porcentagem de pessoas com sofrimento mental e emocional dentro dos muros da prisão.
Se prestarmos atenção aos presos com vícios (outro grupo super-representado), veremos que a maioria deles vem de famílias numerosas com baixo nível de escolaridade. Antes de entrar na prisão, sua renda provinha de empregos no mercado de trabalho (44% dos homens e 31% das mulheres) e na economia paralela (29% das mulheres e 27% dos homens). Em geral, os homens estão mais incluídos nos circuitos do mercado de trabalho, enquanto as mulheres têm de buscar seu sustento por meios alternativos, como a economia paralela, roubo ou outros subsídios.4
Se, por outro lado, observarmos o tipo de crime pelo qual estão presos, veremos que mais da metade dos homens, 53%, estão presos por crimes contra o patrimônio e a saúde pública, ou seja, crimes de pobreza (em que a situação de exclusão desempenha um papel decisivo em seu cometimento). E se olharmos para as mulheres, esse percentual sobe para 67%, dos quais 42% são por crimes contra o patrimônio e 25% por crimes contra a saúde pública (ou seja, tráfico de drogas).
Por que há uma super-representação de pessoas que cometeram apenas dois tipos de crime na prisão? Bem, como é impossível processar todos os crimes listados no Código Penal, a polícia exerce poder seletivo sobre as pessoas e criminaliza aqueles que estão mais próximos a ela. Aqui, os preconceitos sexistas, racistas, classistas e xenófobos moldam a fisionomia das pessoas que cometem crimes no imaginário coletivo, que é reforçado pela mídia.5 Assim, os processos de criminalização se retroalimentam: mais suspeitas, mais vigilância, mais detenções, mais prisões, em um círculo que se repete. Dentro dessa lógica, descobrimos que certos grupos, como migrantes, pessoas racializadas, viciados em drogas, pessoas com patologias mentais e até mesmo pessoas com diversidade sexual, estão super-representados na prisão.
Além disso, a seletividade punitiva também é dirigida contra as mulheres (racializadas e pobres) que ocupam os últimos elos da cadeia do tráfico de drogas devido à sua maior exposição (venda em suas casas ou transporte transfronteiriço), o que as torna “presas fáceis” para a ação policial.
As características que definem a interseccionalidade, como gênero, etnia e nacionalidade, também têm um impacto que torna mais grave sua discriminação pelo sistema de seletividade penal. Assim, constatamos que há uma super-representação de mulheres estrangeiras (uma em cada quatro mulheres presas é estrangeira), de etnia cigana e daquelas que sofreram violência ao longo de suas vidas. Assim, algumas estimativas sugerem que até quatro em cada cinco mulheres presas sobreviveram à violência doméstica ou ao abuso sexual.
Mas a prisão também tem um efeito de empobrecimento, ou seja, ela não apenas aprisiona a pobreza, mas também empobrece aqueles que estão presos, reproduzindo assim a pobreza. Também nesse caso, os fatores de interseccionalidade desempenham um papel importante, pois quanto mais fatores se juntarem, maior será o empobrecimento.
As condições de vida na prisão geralmente levam à degradação em todos os níveis, o que é acentuado para as pessoas submetidas a regimes de vida mais restritivos, como o confinamento solitário na prisão, que tem um grande impacto na saúde mental. Tudo isso é agravado por uma falta geral de atenção à saúde, devido à falta de equipe médica.
Sair da prisão é outra sentença, como diz César Manzanos. Torna-se um caminho tortuoso, longo e cheio de obstáculos. Além da falta de autoestima, há também a pobreza, não apenas financeira, mas também em termos de ideias, amizades e oportunidades. “Liberdade” significa enfrentar muitas dificuldades: encontrar uma casa, um emprego, transporte, adaptar-se às novas tecnologias, restabelecer os laços familiares… Uma situação que será igualmente agravada se forem estrangeiros sem raízes ou com poucos laços no território.
Além disso, a falta de apoio econômico e educacional para reconstruir suas vidas, juntamente com o estigma social de ter estado na prisão, aumentará a discriminação, a exclusão e a marginalização. Em suma, eles continuarão a ser empobrecidos e condenados a uma espiral de empobrecimento e criminalização da qual, sem mudanças estruturais, será difícil escapar.
- Secretaria Geral de Instituições Penitenciárias-SGIIPP (2023). Relatório Geral 2022. Ministério do Interior do Estado Espanhol. ↩︎
- Secretaria Geral de Instituições Penitenciárias-SGIIPP (2021). A situação das mulheres privadas de liberdade na instituição penitenciária. ↩︎
- Zabala-Baños, María del Carmen; Martínez Lorca, Manuela; Segura Fragoso, Antonio; López Martín, Olga; González González González, Jaime; Romero Ayos, Dulce María; Tort Herrando, Vicens; Vicens Pons, Enric e Dueñas Herrero, Rosa María (2026), “Medición de la calidad de vida en la población penitenciaria española.” Rev. Psicopatología Clínica, Legal y Forense, Vol.16, 2016, pp.34-47. ↩︎
- Martínez Perza, Carmen; Quesada Arroyo, Pedro; de Miguel Calvo, Estibaliz; Dzvonkovska Natalia; Nieto Rodríguez, Lucía (2021). “Situación de las personas con adicciones en las prisiones españolas. Una visión con perspectiva de género.” União de Associações e Entidades de Atenção ao Dependente de Drogas (UNAD), Madri. ↩︎
- Zaffaroni, E. R., Alagia, A., & Slokar, A. (2015). “Manual de Derecho Penal. Parte General” (Segunda ed.). Buenos Aires: Ediar. ↩︎