França: a Nova Frente Popular já é uma vitória!
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França: a Nova Frente Popular já é uma vitória!

A unidade ao redor da coalizão de esquerda representa a principal ferramenta na luta contra a extrema direita nas próximas eleições francesas

Luc Mineto 27 jun 2024, 15:08

As eleições europeias acabaram dia 6 de junho passado. A Revista Movimento amplamente deu conta da situação na Europa, em particular com o avanço relativo da extrema direita, em artigos como Eleições europeias – a extrema direita cresce, mas o centro se mantém e também em Diante da ascensão da extrema direita, unir-se e agir.

A situação francesa chamou a atenção de todos tanto por ser um dos países europeus, junto com a Alemanha, onde a extrema direita, lá representada pelo Rassemblement National (Reagrupamento Nacional, RN) da Marine Lepen e Jordan Bardela, teve um dos seus maiores avanços, como pela decisão do Presidente Macron de dissolver a Assembleia e convocar novas eleições legislativas nos dias 30 de junho e 7 de julho.

Na tarde de domingo, assistindo o especial “Européennes 2024” da France na frente das TVs europeias, o mundo parecia de cabeça para baixo: a extrema direita nas alturas (31,4% para o RN e 5,5% para a formação Reconquête (Reconquista de Eric Zemmour), a direita tradicional explodida, a esquerda acuada na defensiva, dividida no mínimo quatro legendas (Partido Socialista com 13,8%, France Insubmissa com 9,9%, Europa Ecologia com 5,5% e Partido Comunista com 2,4%). Sendo os grandes perdedores os partidos da direita tradicional, o partido do Macron, Ensemble! com 14,6% e Les Républicains (Os Republicanos, LR) com 7,3%.

A alocução de Macron, o anúncio da dissolução da Assembleia legislativa e de novas eleições nos dia 30 de junho e 7 de julho, poderia ser a pá de cal, o caminho da extrema direita rumo ao poder parecia amplamente aberto. O cálculo de Macron era de apostar na divisão da esquerda e mandar a extrema direita ao poder para ela se desgastar e permitir a volta triunfal dos liberais nas presidenciais de 2027. Patética manobra de um dirigente que já faz, há tempo, o leito da extrema direita pelas ações do seu governo.

Esqueceram de combinar com o povo!

Com teimosia, o povo de esquerda decidiu melar este cenário montado pela direita. Logo milhares de jovens desceram nas ruas, contra a direita e a extrema direita, mas sobretudo com um recado clara dirigido aos líderes da esquerda: “Unidade”. O grito da rua foi retomado por abaixo-assinados que em 48 horas recolheram centenas de milhares de assinaturas. Unidade! Desde então, na França, unidade a esquerda tem nome e sobrenome:  “Front Populaire!” (Frente Popular).

Desta vez, a esquerda foi eficiente na construção da unidade. Negociadores representando os partidos EELV (Europa Ecologia/Os Verdes), PCF (Partido Comunista), PS (Partido Socialista) e LFI (A França Insubmissa) negociaram sem trégua sempre sob a pressão dos manifestantes de rua até firmar, em menos de uma semana, um acordo de princípios, uma repartição dos distritos eleitorais e um programa “de ruptura”. Aos quatros partidos inicialmente assinantes do acordo se agregaram rapidamente outras formações da esquerda, entre eles nossos companheiros do NPA-A (Novo Partido Anticapitalista-Anticapitalista): O porta-voz Philippe Poutou defenderá a bandeira da Frente Popular em frente ao deputado da situação, do RN (sexista, racista e negacionista do clima, conforme o figurino do seu partido).

As primeiras medidas do Nouveau Front Populaire

Já foram elencadas medidas de aplicação imediatas para responder a urgência social, climática e diplomática:

  • O controle dos preços dos produtos de primeira necessidade de alimentação, energia e carburantes.
  • A revogação imediata dos decretos de aplicação da reforma Macron sobre as aposentadorias e do seguro-desemprego.
  • O aumento dos salários passando o salário-mínimo à 1 600 Euros líquidos, e a indexação dos salários sobre o custo da vida.
  • Uma moratória dos projetos faraônicos de infraestruturas rodoviária e parar os projetos de mega reservatórios.
  • O abandono imediato do projeto de reforma do estatuto da Kanaky-Nova Caledônia, objeto da revolta popular das últimas semanas.
  • Contra a guerra de agressão de Putin, defender a Ucrânia e a paz no continente europeu.
  • Para um cessar fogo imediata em Gaza, a liberação de todos os reféns e uma paz justa e duradora, incluindo o reconhecimento Estado da Palestina.

A dinâmica positiva da unidade

Deste então, bem ou mal, a dinâmica da unidade da esquerda está funcionando. A Nova Frente Popular recebeu o apoio de milhares de personalidades, organismos, coletivos dos movimentos sociais, ecologistas, dos bairros populares. Os principais sindicatos, CGT, CFDT, FSU e Solidaires logo apoiaram a iniciativa e convocaram seus militantes para derrotar a extrema direita. O movimento feminista tambem foi um dos primeiros a se posicionar, o grupo Nous Toutes (nós todas), por exemplo, muito ativo no combate as violências sexistas organizou uma consulta rápida dos seus grupos de base antes de anunciar seu apoio.

No mundo inteiro ecoou o posicionamento do trio de ataque da equipe de França de futebol na Eurocopa, Marcus Thuram, Ousmane Dembélé e Kilian Mbappé contra o avanço da extrema direita.

As manifestações não param, pelo contrário. Nas noites da primavera para os mais jovens, nas praças dos sábados e domingos, cada vez mais numerosas. As marchas do Orgulho LGBTQIA+ unanimemente levantaram as bandeiras de luta contra a extrema direita, porque “a extrema direita é racismo, homofobia, transfobia, sexismo“. Em algumas cidades onde as marchas do orgulho e a manifestação antifascista tinham sido convocadas de maneira independente acabaram se somando.

Claro, algumas nuvens estão ameaçando o céu da Frente Popular. A guerra de ego dos chefes continua, com pano de fundo as diferenças entre as estratégias políticas das componentes. A questão do nome do primeiro-ministro em caso de eventual vitória foi sabiamente deixada de lado, o que não impede os uns e os outros de se declarar prontos. A perspectiva da vitória faz setores mais a direita, que tinham integrado o macronismo, procurar a investidura da Frente Popular; sendo o caso mais famoso o do ex-presidente François Hollande. Complicada também foi a decisão da França Insubmissa de não apresentar a candidatura à reeleição de 5 deputados do próprio partido, no que aparenta ser uma retaliação por eles serem contrários a linha do Mélenchon. Mas nada foi suficiente para abalar a dinâmica política e social do Nouveau Front Populaire.

Tudo é possível!

A campanha eleitoral é curta e intensa. A direita, e ainda mais a extrema direita, se beneficiam do apoio incondicional dos grandes grupos de comunicação. A CNEWS do miliardário Bolloré, a primeira rede de informação privada, não para de caluniar o Front Populaire e suas componentes mais à esquerda como a France Insubmissa e o NPA. Uma tática privilegiada é acusar de suposto antissemitismo quem defendeu a luta do povo palestino.

As últimas pesquisas mostram que o somatório dos votos de todas as tendências da extrema direita fica parado no patamar de 35% dos votos. O partido de Macron continua sua regressão e fica em redor de 19%. O Front Populaire registra um crescimento sustentável e está beirando os 30%.

Resta que a diferença dos votos ainda existe em favor da extrema direita. E uma pequena diferença em porcentagem devido ao efeito distrito, ampliado por uma super-representação da França do interior em detrimento das periferias urbanas pode se traduzir em um significativo um número de eleitos a mais.

O tempo é curto, mas ele está ao nosso favor. Dias após dias, a líder da extrema direita (e potencial primeiro-ministra) vai anunciando mais um recuo na sua narrativa populista, sendo a última a manutenção da reforma de Macron das aposentadorias, enquanto a cada dia um dos seus candidatos se manifesta numa diatribe contra os imigrantes, os judeus, as gays, as trans, as mulheres, e cada dia a verdadeira face da extrema direita aparece mais.

Comitês locais de apoio estão se constituindo. Na rua, nos escritórios, nas fábricas e nas redes sociais, os apoaidores do Front Populaire vão postando, panfletando, argumentando, discutindo na luta para diminuir a diferença com a extrema direita, para tirar o voto popular em seu favor e mobilizar a grande massa dos abstencionistas.

Dos votos dos dia 30 de junho e 7 de julho pode sair o melhor, o pior e até o pior do pior. Podemos ter uma vitória do Front Populaire, uma vitória das tropas de Le Pen e Bardella, e até mesmo esta vitória com maioria absoluta no parlamento. A hipótese da direita tradicional ganhar uma curta sobrevida não pode ser totalmente excluída. Mas é importante celebrar que a esquerda foi a luta, unida, combativa, orgulhosa da sua história de lutas e de seus valores. E que está mais preparada do que antes para enfrentar o pós 7 de julho, qualquer que sejam os resultados das urnas. Essa é a primeira vitória. Construir as próximas é nosso desafio.


Saiba Mais

Como são eleitos os deputados da assembleia legislativa francesa?

Os deputados brasileiros estão eleitos através de um sistema de representação proporcional por partido (ou coalizão) com listas abertas em cada estado. O sistema francês de designação da representação legislativa é completamente diferente e usa o sistema de representação uninominal majoritário em dois turnos. A França está dividida em 577 distritos eleitorais para as eleições legislativos, sendo 539 na metrópole, 27 nos departamentos e territórios ultramarinos (eufemismo para designar as ex-colônias) e 11 representado os franceses residentes no exterior.

Em cada distrito, os candidatos vão se enfrentando em 2 turnos. Quem tiver a maioria absoluta dos votos validos (o primeiro e o segundo turno) estará eleito. Isso é uma máquina de fabricar maioria parlamentar: quem tiver 40% dos votos sairia com 60% dos deputados eleitos.

Este sistema reforça a importância da unidade eleitoral. No segundo turno, somente vale o primeiro lugar. De nada adianta um brilhante segundo lugar, esses votos serão desperdiçados.  Então é de vital importância somar os votos da esquerda para ganhar o pleito no maior número de distritos possíveis.

Por isso, um dos mais delicados momentos das negociações foi a repartição de cada um dos 577 distritos entre os integrantes da Frente Popular, no final a LFI vai defender a Frente Popular em aproximadamente 230 distritos, os socialistas em 170, os ecologistas em 90 e os comunistas em 50. O NPA e o coletivo antifascista da região de Lyon, Jovem Guarda, ficaram com um distrito após ter se juntados.

As Origens: o Front Populaire de 1936

Em 1934, uma tentativa de golpe das ligas fascistas no 6 e fevereiro forçou, sob a pressão dos militantes, os líderes políticos a se unirem. As manifestações foram maciças e unitárias, unindo Partido Socialista e Partido Comunista. Nas eleições de maio 1936, a aliança eleitoral da Frente Popular (Partido Socialista, Partido Comunista e Partido Radical) ganhou as eleições e o socialista Leon Blum virou primeiro-ministro.

Antes mesmo da formação do governo Blum, uma onda de greva tomou conta da França, nos meses de maio e junho. Os acordos firmados em 7 de junho de 1936 trouxeram além do reconhecimento do direito sindical, um aumento generalizado dos salários (12% na média), a instituição das primeiras férias renumeradas (2 semanas). Mas trade veiou o seguro-desemprego e importantes nacionalizações (aeronáutica, armamento, ferrovias, Banco da França). Medidas, na sua maioria, que não constavam do programa inicial.

É certo que a Frente Popular não foi até as últimas consequências. A influência da formação burguesa do Partido Radical acabou prevalecendo. O governo Blum se apequenou nas reformas sociais, na luta contra o fascismo e o apoio a Espanha republicana.

Mas o que ficou na memória coletiva dos trabalhadores franceses foram as conquistas sociais de maio 1936. E uma imagem em particular: as desses trabalhadores, saindo de bicicleta, de trem para gozar de suas primeiras férias renumeradas.

Hoje mulheres, estudantes de 16 anos, jovens trabalhadores, filhos de imigrantes chegados no século 21 estão resgatando frente a ameaça da extrema direita este episódio glorioso das lutas do proletariado. E quer dizer algo: vai ter lutas!



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Pedro Micussi