Ponto de inflexão: a resistência Palestina vive e luta 
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Ponto de inflexão: a resistência Palestina vive e luta 

O povo palestino enfrenta o imperialismo e resiste ao genocídio de forma tenaz

Israel Dutra 31 jul 2024, 08:57

Foto: Montecruz Foto/Creative Commons

Os últimos acontecimentos na situação política mundial corroboram a centralidade da questão Palestina. Em todos os recentes processos, em que se combinam choques geopolíticos, embates em larga escala contra a extrema direita, o tema da Palestina tem peso próprio e enlaça todos os outros aspectos da realidade. 

Assim foi com a “remontada” da França Insubmissa de Melenchon, ladeado pela bandeira Palestina nos principais atos e comícios de campanha; na vitória de cinco deputados independentes no Reino Unido, denunciando os trabalhistas e conservadores por sua cumplicidade com o genocídio. A eleição mais importante do planeta, a estadunidense, está pautada pela discussão acerca do massacre de Gaza. 

Portanto, ao contrário do que gostaria o “núcleo duro” do governo de Netanyahu, a resistência palestina segue em pé, combatendo com heroísmo em diversas frentes e acumulando forças políticas para impor uma “derrota moral” para o atual Estado de Israel.  

A linha de Netanyahu, repetida recentemente por Trump, de “Solução final”, está mais longe do que nunca; o recente encontro em Pequim, que começa a cimentar uma unidade inédita e histórica para a unidade nacional palestina, é uma notícia relevante e caminha para ser um ponto de inflexão na luta política e democrática mais importante do nosso tempo. 

A Palestina no coração da luta 

Três são as imagens da semana: o discurso de Benjamin Netanyahu nos Estados Unidos, dias após a desistência de Biden; seu vértice oposto; na reunião em Pequim entre as diferentes forças políticas da Palestina, logrando e anunciando um acordo de proporções históricas; e, por fim, a abertura das Olímpiadas, máximo evento esportivo, na qual a delegação da Palestina foi o destaque, com a homenagem Majed Abu Maraheel – primeiro atleta a levar a bandeira da Palestina aos jogos, em 1996 -, morto em Gaza, durante o presente massacre. Esses gestos simbolizam todo o clima crescente em solidariedade aos palestinos e a luta anticolonial. 

Netanyahu chegou aos Estados Unidos dias depois da desistência de Joe Biden. Com sua retórica de sempre, o genocida tentou vender confiança e evitar qualquer sutura no apoio decisivo que os Estados Unidos vêm dando para o Estado de Israel. A saída de Biden foi celebrada por muitos ativistas como uma nova chance para derrotar Trump, ainda que existam críticas e dúvidas acerca do nome de Kamala Harris. Contudo, a pauta palestina se impôs como podemos ler na declaração do DAS acerca de Biden: 

“Desde que se tornou presidente, Biden aproveitou todas as oportunidades para arruinar suas chances de reeleição. Mais notavelmente, ele continua a financiar e apoiar ativamente o horrível genocídio de palestinos em Gaza por Israel, destruindo sua popularidade entre os jovens eleitores. Ele não ofereceu nenhuma visão para o futuro além de ‘Nada vai mudar fundamentalmente’ – e à medida que as condições sociais e econômicas pioram, vemos que até isso era uma mentira.”

É certo que a pressão dos setores mais à esquerda e da juventude podem incidir sobre Kamala, tendo que adotar uma postura um tanto quanto diferente de Biden sobre Gaza, mais enfática quanto a necessidade do cessar-fogo. Trump radicaliza para o outro lado: fala em “solução final” repetindo o mantra da ala mais à direita do sionismo, elevando o nível da polarização. 

O acordo firmado em Pequim tem como base a aliança entre Hamas e Al Fatah, as duas principais direções, em Gaza e Cisjordânia, respectivamente. A declaração é firmada por mais 12 organizações que articulam a luta palestina, como a Jihad, a Frente Democrática e a Frente Popular, entre várias. Rompidos desde 2007, quando os choques violentos precipitaram o afastamento dos governos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, as principais alas do movimento nacional voltaram a discutir um programa e a necessidade de um governo comum, em unidade; ainda que tardio, sobretudo por parte da direção do Fatah. É um enorme fato a ser saudado, diante da ofensiva do Estado de Israel apoiada por parte dos governos ocidentais para aniquilar a resistência palestina. O acordo de Pequim, que ainda está na sua forma incipiente, é uma demonstração de que a Palestina vive e luta. 

O lastro que essa luta encontra no âmbito mundial parece encontrar paralelo apenas na heroica luta em solidariedade ao povo do Vietnã. Na abertura dos jogos, nos protestos em toda parte, ruas, universidades, escolas, parques; se há uma bandeira que foi hasteada como símbolo universal da luta contra as injustiças do mundo, foi a bandeira da Palestina nos cinco continentes. Há um novo patamar, na cultura, na arte, nos esportes, na juventude, de apoio à causa Palestina e de condenação ao massacre sionista. 

Crise no front militar 

Apesar de ser uma máquina de guerra, com unidades militares avançadas, sobretudo com expertise em tecnologias de ponta na espionagem e georreferenciamento, os avanços “militares” do exército sionista são incapazes de pronunciar uma vitória quanto aos seus objetivos. Não é só no “front político” que Netanyahu experimenta reveses. 

O risco de uma escalada na região está posto desde os primeiros lances da ofensiva, colocando em questão a retaguarda da defesa israelense nas suas principais cidades e fronteiras. A crise com o Irã foi parcialmente controlada, mas ainda há um temor de uma escalada – que seria desfavorável para Israel caso adquirisse um sentido de “múltiplas frentes”. 

O risco se multiplica na medida em que a disputa acerca do Mar Vermelho escala, com os Houthis no Iêmen bombardeando posições estratégicas como o porto de Eilat, que pode decretar falência pela crise do transporte marítimo. 

Apesar da destruição em Gaza, os objetivos militares estão distantes de serem alcançados; o mal-estar com a Turquia deu um salto nas últimas semanas, quando Erdogan ameaçou ir além das sanções comerciais, não descartando aportes militares para Gaza. 

O “front libanês” está longe da estabilidade. Ainda que o Hezbollah não tenha assumido a autoria do atentado na região ocupada das Colinas de Golã, a resposta do entorno de Netanyahu foi de ameaçar uma ofensiva sobre território libanês, incluindo o chefe do grupo xiita. Será que Israel tem condições de sustentar uma nova escalada? 

Sionismo em estado “agônico” 

Ainda é cedo, ou seja, precipitado, falar em derrota histórica ou “declínio” do projeto sionista. A tensão que escala envolve novos fatores e a extrema direita assumiu como bandeira a liquidação do povo Palestino, numa versão renovada da “banalização do mal” da qual discorreu Arentd. 

Todavia, já é inegável o tamanho da crise que a direção do Estado de Israel está causando, após o 7 de outubro, dobrando a aposta de “Grande Israel” ou nada. Uma análise bastante completa a respeito é a do historiador de origem judaica, Ilan Pappé. Nos parece correto definir que o sionismo arrisca sua ofensiva, mas pode caminhar para uma espécie de “estado agônico”, em um futuro próximo. Será uma batalha fundamental. 

“Mais de 120 anos desde sua criação, será que o projeto sionista na Palestina – a ideia de impor um Estado judeu em um país árabe, muçulmano e do Oriente Médio – está enfrentando a perspectiva de colapso?”

Pappe elenca seis indicadores para demonstrar que a hipótese de um colapso do sionismo não pode ser descartada, a priori. Vejamos: 

– O conflito entre os dois “mundos” dentro de Israel. Os defensores do “Estado de Israel” versus o “Estado da Judeia”, com esses últimos apregoando uma solução final contra os palestinos, a serviço de uma teocracia. 

– A crise econômica resultante da ofensiva, levando o despencar dos índices econômicos; 

– Isolamento Internacional de Israel, flagrante após as posições adotadas pelo TPI;

– Mudança entre os jovens judeus do mundo;

– Debilidades do próprio exército israelense ;

– Novo fôlego de energia da nova geração de Palestinos.

Diante dessa brilhante reflexão, encaixamos os elementos conjunturais deste artigo para cotejar e desenvolver o caráter estratégico da luta contra a ofensiva do Estado de Israel, a serviço de uma agenda central para a luta mais ampla contra a extrema direita. 

A vitória será nossa 

Nossos inimigos tentaram destruir a luta do povo palestino. Transformando Gaza num campo de concentração a céu aberto – com fome, sem água ou energia elétrica, com epidemias, como a de poliomielite. Avançaram suas tropas com milicianos colonos na Cisjordânia para roubar as terras que restavam. Enquanto os dados oficiais falam em cerca de 40 mil vítimas, a revista The Lancet estima um número bem maior, com aproximadamente 186 mil óbitos, diretos ou indiretos desde o início do massacre na Faixa de Gaza. 

A enorme disposição de luta do povo palestino comove e arrasta. O objetivo dos sionistas era esmagar a resistência, apagando as fagulhas, destruindo a moral e a capacidade de combate. Hoje, a força da luta do povo palestino está se multiplicando, em simpatia e em capacidade de alianças mundo afora. Alianças que superam as divisões religiosas e étnicas, como a explosão de jovens que fizeram o movimento “vozes judaicas pela libertação”. Ou a simpatia na aliança com a África do Sul, paradigma histórico com Mandela na derrota de um regime de apartheid. 

É um exemplo, um sinal para as outras lutas anticoloniais, como as do Saara Ocidental, a dos curdos, como a do povo kanak, que se rebela na Nova Caledônia contra o domínio francês. Um exemplo para os bairros periféricos da Europa, onde os imigrantes combatem por dignidade e contra a xenofobia. 

A reunião de Pequim é um pequeno passo para a unidade, que vai servir de impulso para as novas gerações palestinas no mundo. Para os que estão nas trincheiras do cárcere – como o caso do líder Marwahn Barghouti; para os que vibram com a luta do povo palestino no esporte. 

A eleição nos Estados Unidos terá esse sentido. Uma vitória de Trump será um canal para milhões de neofascistas levantarem a bandeira do genocídio. Uma vitória democrática, mesmo que híbrida e contraditória, vai servir de barreira contra os inimigos da liberdade. 

unidade, programa e solidariedade. São as bandeiras da nossa próxima vitória. Estamos próximos a um ponto de inflexão. 

O povo palestino resiste, luta e vencerá. 


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