A noite das barricadas há 50 anos em Paris

Na noite de 10 de maio de 1968, em poucas horas num espaço curto em Paris, foram erguidas 60 barricadas, sem qualquer plano prévio ou estratégia coerente.

Carlos Santos 10 maio 2018, 16:18

Sobre as barricadas dirão, 40 anos depois, Daniel Bensaïd e Alain Krivine:

“As barricadas de 10 de maio foram, em grande parte; o trabalho de uma inspiração espontânea, contagiante e comunicativa, que repentinamente fez saltar os paralelepípedos, nascer cadeias humanas para os carregar, surgir paredes barrocas dignas do cavalo Facteur, derrubar árvores, tomar a forma de um dispositivo em loop; sem plano preconcebido, no perímetro da rua Gay-Lussac à rua Mouffetard e da rua Soufflot à avenida Claude Bernard.”

O início de Maio de 68 em Paris

Nesse ano, o 1º de Maio foi comemorado em Paris, com um desfile convocado pela CGT, algo que não acontecia desde 1954. A manifestação juntou entre 50 e 100 mil pessoas, tendo o serviço de ordem da CGT expulsado, segundo a polícia, “elementos trotskistas, prochineses e anarquistas”, dos quais 17 ficaram feridos.

No dia seguinte a Universidade de Nanterre foi fechada e, a 3 de maio, o reitor da Sorbonne chamou a polícia para expulsar os estudantes, uma atitude que rompia com a tradição académica e revoltou os universitários. As manifestações prolongam-se pela noite e são duramente reprimidas. 567 pessoas foram identificadas e detidas, algumas dezenas ficaram feridas, sete presos são levados a julgamento.

No fim de semana de 4 e 5 de maio, a UNEF (União nacional dos estudantes de França), juntamente com o Movimento 22 de março e outros grupos estudantis, apela à greve e a manifestações a 6 de maio. No domingo 5 de maio, sete pessoas são julgadas, tendo quatro sido condenadas a dois meses de prisão efetiva. “Libérez nos camarades!” foi gritado à porta do tribunal e será uma exigência central de todas os protestos dos dias seguintes.

A 6 de maio, segunda-feira, oito “revoltados de Nanterre” vão a conselho de disciplina da universidade de Paris, sob a ameaça de serem expulsos. As manifestações começam de manhã e prolongam-se ao longo do dia. Ao final da tarde, a polícia de choque intervém, os confrontos prolongam-se durante horas, com o lançamento de granadas de gás lacrimogéneo e violentas bastonadas por parte da polícia, ao que respondem os estudantes lançando pedras e cocktails molotov. Segundo a France-Press, 422 estudantes são presos e 345 polícias ficam feridos. Crescem os apoios aos estudantes entre os residentes das zonas em que se verificam os confrontos, nomeadamente no Quartier Latin.

No dia seguinte, 7 de maio a mobilização estudantil amplia-se muito mais, durante muitas horas mais de 30.000 estudantes fazem uma pacífica longa marcha pelas ruas de Paris. Professores juntam-se aos estudantes, que cantam a Internacional junto ao túmulo do soldado desconhecido.

A 8 e 9 de maio, os apoios aos estudantes crescem: pela primeira vez, as centrais sindicais CGT e CFDT manifestam solidariedade, cinco prémios Nobel franceses apelam à amnistia dos estudantes presos. No entanto, os estudantes não são libertados e a Sorbonne permanece encerrada, apesar das promessas, até do ministro da Educação.

10 de maio, a noite das barricadas

Como nos dias anteriores, os estudantes realizam nova manifestação, com uma novidade: pela primeira vez, os estudantes secundaristas fecham escolas, saem à rua e juntam-se, aos milhares, aos universitários, indo para a frente da marcha.

De novo, ao longo de horas a manifestação vai engrossando e, ao início da noite, chegará já às 20.000 pessoas. Depois de exigirem a libertação dos estudantes presos, junto à prisão de La Santé, os manifestantes dirigem-se de novo para o Quartier Latin.

A concentração prolonga-se com a situação num impasse, nem os estudantes abandonam a rua e as suas reivindicações, nomeadamente a libertação dos seus camaradas presos a 3 de março, nem a polícia abandona o local – o governo não cede nem um passo, espera que os estudantes se cansem.

De repente, surge a ideia de levantar barricadas (ver nota 1). Às 21.15h está erguida a primeira barricada, com paralelepípedos, mas também com todo o tipo de materiais que podem juntar, como andaimes, fios, ferros e, ao longo da noite, carros virados. Durante horas, são levantadas mais de 60 barricadas, numa pequena área da cidade de Paris.

O impasse dura até às duas horas da manhã, quando a polícia recebe a ordem de reprimir e destruir as barricadas.

Os acontecimentos são transmitidos em direto pela rádio. Na televisão, o programa “Panorama” que então era emitido todas as sextas-feiras às 20.30h, é “brutalmente amputado”, depois da sua visualização por dois representantes dos ministros da Educação e da Informação, que exigem os cortes sob a argumentação de que não é “suficientemente equilibrado5.

Durante as horas de expectativa há mesmo momentos de negociações em direto através da rádio (RTL), com a participação de líderes estudantis e do vice-reitor da Academia de Paris, mas que não resultam porque o governo recusa ceder. Daniel Cohn-Bendit, dirá que “as barricadas não eram apenas um meio de autodefesa, mas tornaram-se símbolos de uma certa liberdade”, demonstrando um “sentimento de força e de unidade”.

Entre as duas e as cinco horas da madrugada, a polícia de choque desmantela as barricadas e varre as pessoas lá presentes. O resultado são, segundo a polícia, 367 pessoas feridas, entre as quais 251 polícias e 102 estudantes.

A brutal repressão não consegue calar o protesto, pelo contrário a ampliação é real e, na manhã de dia 11, Daniel Cohn-Bendit pede aos estudantes que dispersem e apela: “a todos os sindicatos, a todos os partidos de esquerda, a entrarem em greve geral a partir de segunda-feira, em solidariedade com os estudantes e os jovens trabalhadores”. Assim será.

Artigo originalmente publicado no esquerda.net


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