Cem dias sem Marielle Franco

O Rio de Janeiro é uma espécie de cartão postal das contradições principais que assolam o Brasil hoje.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 23 jun 2018, 16:00

Nesta semana, completaram-se cem dias do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Um crime bárbaro, vil, de caráter político, que chocou toda a sociedade brasileira.

Na noite de 14 de março, após Marielle participar do evento “Mulheres negras movendo estruturas”, seu carro foi seguido pelos criminosos e covardemente crivado de balas. As mortes imediatas de Marielle e Anderson até hoje não foram esclarecidas. Ainda não se sabe quem puxou o gatilho e quem mandou matá-los. Entretanto, o alvo do disparo não deixou lugar a dúvidas. Seu objetivo era silenciar Marielle por sua trajetória, representatividade e por suas ideias. Marielle atuou com Marcelo Freixo nas investigações da CPI das Milícias em 2008. Antes e após ser eleita vereador, em 2016, Marielle lutava pela organização dos moradores das favelas contra a opressão das máfias, do crime organizado e do Estado. Dias antes de morrer, por exemplo, Marielle denunciava a atuação violenta de um batalhão policial contra moradores de comunidades. Marielle era uma expressão das lutas de Junho de 2013: mulher, negra e LGBT, era uma porta-voz da mobilização coletiva para construir um Brasil igualitário e digno. Por tudo isto, rapidamente Marielle Franco tornou-se uma das vozes mais expressivas do programa do PSOL.

A mobilização por justiça para Marielle e Anderson gerou ampla solidariedade nesses cem dias. Em várias capitais brasileiras, atos reuniram dezenas de milhares. Seu rosto estampou muros e bandeiras em nosso país e no exterior. Artistas somaram sua voz à denúncia de seu assassinato. Em manifestações em todo o mundo, na OEA, em outros foros internacionais, o nome de Marielle tornou-se um símbolo da luta por Direitos Humanos.

Até aqui, as investigações apontaram suspeitas contra as milícias que controlam enormes áreas do território da Zona Oeste carioca e de cidades da Baixada Fluminense. Restam, entretanto, muitas incógnitas e, até aqui, as autoridades do Estado não ofereceram nenhuma resposta satisfatória.

Cem dias após a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, é preciso reforçar a exigência de justiça! Exigimos saber quem matou e quem mandou matar nossa companheira! O que pretendiam aqueles que decidiram calar sua voz

O Rio de Janeiro como cartão postal das contradições principais

O assassinato do menino Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, quando ia para a escola na mesma favela da Maré onde nasceu Marielle, lança luz mais uma vez para a barbárie a que se submetem milhões de habitantes do Rio. Segundo relatos, na operação policial de quarta-feira dia 20, buscando cumprir 23 mandados de prisão, as forças policiais utilizaram helicópteros – os “caveirões voadores” – para disparar tiros a esmo na comunidade. Moradores contaram centenas de marcas de tiros no chão. A família conta que o menino baleado disse que os tiros vieram de blindados da polícia.

Esta nova tragédia mostra como a total ineficácia da intervenção militar de Temer em seu objetivo de conter a escalada da violência no Rio. Muito ao contrário, a intervenção insiste no aprofundamento da violência estatal contra uma população oprimida pelo Estado, por máfias e pelo crime organizado, numa teia que, aliás, ganhou notoriedade pública com a reconstrução da CPI das Milícias realizada no filme “Tropa de Elite 2”.

O Rio de Janeiro sintetiza a falência da Nova República. Neste estado, ainda governado pela quadrilha de Sérgio Cabral, do MDB, fica evidente uma realidade que é nacional: a simbiose entre instituições estatais, tráfico de drogas, milícias e máfias, lavagem de dinheiro e partidos políticos. O MDB do Rio é um dos fiadores das milícias e máfias. Num contexto de grande polarização social e crise econômica, a violência nas cidades brasileiras submete milhões de famílias trabalhadoras ao terror diário, num país em que são assassinadas 65 mil pessoas por ano. Trata-se da faceta mais visível da falência das instituições brasileiras. Os partidos burgueses não apenas não oferecem uma saída para esta tragédia social, como dela se aproveitam para desesperar o povo, oferecer saídas políticas reacionárias, que apenas reforçam sua dominação e para transformar a repressão num negócio bilionário. Não à toa, Temer anuncia mais uma rodada de cortes na Saúde, Educação e Cultura para reforçar seu “fundo de segurança”, destinado não a levar paz às periferias das cidades, mas para criar mais negócios da indústria da repressão, ao mesmo tempo em que policiais convivem com salários rebaixados ou atrasados e com a falta de equipamentos.

Não vamos nos calar: Marielle presente!

Após cem dias da execução de Marielle Franco, repetimos o que afirmou Luciana Genro em artigo publicado semanas atrás:

A luta de Marielle não vai parar. Ela continuará viva em cada lutador e lutadora dos direitos humanos e especialmente na luta das mulheres negras por visibilidade, dignidade e direitos. Exigimos justiça para Marielle e seguiremos exigindo, para ela e para todos os lutadores perseguidos e assassinados por trabalharem para denunciar a omissão do poder público na garantia de uma vida digna à população.

É hora de nos somarmos aos atos em manifestação que ocorrerão em todo o país em memória de Marielle e Anderson, exigindo justiça e honrando seu legado. Insistimos: quem matou e quem mandou matar Marielle?


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Pedro Micussi