NÃO À INTERVENÇÃO IMPERIALISTA APOIADA PELO GOVERNO BRASILEIRO! QUE O POVO VENEZUELANO DECIDA!

Declaração do Movimento Esquerda Socialista (MES) sobre a crise na Venezuela

DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO ESQUERDA SOCIALISTA SOBRE A CRISE NA VENEZUELA (25/01)

Não à intervenção imperialista apoiada pelo governo brasileiro!

Parar a tragédia que se agrava!

Que o Povo venezuelano decida!

A situação venezuelana já tinha traços de tragédia humanitária; no Brasil, os habitantes da fronteira de Roraima já viviam isso com o fluxo constante de imigrantes. Depois que Juan Guaidó se autoproclamou presidente, a situação venezuelana vem se agravando. A seguir por este caminho, é provável que a catástrofe humanitária piore e que o impasse político se agrave e termine numa confontação militar e numa ingerência mais direta sob o pretexto de ajuda humanitaria. 

O golpe de Guaidó foi orquestrado pelo governo Trump, que rapidamente apoiou sua autoproclamação junto com os países que integram o “Grupo de Lima”. Trump já havia dito várias vezes que “até uma intervenção militar” na Venezuela poderia ocorrer. Não há dúvidas de que a eleição de Bolsonaro no Brasil incentivou que Guaidó seguisse em frente com o seu plano. O encontro de Bolsonaro com John Bolton (conselheiro de Segurança Nacional de Trump) em novembro última, suas ameaçadoras declarações e a participação ativa de seus assessores no Grupo de Lima demonstram claramente que o governo brasileiro segue a letra intervencionista e aventureira ditada por Washington, rompendo a própria tradição mais cautelosa da diplomacia brasileira.

Mas seria um grande erro analítico não reconhecer que a manobra operada por Guaidó se alimenta também do grande descontentamento social com o governo totalitário de Maduro. Dezenas de milhares de venezuelanos saíram às ruas, não porque confiam na Assembleia Nacional e seus partidos (alguns dos quais foram, inclusive, surpreendidos pela política Guaidó-Trump), mas porque não suportam mais a crise social. E desta vez não foram somente os bairros de classe média ou burgueses; houve mobilizações em Petare, outrora bastião chavista, e em muitos bairros populares de Caracas, onde ocorreram algumas das dezenas de mortes nos confrontos entre manifestantes e as forças repressivas. Esta é a tragédia venezuelana. Se há 16 anos uma imensa mobilização popular barrava uma tentativa de golpe da cúpula militar junto com os EUA e reconduzia Chávez ao poder, agora uma grande parte deste mesmo povo que sustentava o anti-imperialismo se mobiliza contra Maduro.

O governo de Maduro levou o país à crise

Usurpando a herança positiva deixada por Chávez, Maduro se revelou um coveiro da Revolução Bolivariana, na medida em que esvaziou os organismos populares, suprimiu a Constituição Bolivariana de 1999, sufocou as vozes dissonantes à esquerda, aplicou políticas neoliberais embaladas num palavratório pseudorrevolucionário, minimizou a crescente violação dos direitos humanos do Estado venuelano, entregou parte dos recursos naturais do país para os imperialismos chinês e russo, foi conivente com os diversos mecanismo de desfalque da renda petroleira, etc. Tudo esta série de condutas, combinadas com a desvalorização do barril do petróleo, transformou o dinamismo da Revolução Bolivariana em uma caricatura grotesca que serve de sparring para as direitas do continente atacarem seus opositores internos.

Logo, não é de se estranhar a perda constante de apoio popular deste governo. Uma verdadeira crise humanitária acomete os venezuelanos, imersos no desastre da hiper-inflação e do desabastecimento. Estima-se que de 2013 a 2017, o PIB tenha caído nada menos do que 40%, graças principalmente aos sucessivos planos fracassados que os técnicos do PSUV patrocinaram. Se o regime de Maduro ainda não veio abaixo, deve-se em grande medida à sustentação do alto oficialato das Forças Armadas, que divide entre si o controle de vários setores da combalida economia dependente do petróleo.

A tragédia da Revolução Bolivariana e a situação na América do Sul

Com o governo Duque na Colômbia e Bolsonaro no Brasil, abriu-se uma nova situação na parte sul do continente que tem significado uma mudança na correlação de forças entre os trabalhadores/povos e a grande burguesia dos EUA. Surgiram governos de direita com traços similares aos de Trump. O processo degenerativo da Venezuela se inscreve como parte deste processo. A degeneração da Revolução Bolivariana é uma derrota de enormes proporções para a classe trabalhadora, a luta anti-imperialista e a esquerda como um todo. O esgotamento do processo bolivariano traz graves consequencias para o as relações de forças objetivas. Desde a morte de Chavez, no ano de 2013, definimos que as conquistas do período anterior estariam sob risco, com o retrocessos das teses chamadas do “golpe de timão” e o desenvolvimento das tendências mais burocráticas de setores como Diosdado e mesmo Maduro.

A derrota do processo venezuelano se discute também pelo papel do PT e sua direção. Como principal país sul-americano, apostou na estratégia de exportar corrupção via as grandes construtoras, ao invés de socializar a imensa riqueza da experiência da classe trabalhadora. Apostou nos interesses da burguesia brasileira para garantir a entrada do capital brasileiro na Venezuela Colômbia, Peru, Argentina, Ecuador.

É muito grande responsabilidade dos chamados progressismos (os Kirchner na Argentina, Lula e Dilma no Brasil) no fortalecimento do liberalismo e dos governos autoritários protofascistas. Com as insurreições e revoluções no Equador, Argentina e Bolívia – ou mesmo a mobilização popular contra o golpe na Venezuela em 2003, episódio importante deste processo – , surgiram os governos independentes e anti-imperialistas de Chávez, Evo e Correa. Enterrou-se a ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas) impulsionada por Bush e, a partir da Venezuela, abriu-se caminho para que a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) se postulasse como um projeto de integração latino-americana. O MES cumpriu um papel ativo nesse processo. Em janeiro de 2003, por exemplo, a deputada federal Luciana Genro (então no PT-RS) convidou Hugo Chávez para o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. No Brasil, uma vez no governo, o PT seguiu  outra direção, mesmo com Lula contando com um massivo apoio popular. Sua opção foi governar com os bancos e com o agronegócio, enquanto buscava ser um amortecedor dos avanços anti-imperialistas do processo bolivariano.

A amarga decepção do povo com estes governos “progressistas” confundiu os trabalhadores e levou ao crescimento da direita. Este balanço é indispensável para se compreender a situação atual e para intervir como esquerda anticapitalista na necessária luta de resistência que já está se desenvolvendo contra os planos neoliberais e entreguistas dos governos direitistas.

Os perigos aumentam

Os episódios dos últimos dias aumentam os perigos e a situação catastrófica da Venezuela. A cúpula militar (da qual Guaidó esperava uma divisão) cerrou fileiras com Maduro, o que significa que cada vez mais este governo é dependente do próprio aparato militar. Por outro lado, os EUA não desistem de sua política e jogam suas fichas na instalação de um governo subordinado a seus interesses. Sob a cobertura de uma “ajuda humanitária” podem ensaiar um maior ingerência a fim de sustentar Guaidó. A Venezuela pode sorfer uma longa agonia, refém tanto dessa política imperialista dos EUA quanto da burocracia militar apoiada pela Rússia e China que correm atrás de seus próprios interesses econômicos e geopolíticos. Enquanto a Rússia tem armado substancialmente o Exército venezuelano, a China fez seus conhecidos investimentos extrativistas e outorgou grandes empréstimos com juros cobrados pelo mercado financeiro mundial. Se a esquerda se alinha a qualquer um destes dois “campos”, cometerá um grave erro que custaria muito caro para construção de uma alternativa independente.

Apoiar todas as forças que lutam pela autodeterminação do povo venezuelano

Diante do exposto, ressaltamos mais uma vez nosso apoio a soberania e na autodeterminação do povo venezuelano. Entre uma hipócrita oposição pró-EUA e um governo autoritário, corrupto e incompetente cada vez mais refém dos interesses chineses e russos, apoiamos a mobilização independente dos trabalhadores venezuelanos e a construção de organismos que recoloquem a Venezuela nos caminhos de uma revolução autêntica e popular. Os camaradas de Marea Socialista, apoiados em setores como a plataforma do chavismo crítico, são parte desta luta, mesmo que por oraminoritária, para defender uma bandeira democrática da auto-determinação do movimento de massas. Como bem expressaram em recente nota, “reclamamos eleições gerais de todos os poderes e uma forma é utilizar o artigo 71 da Constituição, que estabelece que as matérias de especial transcendência nacional podem ser consultadas num referendo de caráter vinculante”.

É de máxima urgência que as esquerdas latino-americanas rechacem com veemência qualquer pretensão intervencionista dos EUA e de seus aliados na Venezuela! Por isso, seja qual for o subterfúgio retórico que a propaganda direitista lance mão, a soberania de cada povo latino-americano precisa ser reafirmada em alto e bom som.

Os Ministérios de Relações Exteriores do Uruguai e do México, por exemplo, buscam uma saída negociada para a convocatória de novas eleições, saindo do impasse para evitar o pior dos mundos: um banho de sangue ou uma guerra civil. A Venezuela necessita de itens necessários para a sobrevivência (alimentos, remédios, etc), não de mais violência e choques militares que só beneficiaram interesses imperialistas estranhos às nossas populações.

Nosso país não deve interferir nos rumos da Venezuela. E, em caráter de urgência, devemos direcionar boa parte de nossos esforços internacionalistas para recobrir os migrantes venezuelanos de uma rede de solidariedade e acolhimento. Vale lembrar que Bolsonaro decidiu sair do Pacto de Migração da ONU. As organizaçõEs democráticas e da esquerda precisam evitar o perigo de um fechamento de fronteiras.

Por isso, é de máxima urgência que as esquerdas latino-americanas rechacem com veemência qualquer pretensão intervencionista dos EUA e de seus aliados na Venezuela! Por isso, seja qual for o subterfúgio retórico que a propaganda direitista lance mão, a soberania de cada povo latino-americano precisa ser reafirmada em alto e bom som.

Não ao intervencionismo!

Que o povo venezuelano decida!


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Pedro Micussi