Simulacro, Consulta e “Hora 0”: Cavando Trincheiras

Em seu Editorial #24 nossa corrente-irmã venezuelana analisa os significados do plebiscito popular organizado pela direita em 16 de julho.

Marea Socialista 18 jul 2017, 19:58

A jornada do 16 de julho obriga construir uma caracterização a mais próxima possível do momento atual, uma análise a distintos níveis. Para isso, é necessário olhar por detrás dos números de ambos os eventos do domingo passado. Porque estes números são incertos e difíceis de verificar, além de estarem a serviço da guerra propagandística que como parte da confrontação em curso conduzem as direções políticas da polarização. A análise que apresentamos está no contexto dos cenários que apresentávamos em nosso Editorial #23, Pacto, guerra civil ou voltar à Constituição del ’99.

Para tanto, propomos interpretar os fatos para além dos números nos seguintes pontos: a) o significado da mobilização cidadã da jornada; b) a orientação que fazem pública as cúpulas, inclusive o anúncio da Hora 0 que lança a MUD; c) que medidas de governo foram aplicadas nestes dias e qual tem sido a posição da MUD e sua AN; e por último, uma pergunta, talvez a mais importante a ser desvendada d) qual é o cenário que abre esta jornada?

a) O plebiscito ou consulta popular convocada pela MUD teve uma alta participação. É um fato que se cumpriu o objetivo que foi proposto. Para os que puderam percorrer os pontos nos quais se realizava a consulta, foi possível apreciar, da parte dos cidadãos que assistiram à mesma, uma vontade de participação democrática, de rechaço ao governo e uma ação consciente que dá sustento ao sentimento de reivindicação cidadã que se expressou, para além dos grupos foquistas, os últimos 100 dias. Apesar da manipulação das perguntas, cuja consequência veremos mais adiante, e das intenções dos dirigentes da MUD, a população mostrou na consulta um claro repúdio à falsa Constituinte de Maduro.

O simulacro da constituinte, foi uma reação defensiva do governo frente à convocatória do plebiscito e demonstrou que o governo mantém, ainda que limitada, sua capacidade organizativa e de mobilização da maquinaria. O simulacro, preparado com um só ponto por paróquia, foi organizado dessa maneira para obter o efeito visual de enormes concentrações de pessoas dispostas a participar do mesmo. Mas somente assinalar que a participação foi menor que a da Consulta da MUD e a partir daí concluir que se iniciou a “Hora 0” com “Governo de Unidade Nacional” inclusive, como propõe a cúpula desse setor, é manipular um êxito que só pertence a uma cidadania que perdeu o medo. No entanto, a demonstração do simulacro deixou claro que o governo de Maduro, além da importante deterioração de sua base social de apoio, mantém, pelas razões que seja, uma capacidade de mobilização e uma maquinaria que funciona. É importante levar em conta esta resposta do governo porque demonstra que a situação continua, três meses depois de iniciados os protestos, num empate catastrófico, que explica, entre outras razões, a crescente ingerência e pressão internacional como por exemplo as últimas declarações de Donald Trump e Manuel Santos, as deste último realizadas em Cuba, quando participava de um ato oficial.

b) Por outro lado os discursos e orientações dos dirigentes de ambas as cúpulas, continuam jogando gasolina no fogo da perigosa situação que transita o país. Uma vez concluída a jornada do 16 de julho e depois das primeiras saudações hipócritas à participação da cidadania e à Paz, ambas as cúpulas voltaram a tensionar a situação. De todas as maneiras, neste caso, o evidente êxito do plebiscito sobre o simulacro, dá um protagonismo mais destacado à cúpula da MUD. Ao meio-dia desta segunda-feira, esta direção desnudava todas suas intenções: no Centro Cultural Chacao, lançava sua “Hora 0”, abrindo espaço para a possibilidade certa de um crescimento ainda maior da violência política, que pagará em primeiro lugar o povo e o país. Afastando-se desta maneira, ainda mais, a possibilidade de uma saída democrática. E usando como argumento o apoio recebido na consulta. Como assinalávamos em nosso Editorial #23 a realização do plebiscito igual ao da Constituinte, não fazem outra coisa que abonar o crescimento exponencial dos enfrentamentos e abrir a porta a choques armados de características imprevisíveis.

c) Enquanto se preparam estes eventos de aparência democrática e conteúdo manipulado, o governo de Maduro assinava dois contratos que representam uma escandalosa entrega de soberania. O primeiro com a autorização por parte do TSJ apoiado na questionada sentença 155, que autoriza a criar uma empresa mista na Faixa Petrolífera em sociedade com capitais internacionais conhecidos como fundos abutres, onde participa o capital anglo-saxão, os Rothschild, e provavelmente Rússia e China, isso ocorria a horas de uma amável conversação telefônica entre Maduro e Putin.

Dias depois se produzia a assinatura de outro contrato petroleiro com a transnacional estadunidense Horizontal Well Drillers para conformar uma empresa mista, ato no qual Maduro assinalou que esperava com ânsias o momento de estreitar as mãos de Trump. Mas segunda-feira 17 o chefe de Estado Gringo contestou-lhe o pedido de aperto de mãos com uma ameaça, ao declarar que se Maduro continuasse com a Constituinte, seriam tomadas rápidas e contundentes sanções econômicas contra nosso país. Também houve ampliação de contratos para a perfuração dos daninhos poços horizontais com a tristemente célebre Halliburton, envolvida em operações mercenárias no Iraque.

Em seu esforço por manter-se como seja no governo, o presidente Maduro em sua soberba, não quer ou não pode ver que cada capitulação ao grande capital ao grande capital, como vem realizando nos últimos anos, ao contrário de lograr o respaldo que busca, só consegue que se redobre a chantagem para obter novas concessões e prepara o caminho para uma ingerência mais direta. A cúpula da MUD, evidentemente, fica em silêncio ante a entrega do país que significam estes contratos, o mesmo em relação às declarações de Trump.

d) Qual cenário se abre depois do 16/07? Esta pergunta é mais fácil de ser feita que de responder, já que a situação continua dominada pela incerteza. No entanto, a convocatória à chamada “Hora 0” por parte da direção da MUD, não é uma surpresa e menos o apoio que acaba de receber por parte de Donald Trump.

Quando propusemos rechaçar o plebiscito, fazíamos isso denunciando que esse era o objetivo da consulta. O acordo para um “Governo de Unidade Nacional” e a eleição dos integrantes de uma instituição como TSJ por parte da atual Assembleia Nacional, significa a configuração de um duplo poder, condição prévia a uma guerra civil aberta, e que afasta pelo momento toda possibilidade de solução democrática.

O mesmo que a convocatória ao “Paro Cívico”, a qual alguns confusos querem ver como uma luta dos trabalhadores, mas é na realidade uma greve patronal como os organizadas por Fedecamaras em 2002/2003. Sem um programa de luta para resolver as necessidades populares, que exige entre outras medidas, a suspensão dos pagamentos da Dívida Externa ilegítima para resolver a escassez de alimentos e remédios, nem nenhuma proposta de defesa da renda dos trabalhadores, esse “Paro Cívico” é útil unicamente para a cúpula da MUD para consolidar sua capacidade de negociação ou seu posicionamento para o aumento de uma confrontação que provocará danos ainda maiores na vida cotidiana de nossa gente.

Por sua vez, o governo de Nicolás Maduro acelera o rumo à Constituinte. Toda sua atividade está concentrada em chegar ao 30 de Julho e realizar as eleições dos “constituintistas” e em reprimir os protestos ou manifestações legítimas.

Ao não apresentar uma negociação sobrevinda, que não é descartável, estas cúpulas irresponsáveis continuarão a se dedicar em cavar as trincheiras de onde conduzirão o enfrentamento fratricida. De nossa parte, voltamos a exigir que se detenha esta loucura.

Reclamamos a suspensão da falsa Assembleia Constituinte, o adiantamento das eleições a governadores, um claro cronograma de eleições presidenciais, a volta plena à Constituição de 99, e a aplicação de medidas imediatas como as assinaladas mais acima, para deter o impacto sobre nosso povo da brutal crise que afeta o país. Esta é uma maneira democrática de resolver o impasse atual sem o desenlace trágico que significaria adentrarmos no território irreversível de um enfrentamento armado.

(Nota traduzida do espanhol e publicada pelo Portal de la Izquierda)


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