O mito português

Portugal não é um teste para uma nova política de esquerda, mas sim uma demonstração dos limites de uma ação que persegue a austeridade.

Catarina Príncipe 23 jun 2018, 16:35

O governo do partido Socialista de Portugal parece ser uma excepção ao declínio da social democracia europeia. Mas o seu registo no combate à austeridade é menos claro.

O anterior primeiro-ministo Pedro Passos Coelho gostava de afirmar que “Portugal não é a Grécia.” Na verdade, a sua palavra de ordem não significava que a austeridade era diferente nos dois países. Sob as regras impostas pelo memorando da troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia), o desemprego e a pobreza dispararam, o mercado de trabalho foi muito liberalizado, houve um aumento de impostos de 35%, os bancos foram resgatados e os serviços sociais subfinanciados. Centenas de milhares de pessoas emigraram.A diferença em relação à Grécia também não residia na força da economia portuguesa. Na realidade, a sua estrutura estatal era ainda mais fraca que a da Grécia e a sua economia mais dependente do centro da Europa, após a destruição de quase todos os sectores produtivos através de quatro décadas de integração europeia. Este processo não foi diferente do que ocorreu na Grécia. Portugal serviria de exemplo para o resto da Europa: era suposto provar que a austeridade funciona.

A contradição é que enquanto Portugal é conhecido por ter um governo de esquerda, não é uma administração significativamente “anti-austeridade”. A retórica de limitar a pobreza veio substituir qualquer iniciativa para resistir às políticas de austeridade impostas a nível europeu.

Portugal já não é tanto um teste para uma nova política de esquerda, mas sim uma demonstração dos limites de uma acção governamental perseguindo uma austeridade de consenso.

Uma insurreição perdida

Para compreender a actual situação política em Portugal, precisamos de entender uma outra forma em que “não é a Grécia”. Em 2010, na altura da introdução do memorando da troika na Grécia, aquele país era governado pelo social-democrata Pasok. Isto levou à chamada “pasokização”: a erosão da social democracia tradicional, uma vez que se tornou uma força neo-liberal vazia.

Este processo não começou com o Pasok. De facto, em toda a Europa e nas últimas três décadas, os partidos sociais-democratas têm muito frequentemente imposto os mais duros cortes, como é o caso da Agenda 2010 do chanceler alemão Gerhard Schroeder. Mas na Grécia o processo foi mais longe, com o desaparecimento do partido social-democrata tradicional.

No entanto, em Portugal, embora três partidos tenham assinado o memorando – o Partido Popular (CDS-PP na sigla portuguesa), partido de direita conservadora, o partido de centro direita Partido Social Democrata (PSD), e o partido de centro-esquerda Partido Socialista (PS) – foi a coligação de direita que governou o país durante os quatro anos em que o acordo com as instituições europeias vigorou.

Isto criou uma situação política diferente: o PS foi visto como oposição à dura austeridade, e a margem para os partidos anti-austeridade de esquerda crescerem era muito menor que aquela de que Syriza pôde gozar na Grécia.

Apesar das enormes mobilizações populares contra a austeridade, o sentimento de descontentamento nunca se traduziu em partidos políticos organizados. Isto reduziu a possibilidade de uma insurreição de esquerda em Portugal e foi por isso que este país pode ser usado para estabelecer o exemplo.

A União Europeia, e a Alemanha em particular, precisavam de uma narrativa positiva para o desfecho das medidas de austeridade. Seria politicamente desastroso para Merkel – que prosseguiu políticas de baixos salários e cortes sociais – permitir um cenário em que a austeridade apenas pudesse ser implementada sob crises sociais e políticas extremas ou, pior, permitir a possibilidade de uma força de esquerda que suplantasse a austeridade.

O mau-estar português surgiu como a melhor oportunidade para provar que a austeridade podia funcionar, caso fosse implementada num ambiente de baixa mobilização e obediência acrítica às medidas impostas pela troika.

Portugal pediu resgate em 2011, um ano depois da Grécia, e desde o início foi apelidado de “bom aluno”. “Portugal não é a Grécia” foi repetido inúmeras vezes. E é verdade. Desde o fim de 2014 que o Banco Central Europeu, através do Banco de Portugal, permitiu a compra directa de títulos da dívida pública, sendo quantitativamente um alívio.

Isto teve duas consequências positivas, baixou a taxa de juro da dívida e uma parte dos juros pagos pelo governo Português pode então ser paga ao Banco de Portugal e dessa forma injectar esse dinheiro na economia Portuguesa. As instituições europeias nunca autorizaram o governo do Syriza a recorrer a esse alívio na Grécia.

Mais tarde, em 2016, embora o défice estivesse acima do limite imposto pelo pacto fiscal, a comissão europeia decidiu não aplicar sanções a Espanha e a Portugal. Foi uma decisão política pensada não só para dar ao governo português alguma margem de manobra, mas mais importante que isso, evitar o ascenso da esquerda em Espanha num cenário em que a austeridade imposta pela Europa ameaçava exacerbar a crise política.

Além do mais, em Março de 2018, Portugal chegou a acordo com a comissão europeia para manter o dinheiro gasto na recapitalização do banco estatal Caixa Geral de Depósitos fora das contas do défice. Apesar dessa decisão, a agência de estatística europeia Eurostat estabeleceu o défice português em 3%, acima do limite do tratado orçamental e muito acima da previsão de 0.9% do governo (que teria sido o mais baixo de sempre). Uma vez mais a comissão europeia mostra a sua verdadeira face: joga com os números conforme necessário, desde que sirva os seus objectivos políticos – e desde que os actores políticos da periferia se mantenham fiéis às regras impostas pelo centro.

Neste sentido, é justo dizer que Portugal não é a Grécia. Se a Grécia fosse para ser tida como exemplo dos que não seguem as regras do jogo, Portugal era para ser um exemplo de sucesso. E esta jogada política, feita num quadro de recuperação económica, permitia o surgimento de um novo centro-esquerda no poder, que não traria qualquer resistência séria à imposição de medidas de austeridade.

O ressurgimento do liberalismo social português

As eleições de 2015 resultaram num parlamento altamente dividido. Enquanto os partidos de direita, concorrendo em coligação, obtiveram a maioria dos votos, não havia nenhum partido com maioria absoluta. Finalmente, coube ao Partido Socialista (PS) decidir do futuro governo depois do governo de direita ter sido rejeitado por uma maioria parlamentar.

Durante um mês e meio, foi enredado em debates sobre o que devia fazer. As duas possibilidades que havia eram juntar-se à direita como parceiro menor num governo de coligação (o que teria sido uma escolha sem precedentes num país sem História de grandes coligações), ou aceitar o desafio lançado pela esquerda e negociar um governo com o seu apoio. Contrariando todas as expectativas o PS decidiu por esta opção.

Em retrospectiva, foi uma jogada táctica inteligente: num clima de recuperação económica lenta mas firme tanto a nível nacional como a nível europeu, permitiu ao PS usar o balão de ar a seu favor, como medidas de austeridade moderadas. Em simultâneo, foi o momento perfeito para cooptar as exigências da esquerda, que se encontrava numa situação muito difícil de apoiar um governo que nunca seria seriamente contra a austeridade nem adoptaria as exigências realmente de esquerda.

O PS não imaginava o acordo com a esquerda como uma saída provável para o resultado das eleições. Em vez disso, o partido sonhava que as eleições lhes dariam entrada triunfante para o poder, visto que o povo rejeitava as medidas de austeridade do governo de direita. Na realidade, o governo ficou a muito pouco de conseguir uma maioria. A PaF – a coligação do PSD com o CDS-PP – obteve 38,5% dos votos contra apenas 32,3% do PS.

A parte positiva da eleição veio da esquerda da social-democracia. O Bloco de Esquerda e a CDU (coligação do Partido Comunista com os Verdes) alcançaram 10,2% e 8,2% respectivamente.

Para o Bloco de Esquerda, que granjeou mais de meio milhão de votos, foi a maior votação de sempre. Embora os campeões da austeridade de direita tenham mantido o controlo do parlamento, quase 20% da nova assembleia estava ocupado por deputados que se opunham explicitamente não só à austeridade como ao próprio capitalismo. Enquanto que o resultado do PCP não trouxe surpresas, os dois partidos combinados criaram uma situação sem precedentes na política do Portugal moderno que mostrou claramente o quanto a crise polariza a política.

Nas declarações finais de um dos debates antes das eleições, a representante do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, surpreendeu António Costa do PS desafiando-o a discutir um governo de esquerda pós-eleições, sob a condição de deixar cair algumas das medidas mais neoliberais do seu programa.

O desafio ficou sem resposta. O mesmo PS que discriminou as propostas do Bloco de Esquerda, que apelidou de irrealista, juntando-se à Direita argumentando que levariam o país ao “pesadelo Syriza”, acabou com um silêncio derrotista.

As três principais condições do Bloco de Esquerda colocadas ao PS, em troca de apoio num governo minoritário foram:

1 – o descongelamento das pensões;

2 – nenhuma redução adicional do imposto social único pago à segurança social pelos trabalhadores e pelos patrões;

3 – fim da liberalização do mercado laboral.

Aceitar estes três pontos obrigaria o PS a alterar a sua plataforma política e económica.

Foi uma táctica inteligente: forçou o PS a definir-se politicamente e a clarificar as suas lealdades. Mas era baseada em três premissas que mais tarde se revelaram incorrectas:

1 – que o PS venceria as eleições;

2 – que o Bloco de Esquerda obteria uma baixa percentagem de votos;

3 – que o PS se recusaria a negociar com a Esquerda.

O resultado ambíguo destas eleições obrigou a uma série de negociações de coligações. O excelente resultado do Bloco de Esquerda, e o papel activo que tinha desempenhado ao oferecer ao PS os termos básicos para um acordo, empurrou-o para a dianteira destas negociações. O Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e os Verdes (que concorreram em coligação com o PCP) foram todos levados a tomar posição no novo governo.

O processo de negociação foi complexo, cheio de momentos tensos e quase todo passado à porta fechada. Cada um dos três partidos de esquerda negociaram o acordo com o Partido Socialista separadamente. Uma decisão problemática uma vez que deu toda a informação ao Partido Socialista enquanto os partidos à esquerda não comunicaram entre si nem avançaram com propostas em comum.

Mais de um mês volvido, o Bloco de Esquerda e a CDU (coligação eleitoral do PCP e Verdes), negociaram acordos com o PS em que se comprometeram votar a favor do Orçamento de Estados e outras leis. A 26 de Novembro de 2015, pode então tomar posse com o apoio parlamentar dos partidos de esquerda.

O acordo permite aos partidos de esquerda votar contra algumas das medidas do governo, uma vez que não estão sujeitos à mesma disciplina de uma coligação real. Eles insistiam que este não era o seu governo e que não resolveria os problemas fundamentais do país ao mesmo tempo que tentavam responder às esperanças do povo no fim das medidas de austeridade mais gravosas.

No entanto, enquanto que o acordo estipulava a formação de um governo para apenas um ano, a ser seguido por novas negociações, na verdade, o texto dos acordos continua a ser a base de todas as discussões destes partidos sobre cada orçamento de estado.

Dados os seus aspectos de difícil manejo, um político de direita ridicularizou o novo governo chamando-o de Geringonça, um termo que se disseminou e é hoje comummente utilizado, mesmo por aqueles que apoiam criticamente esta solução.

Este acordo também se deparou com vários focos de resistência, tanto a nível nacional como europeu. No seio do PS, o antigo secretário geral atacou agressivamente a actual liderança, que se situa ligeiramente mais à esquerda.

A nível europeu, houve entendimentos da situação muito diferentes em cada uma das famílias políticas. Os partidos e os representantes da Internacional Socialista apoiaram tendencialmente esta solução. Mas o ministro das finanças alemão Wolfgang Schauble foi muito crítico e céptico do novo governo.

Uma fase importante do acordo foi o “acalmar” das instituições europeias – o PS tinha de garantir que as relações de Portugal com a Europa (a eurozona, o Banco Central Europeu, os tratados, a dívida) – permaneciam inalterados com os seus acordos com a esquerda. O PS apenas podia prosseguir quando tivesse obtido luz verde das instituições europeias.

Embora este acordo tenha posto um travão ao empobrecimento em massa (que era o objectivo real do governo, mais do que ultrapassar efectivamente a austeridade), seria ingénuo sugerir que colocou Portugal no caminho da recuperação económica. Os relatórios de publicações liberais como o Financial Times elogiam o novo milagre económico português como uma recuperação económica que se deve a um novo governo de esquerda que reduziu o défice orçamental para apenas 2%. Contudo, se vamos levar esta discussão a sério, temos de distinguir os factos da ficção e perceber o que realmente está a acontecer à economia portuguesa.

Em primeiro lugar, é importante perceber que, em períodos de crise, os défices orçamentais tendem a crescer: há menos actividade económica, menos lucro, e mais intervenção estatal (em protecção social, subsídios de desemprego, resgates a bancos). A austeridade supostamente corrige este aumento do défice cortando o investimento do estado e seus gastos (isto é, em matérias sociais, gastar no sector financeiro continua lesto) e aumentando os impostos de forma a aumentar a receita fiscal.

E longe de ser uma solução, a austeridade agravou o problema, criando um ciclo vicioso de baixos salários, baixo consumo, subidas de impostos e o aumento da dívida pública. Mas Portugal ganhou de facto algum oxigénio, quando foi aliviado este processo.

Durante os anos de vigência do memorando, o défice orçamental português foi descendo, lentamente mas de forma consistente, a União Europeia previu um défice de 2.6% para 2016, acima do limite imposto pelo Tratado Orçamental. Mesmo a previsão do Governo para 2016 era de 2.2%, mas o número final real foi de 2% – o défice orçamental mais baixo dos últimos 40 anos. Espera-se que caia agora para os 0.9% (excluindo os gastos com a recapitalização da banca pública). Os números indicam uma grande mudança na política económica. Mas é realmente isso que se passa?

A resposta é simples, não. Embora existam alguns factores mais complexos. Os três orçamentos deste governo até agora não tiveram o objectivo de reverter a austeridade, mas sim de lhe pôr alguns limites: falando-se então na mudança para parar o “empobrecimento”. O facto é que a austeridade não estando tão agressiva permitiu haver um muito pequeno aumento de rendimento (sobretudo para os funcionários públicos e dos pensionistas)., que começou lentamente a reconstruir a desmantelada classe média.

Os outros factores que explicam a redução do défice foram o tremendo aumento do turismo (e a dinâmica económica de curto prazo que isso criou), a queda do preço do petróleo (um factor decisivo para uma economia pesadamente dependente de importações), e, mais importante, uma mudança na narrativa de que “não havia alternativa” à austeridade.

A crise e a austeridade também produzem medo e conservadorismo no consumo. Quando um governo consegue assegurar uma medida de “balão de oxigénio” e consegue um ligeiro aumento de rendimentos, consegue também alterar a narrativa para clamores optimistas de que “a austeridade acabou e agora a partir de agora tudo vai ser melhor”. Isto também permite uma alteração nos padrões de consumo, uma vez que as pessoas têm menos medo de gastar dinheiro, ou comprar bens ou pedir créditos. Este facto ajuda a alimentar a recuperação.

Portugal passou por um período de profunda recessão. Estes períodos reduzem em muito a capacidade produtiva porque não existe mercado. Mas o aumento do consumo interno (por consumidores nacionais, mas sobretudo pelos estrangeiros) viabiliza haver mais produção em tempos de recessão mesmo sem quaisquer novos investimentos.

O investimento público tem estado no seu nível mais baixo de sempre desde o início deste governo, sem quaisquer alterações na capacidade produtiva do país e um nível muito baixo de investimento privado. Ainda assim, houve crescimento económico.

Isto não é milagre nenhum: é uma combinação de factores internos (pequeno aumento de rendimentos, a mudança de narrativa em torno da austeridade, e por isso, nos padrões de consumo) e mais importante que isso, factores políticos externos.

Não só parte das instituições europeias apoiam este governo, como também o país beneficiou com a crise política no Médio Oriente, no sentido em que levou à queda do preço do petróleo (um factor importante para uma economia baseada em importações) e porque afastou o turismo dessa zona a favor de destinos como Portugal.

Se prestarmos atenção, veremos que este governo apresenta outros problemas. As leis laborais da troika permaneceram intactas, os contratos colectivos de trabalho praticamente desapareceram, a precariedade cresce. Um estudo do Observatório das Desigualdades coloca o nível de desemprego real em 17,5% – muito menos que os 38% de 2013, mas muito acima dos números oficiais de 8,5%. Praticamente todos os novos empregos criados são precários. Os serviços públicos estão a cair aos pedaços: tanto a Educação como a Saúde estão desesperadamente subfinanciados e à beira do colapso. O sistema bancário português é uma bomba-relógio, com mais bancos resgatados com fundos públicos, mas nenhum sob controlo público, deixando-o muito mais vulnerável a mudanças no centro da europa do que em 2008. A questão central da dívida despareceu do debate público.

Não obstante, o ministro das finanças português Mário Centeno, a quem o comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros Pierre Moscovici chamou “o Ronaldo das finanças portuguesas”, foi eleito presidente do Eurogrupo. Foi uma jogada inteligente e simbólica, não só para mostrar aos opositores do PS o que a social-democracia europeia podia fazer pela revitalização, mas também como elogio ao “bom aluno” da periferia que obedeceu às regras do centro. Tacticamente, o PS jogou bem o jogo: não só obteve o seu melhor resultado de sempre nas eleições autárquicas em 2017, mas está à beira da maioria absoluta nas previsões sobre as intenções de voto nas eleições legislativas de 2019.

A Esquerda além do Acordo e da Austeridade

Por toda a Europa, os partidos do centro tradicionais enfrentam dilemas. Os resultados desastrosos destes partidos na maioria dos países da europa ocidental, juntamente com as terríveis previsões para as eleições europeias de 2019, põem em evidência um dilema estratégico muito complicado. Se, por um lado, a era do contrato social acabou, a mudança em direcção a mais políticas sociais é a única forma da social democracia renascer.

O debate ideológico mais interessante em Portugal tem lugar dentro da liderança do Partido Socialista, um lado quer avançar com a continuação e aprofundamento de políticas sociais, o outro defende uma Terceira Via, um partido e um programa ao estilo Blair.

À medida que os Partidos da Internacional Socialista abandonam cada vez o espaço político que já ocuparam, a Direita cresce. Se foi a liberalização da social democracia tradicional que criou o espaço para o crescimento da Direita, estes partidos argumentam agora que o povo deveria aceitar os seus programas neoliberais em vez de abrirem caminho às forças reaccionárias emergentes.

Seria o mal menor Europeu. Neste contexto, a Esquerda também não está a ganhar força. Como o crescimento que vimos em 2015 se mantém, existem hoje menos possibilidades para os partidos de esquerda do que em anos recentes.

Se Portugal serve de exemplo de alguma forma de realinhamento dos partidos sociais democratas, é também um exemplo de precaução para a esquerda radical.

Teria sido difícil ao Bloco de Esquerda recusar-se ajudar na formação do governo encabeçado pelo Partido Socialista. Mas as necessidades de sobrevivência do Partido Socialista também ofereceram mais espaço de negociação ao Bloco de Esquerda do que este explorou nos últimos tempos. Participar neste acordo exigia uma estratégia forte para encarar uma situação muito perigosa. Esta estratégia deveria ter acentuado as contradições do governo do partido Socialista, através de uma estratégia de “dentro e fora” com o foco em exigir medidas essenciais para um real ultrapassar da austeridade e construir o acumular do descontentamento. Para tal era necessário deixar em aberto a possibilidade de romper o acordo em última instância e arriscar algum recuo eleitoral temporário.

Pelo contrário, a esquerda radical encontra-se hoje praticamente impossibilitada de quebrar a actual situação. Se o Partido Socialista propuser um novo acordo para a governação, que base política é que a esquerda poderia usar para recusar? Se em 2015 o “medo da direita” serviu para justificar todos os tipos de acordos, o que poderia servir o mesmo propósito em 2019?

A verdade é que o Bloco de Esquerda está hoje em dia refém do PS. Foi enfraquecido a muitos níveis, desde o número de militantes até ao seu nível de actividade e programa. E apesar da dificuldade da situação presente, o partido está céptico em relação ao debate estratégico sério ou divergências internas de qualquer espécie.

O debate estratégico necessário não é uma questão de se devemos ou não lutar pelo poder institucional, mas sim que papel específico e qual a prioridade que a esquerda radical deve atribuir a esta esfera. Se a nossa análise nos diz que a política institucional pode servir como amplificador para as exigências políticas, mas que em última instância não consegue transformar a sociedade como um todo, então, claramente, a necessidade de construir instrumentos de organização política que funcionem dentro das instituições e a aprendizagem da actividade neste campo, não retira a necessidade de construir estes instrumentos fora destes polos de poder.

Mesmo em tempos em que a mobilização social está temporariamente em refluxo, a esquerda radical tem a responsabilidade de reconstruir estes movimentos, agregá-los e acumular poder para o confronto necessário com o poder instituído.

Para isto acontecer precisamos de partidos que dêem voz e poder às bases dos movimentos, que criem múltiplos protagonistas, que aprofundem o processo da democracia.

Só então poderemos combinar as bases descontentes dos velhos partidos social democratas com os movimentos e forças anti-capitalistas na sociedade. Mas se os partidos da esquerda radical se contentam com orientações estratégicas que apenas ajudam a revitalizar os partidos sociais democratas, desligando-se dos elementos mais críticos destes partidos e se perdem em dilemas institucionais, irão começar a reproduzir formas, comportamentos e processos da democracia burguesa. Com medo de fracos resultados eleitorais, intimidam-se de desenvolver uma estratégia capaz de mudar a sociedade e mais ainda de desenvolver um instrumento político capaz de o fazer.

Isto exige o repensar radical das nossas prioridades. A esquerda radical tem de trabalhar desde a base, para reinventar a sua democracia, para crescer a partir das bases e reconstruir o movimento popular. Tem de ajudar colectivos auto-organizados a florescer, trabalhar na direcção do renascimento do movimento trabalhista, e construir uma frente social e política que lute contra a austeridade moderada bem como contra as suas variantes mais duras. O momento presente não é nenhuma aberração. Mas se nos ficarmos pelos horizontes actuais de possibilidades, mais do que criar as condições para a mudança de que precisamos e queremos, então a nossa situação tornar-se-á ainda mais difícil.

Fonte: http://mas.org.pt/index.php/nacional/nacional/1586-o-mito-portugues.html


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