Julian Assange encurralado

O cerco se aperta sobre o fundador do Wikileaks.

Sally Burch 10 dez 2018, 15:15

O cerco se aperta sobre o fundador do Wikileaks, Julian Assange, que segue na condição de asilado na Embaixada do Equador em Londres. A perseguição internacional cresce e seus direitos são restritos.

Em meados de novembro, foi vazado (aparentemente de forma involuntária) que existe
efetivamente uma acusação sumária contra Assange nos Estados Unidos, cujo caráter
ainda não foi divulgado. Nesta terça-feira, 27 de novembro, uma juíza federal dos
Estados Unidos postergou uma decisão, solicitada pelo Comitê de Jornalistas pela
Liberdade de Imprensa, de ordenar que se revele o conteúdo da acusação, uma vez que
se tenha confirmado que esta existe. O Departamento de Justiça, por sua vez, defende
mantê-la em segredo, até que o acusado seja detido.

Entretanto, as autoridades britânicas mantêm sua intenção de deter Assange caso ele
saia da embaixada, por ter violado a liberdade condicional, quando entrou na embaixada
há seis anos (apesar de ter vencido a investigação judicial realizada pela Suécia, sem
que se tivesse levantado nenhuma acusação). O mais provável é que, se isso acontece,
os Estados Unidos solicitarão sua extradição. Estes fatos reforçam os argumentos de
Assange e de sua equipe jurídica de que ele corre o risco de um julgamento nos Estados
Unidos, que poderia acarretar na sua pena de morte. Esse é o principal motivo que
justifica manter o asilo.

Para os Estados Unidos é complicado processar o jornalista/editor pela publicação de
milhares de documentos confidenciais, já que implicaria num atentado à liberdade de
imprensa. Mais do que isso, teriam que acusar também os grandes meios de
comunicação que replicaram a informação. Vale recordar que o Wikileaks é um portal
onde se publicam documentos entregues por quem em inglês se chamam de
“whistleblowers”, ou seja, os denunciantes que revelam as irregularidades na instituições em que trabalham, por considerarem de interesse público. O Wikileaks
verifica a origem dos documentos, mas protege a identidade do denunciante. Pelo
mesmo motivo, Assange não é, como às vezes é chamado, um “hacker” (no sentido de
alguém que viola a segurança de equipes eletrônicas sem autorização1 ), mas o diretor de um editorial.

Por isso, os Estados Unidos tratam de vinculá-lo bastante à espionagem, mas isso
implicaria demonstrar que Assange trabalharia para algum outro governo. Há indícios
agora de que se busca acusa-lo de conspiração com a Russia, no caso atualmente sob
investigação do possível envolvimento de serviços de inteligência russos na
interceptação de e-mails do Partido Democrata, fato que pode ter favorecido a
candidatura de Donald Trump. O Wikileaks negou qualquer vínculo com os russos neste
caso.

Além dos pormenores da acusação, o que é evidente é que os governos afetados não
perdoam o Wikileaks por ter revelado seus documentos confidenciais. Muito menos
querem reconhecer que o Wikileaks proporcionou um grande serviço à humanidade ao
colocar a público assuntos sobre os quais os governos deveriam prestar contas,
sobretudo quando está em jogo o uso dos fundos públicos.

Equador sob pressão
Entretanto, a situação de Julian Assange na embaixada equatoriana, onde está
praticamente incomunicável há seis meses, é cada vez mais insustentável; tudo indica
que é justamente isso que busca o governo de Lenin Moreno, que o considera um
hóspede indesejado e uma herança incômoda do governo anterior. A Corte
Interamericana ratificou, no julho passado, que o Equador tem a obrigação, não só de
garantir o asilo, mas também de adotar medidas positivas para que o asilado não seja
entregue, o que sem dúvida freou a intenção de expulsa-lo da embaixada. Desde outubro
foi imposto um protocolo de “regras de convivência” que atentam aos seus direitos
básicos e à liberdade de expressão. Chama atenção, além disso, que no dia 21 de
novembro, por decreto presidencial, foram cessadas as funções do embaixador, Carlos
Antonio Abad Ortiz, antes que ele cumprisse o prazo normal; também foi trocado todo o
pessoal da embaixada. E a partir de dezembro o asilado deve cobrir seus próprios gastos
de alimentação e comunicação. Tudo indica que, ao não poder expulsa-lo, que se fazer
que ele tenha uma vida tão difícil a ponto de obriga-lo a abandonar a embaixada, seja
por vontade própria ou pela piora do seu estado de saúde (o qual já está bastante
delicado pelo confinamento e pela falta de acesso a atenção médica adequada).

Não é coincidência que o governo do Equador, que no campo internacional passou a
priorizar relações de cooperação e acordos comerciais com os Estados Unidos e o Reino
Unido, esteja submetido a múltiplas pressões para rescindir o asilo de Julian Assange.

Quando o vice-presidente estadunidense, Mike Pence, visitou Quito, no junho passado,
ele abordou o tema com o presidente Moreno a pedido de vários senadores,
principalmente do Partido Democrata. Ainda que Moreno tenha negado que se tivesse
abordado o tema de Assange, a Casa Branca confirmou e salientou que acordaram
manter-se em diálogo estreito para os próximos passos. Deve se entender que as
pressões atuais sobre Assange são parte desses “passos”?

O Equador se destacou no cenário mundial por ter outorgado asilo a Julian Assange,
desafiando a pressão das potências mundiais. Inclusive foi o governo que o deu a
cidadania há um ano. Parece que voltou atrás, e que, a esta altura, somente uma forte
campanha internacional em defesa dos direitos de Julian Assange e do Wikileaks
poderia evitar um desenlace fatídico.

Artigo originalmente publicado no Alainet.org. Reprodução da tradução realizada pelo Portal da Esquerda em Movimento


Nota

1 Vale reconhecer que para o movimento hacker, o termo se refere mais ao conhecimento em informática.


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