A Proletária

Artigo de 1914 revela as perspectivas feministas e políticas da autora, calcadas na ótica revolucionária.

Rosa Luxemburgo 5 mar 2019, 18:18

O dia da proletária inaugura a semana da Socialdemocracia.[1] O partido dos deserdados coloca a sua coluna feminina no front ao partir para a dura luta pela jornada de oito horas, a fim de espalhar a semente do socialismo sobre novas terras. E a igualdade de direitos políticos das mulheres é o primeiro mote que ela levanta, ao se prestar a recrutar novas seguidoras em prol das reivindicações de toda a classe trabalhadora.

Hoje, a proletária assalariada moderna pisa no palco público tanto como a protagonista da classe trabalhadora quanto, ao mesmo tempo, de todo o gênero feminino, a primeira protagonista em milhares de anos.

A mulher do povo teve de trabalhar pesado desde sempre. Na horda bárbara ela carrega o peso, coleta alimentos; no povoado primitivo, planta e mói o cereal, faz panelas; na Antiguidade, como escrava, serve os senhores e amamenta os rebentos; na Idade Média, fiava para o senhor feudal. Mas, desde que existe a propriedade privada, na maioria das vezes a mulher do povo trabalha separada da grande oficina na produção social, ou seja, separada também da cultura, encurralada na estreiteza doméstica de uma pobre existência familiar. Foi apenas o capitalismo que a arrancou da sua família e a colocou sob o fardo da produção social, empurrou-a para as lavouras de outrem, para as oficinas, construções, escritórios e lojas. Como mulher burguesa, a mulher é uma parasita da sociedade, sua função consiste apenas em auxiliar no consumo dos frutos da exploração; como pequeno-burguesa, ela é o animal de carga da família. E apenas na proletária moderna que a mulher se toma um ser humano, pois é apenas a luta que produz o ser humano, a participação no trabalho cultural, na história da humanidade.

Para a mulher burguesa proprietária, sua casa e o mundo. Para proletária, todo o mundo é a sua casa, o mundo com o seu sofrimento e sua alegria, com sua atrocidade fria e seu tamanho. A proletária vaga com o trabalhador do túnel que liga a Itália à Suíça, acampa em barracas e seca, enquanto cantarola, a roupa dos bebês ao lado de rochas explodindo. Como trabalhadora sazonal do campo, no início do ano, ela encontra-se no barulho das estações de trem, sentada sobre os seus humildes pertences, um lencinho cobrindo o penteado simples, aguarda pacientemente para ser transportada do leste para o oeste. No deque do navio a vapor, ela se desloca com as ondas que levam a miséria da crise da Europa para a América, em um amontoado de idiomas de proletários famintos, para, quando a onda de refluxo uma crise americana se fizer presente, retomar para a miséria familiar da Europa, para novas esperanças e decepções, para uma nova caça por trabalho e pão.

A mulher burguesa não tem nenhum interesse real em direitos políticos, pois não exerce uma função econômica na sociedade, pois usufrui dos frutos acabados da dominação de classe. A reivindicação, por igualdade de direitos femininos é, onde ela se manifesta nas mulheres burguesas, mera ideologia de alguns grupos fracos, sem raízes materiais, um fantasma da oposição entre a mulher e o homem, uma esquisitice. Por isso, o caráter anedótico do movimento das sufragetes.[2]

A proletária precisa de direitos políticos, pois exerce a mesma função econômica que o proletário masculino na sociedade, se sacrifica igualmente para o capital, mantém igualmente o Estado, e igualmente é sugada e subjugada por ele. Ela tem os mesmos interesses e, precisa, para sua defesa, das mesmas armas. Suas reivindicações políticas estão profundamente enraizadas no abismo social que separa a classe dos explorados da classe dos exploradores; não na oposição entre o homem e a mulher, mas na oposição entre o capital e o trabalho.

Formalmente, o direito político da mulher insere-se harmonicamente no Estado burguês. O exemplo da Finlândia, dos Estados americanos, de comunidades isoladas, prova que a igualdade de direitos das mulheres ainda não derruba o Estado, não toca na dominação do capital. Mas como o direito político da mulher e, hoje, uma reivindicação de classe puramente proletária, então, para a atual Alemanha capitalista, ele é como o sopro do juízo final. Como a república, como a milícia, como a jornada de oito horas, o direito de voto das mulheres apenas pode vencer ou sucumbir junto com toda a luta de classes do proletariado, apenas pode ser defendido com os métodos proletários de luta e os seus meios de poder.

Defensoras burguesas dos direitos das mulheres querem adquirir direitos políticos para então tomarem parte na vida política. A mulher proletária apenas pode seguir o caminho da luta trabalhadora, que, inversamente, conquista cada palmo de poder efetivo para, apenas assim, adquirir os direitos escritos. No princípio de toda ascensão social era a ação. As mulheres proletárias precisam fincar pé na vida política por meio de sua participação em todos os domínios, apenas assim é que elas criam um fundamento para os seus direitos. A sociedade dominante lhes recusa o acesso aos templos de seus fóruns deliberativos, outra potência dessa época lhes escancara as portas — o Partido Socialdemocrata. Aqui, em fileiras e membros da organização, estende-se diante da mulher proletária um campo incalculável de trabalho político e poder político. Apenas aqui a mulher é um fator no que se refere a igualdade de direitos. Ela é introduzida na oficina da história por meio da socialdemocracia, e aqui, onde agem forças ciclópicas, ela alcança a igualdade de direitos efetiva, ainda que o direito escrito de uma constituição burguesa lhe seja negado. Aqui, ao lado do homem, a mulher trabalhadora sacode as colunas da ordem social vigente e, antes que esta lhe conceda um direito aparente, ela irá ajudar a pôr em ruínas essa ordem social.

A oficina do futuro necessita de muitas mãos e de bastante fôlego. Um mundo de lamúria feminina aguarda libertação. A mulher do pequeno camponês suspira a beira do colapso sob o fardo da vida. Ali, na África alemã, no deserto do Kalahari, permanecem os ossos de mulheres Hereros indefesas, que foram levadas pelos soldados alemães a pavorosa morte de fome e sede. Do outro lado do oceano, nos altos rochedos de Putumayo, perdem-se, inaudíveis para o mundo, gritos de morte de mulheres indígenas torturadas nas plantações de borracha de capitalistas internacionais.

Proletária, a mais pobre dos pobres, a mais injustiçada dos injustiçados, vá a luta pela libertação do gênero das mulheres e do gênero humano do horror da dominação do capital. A socialdemocracia concedeu a você um lugar de honra. Corra para o front, para a trincheira!

Este artigo faz parte da edição da Revista Movimento n. 11-12. Compre a revista aqui!


Notas

[1] No ano de 1914 o Dia Internacional da Mulher, 8 de março esteve sob o signo da luta pelo direito de voto e pela igualdade de direitos da mulher. Com esse dia da mulher socialdemocrata, foi inaugurada a “Semana Vermelha” do partido de 8 a 15 de março de 1914, que serviu à agitação da socialdemocracia e da sua imprensa. Como resultado, pôde ser registrado um crescimento significativo de membros e de um aumento do número de assinantes da imprensa.

[2] Como “sufragetes” ficaram conhecidas, na Grã-Bretanha, em primeiro lugar, as lutadoras pela igualdade politica de direitos das mulheres e, também, as seguidoras do movimento de direito de voto das mulheres.

Extraído de: ttps://www.marxists.org/porthugues/luxemburgo/1914/03/05.htm

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