Eleições na Venezuela: um palco armado para a vitória de Maduro/PSUV
O presidente venezuelano Nicolás Maduro - Reprodução

Eleições na Venezuela: um palco armado para a vitória de Maduro/PSUV

Na Venezuela, onde as eleições acontecerão no dia 28 de julho, candidatos opositores estão inabilitados e partidos ilegalizados

Zuleika Matamoros 29 abr 2024, 11:46

O Conselho Nacional Eleitoral anunciou em março deste ano que as eleições presidenciais serão realizadas em 28 de julho, nas quais o presidente Nicolás Maduro pretende se reeleger, enquanto seguem as inabilitações de candidatos opositores e a ilegalização de partidos. O governo mantém polarizada a corrida eleitoral impondo o candidato mais adequado para ele, o candidato da oposição de direita Manuel Rosales, com quem, nos últimos anos, negociou a ponto de manobrar para torná-lo quase o único concorrente. Basicamente, trata-se de um ataque contínuo às liberdades democráticas e a uma das conquistas mais importantes do processo revolucionário: a democracia participativa e protagônica. (democracia direta). 

Manobra antidemocrática para garantir a reeleição de Nicolás Maduro

A direção do PSUV está jogando todas as suas cartas: antecipação das eleições, calendário eleitoral expresso, controle total de todos os poderes públicos, impedindo o registro de novos eleitores, a atualização de dados e a participação de venezuelanos no exterior. Além disso, há a restrição do direito de várias organizações de fazer parte da disputa eleitoral e a inabilitação de candidatos. Todas essas ações têm como objetivo garantir a segunda reeleição de Maduro a qualquer custo.

Este artigo tem como objetivo abordar o aspecto eleitoral e as inabilitações nos marcos do avanço autoritário do governo de Nicolás Maduro/PSUV/Militares e contribuir para o debate sobre como a esquerda sobrevive a esse ataque por parte de um governo que sequestrou nossa narrativa, categorias e códigos para revertê-los contra o povo trabalhador e popular.

Inabilitações. Casos emblemáticos: Maria Corina Machado e o Partido Comunista da Venezuela.

Esquerda ilegalizada. Novas formas de ditadura

O governo de Maduro desenhou uma eleição presidencial sob medida, na qual deixou claro o caráter totalitário do governo. Por meio do CNE e do TSJ, conseguiu inabilitar os setores que se opõem, pela esquerda, às políticas governamentais de entreguismo nacional, desvio de dinheiro e capitalismo selvagem.

Talvez o caso mais emblemático tenha sido o recente ataque à legalidade do Partido Comunista da Venezuela (PCV), um aliado do governo até a eleição de deputados para a Assembleia Nacional em 2020. Essa ação tem seus precedentes no mesmo mecanismo utilizado entre 2018 e 2020 quando, por meio do TSJ, foram destituídas as direções de partidos como o PPT, UPV, TUPAMAROS, e entregues a lideranças controladas e a serviço do PSUV-Governo. Mecanismos de intervenção direta.

Outros mecanismos usados para proscrever a esquerda são muito antigos. Em 2015, a organização política Marea Socialista tentou se legalizar como partido político, por meio do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), mas teve essa possibilidade negada. A esquerda, que até então havia acompanhado Maduro e todas as suas políticas de contrarreformas ou de derrubada das conquistas obtidas no âmbito do processo revolucionário, fez vista grossa e não acompanhou a campanha contra essa deriva antidemocrática. 

Esse precedente e a fraqueza demonstrada pelas organizações anticapitalistas para defender seu direito de existir levaram o governo, em 2016, a criar um mecanismo de atualização dos registros eleitorais que desabilitou pequenos partidos como PRT, PSL, REDES, entre outros. 

Dessa forma, de 2015 até o momento, consumou-se a proibição expressa de se apresentarem em eleições, impossibilitando a atuação dessas organizações na realidade política nacional.

Inabilitação seletivas de candidatos da direita tradicional

A política de ataque às lideranças políticas evoluiu a ponto de chegar o momento dos tradicionais partidos de direita, quase todos social-democratas: AD, COPEI, MEP, entre outros. As novas direções desses partidos abriram caminho para as eleições de deputados para a Assembleia Nacional. Atualmente, esse setor tem deputados que conquistaram uma “representação silenciosa” no parlamento, que é tão minoritária quanto inofensiva, pois representa as negociações e os pactos feitos com o governo. Eles não se opõem ao governo, constituindo assim a vitrine democrática exigida pelo aparato de propaganda do regime venezuelano. 

O caso mais emblemático foi a inabilitação de Maria Corina Machado, que gerou uma resposta internacional. Essa desqualificação responde à disputa pela administração dos imensos recursos do Estado venezuelano entre fatores e setores da burguesia tradicional e a nova casta burguesa criada à sombra da corrupção e do saque dos recursos da nação.

Mas não se engane, a desqualificação de María Corina Machado e de outras figuras da oposição subordinadas aos EUA é apenas parte das opções eleitorais. A ação antidemocrática a que foram submetidos os setores da ultradireita não impede que todas as expressões ideológicas da oposição de direita apresentem candidaturas. Em outras palavras, os interesses capitalistas estão plenamente representados na disputa eleitoral.  Por outro lado, é o arco político que questiona pela esquerda as políticas do governo de rendição nacional e capitalismo selvagem que, como resultado das proscrições políticas, não poderá ter candidatos. 

Como chegamos a isso depois de conquistar a democracia participativa e protagonista?

Não nos enganemos, na Venezuela passamos de um governo de Bonapartismo Sui Generis para um governo Bonapartista Clássico, com um regime que avança rapidamente para uma forma de ditadura que manipula as categorias de esquerda e os elementos institucionais democráticos em um contexto em que mantém o poder sem apoio popular e sem legitimidade.

Esse avanço antidemocrático do atual governo está relacionado a um fato histórico no âmbito do processo revolucionário venezuelano. Uma das premissas mais importantes era a democracia participativa e protagônica, que deveria avançar para novas e outras formas de democracia baseadas em processos de referendo, na participação dos movimentos populares, camponeses e indígenas, sindicatos, federações e centrais de trabalhadores.

O governo Chávez optou por confiscar a democracia participativa. Todas essas formas de organização estavam sujeitas à cooptação por parte do governo, eliminando sua autonomia e independência. Em seguida, veio a nacionalização das formas de organização por meio de órgãos como os Conselhos Comunais controlados pelo Estado, nascidos com o DNA da burocratização de todos os espaços de participação. 

Se nos referirmos à organização dos trabalhadores, foi o próprio Chávez quem fundou a Central Bolivariana de Trabajadores, escolhendo a dedo sua liderança, que se mantém até hoje, sendo a Central que atua como cúmplice e braço executor de todas as medidas antitrabalhistas que o governo tomou, a ponto de ter eliminado o valor do salário mínimo com suas consequências terríveis para outros direitos trabalhistas. 

As consequências dessa política podem ser sentidas na desorganização, na desestruturação e na ausência de referências políticas como resultado da burocratização dos espaços de participação popular. Ao contrário de Chávez, Maduro impôs uma política de repressão sistemática aos trabalhadores ou líderes que tentam se organizar.

Trabalhadores presos por lutar e presos políticos na Venezuela

Na Venezuela, a política antissindical tem se movido progressivamente em direção a formas mais repressivas. As ameaças ao exercício do direito à liberdade de associação persistem, por meio de criminalização, prisões e processos criminais contra líderes sindicais; em alguns casos, o Ministério Público apresentou como “prova” capturas de tela e mensagens no Twitter.

Essa situação é alarmante e reflete um ressurgimento da perseguição política no país. Entre os presos estão trabalhadores que participaram anteriormente da luta pela nacionalização das empresas básicas e que, posteriormente, se alinharam ao governo após os avanços nessa área. No entanto, quando saíram para enfrentar a política de fome imposta pelo governo de Maduro contra os trabalhadores, foram presos. 

Um exemplo emblemático disso é o caso dos dois sindicalistas da Siderúrgica del Orinoco (Sidor), Daniel Romero e Leandro Azócar, que estão atualmente detidos na Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM). Ambos foram presos em 11 de junho de 2023 durante protestos trabalhistas em Sidor. É essencial que a justiça seja denunciada e buscada para esses trabalhadores que estão lutando por seus direitos e por um tratamento digno em seu local de trabalho.

Os trabalhadores enfrentam acusações de conspiração, boicote e incitação ao ódio. Essas acusações são comuns entre a maioria dos prisioneiros que lutam por seus direitos. Além disso, os líderes dos professores também foram acusados, inclusive de terrorismo, após participarem de ações de protesto em favor da recuperação de salários e de melhores condições de trabalho.

Essa política repressiva anda de mãos dadas com a reprivatização secreta, conforme estabelecido pela Lei Antibloqueio. A título de exemplo, em 2023, o governo de Nicolás Maduro prendeu 20 trabalhadores da Sidor por exigirem seus direitos trabalhistas. Desses, 18 foram presos em janeiro e posteriormente liberados. Os trabalhadores da Sidor enfrentaram demissões e medidas cautelares devido à sua participação em protestos1. Essa situação reflete um recrudescimento da perseguição política e afeta seriamente os direitos fundamentais dos trabalhadores no país. Além das prisões, somam-se a elas as demissões arbitrárias e as ameaças aos trabalhadores que demonstram disposição para lutar por seus direitos. Além disso, as prisões são acompanhadas de liberações condicionais, deixando centenas de trabalhadores livres, mas processados e inibidos de exercer atividades sindicais e políticas.

Um chamado à esquerda internacionalista

A radiografia nos dá um diagnóstico sombrio. O candidato desqualificado, Manuel Isidro Molina, que estava concorrendo com o apoio do PCV, está pedindo um voto de castigo contra Maduro. No entanto, no cenário eleitoral, apenas candidatos de direita estão concorrendo. Nós, revolucionários, não podemos nos deixar levar pela consideração eleitoral, que parece ser um jogo ganho antecipadamente pelo governo de Maduro. Além disso, no caso improvável de uma opção diferente vencer, ela seria suplantada por um governo que responde aos interesses dos Estados Unidos, com um setor de ultradireita liderado por Trump. Em resumo, as perspectivas para os trabalhadores e setores populares não têm respostas imediatas.

A primeira tarefa é que a esquerda venezuelana, apoiada pela esquerda revolucionária internacional, seus partidos e organizações, avance na criação de um amplo espaço para realizar uma campanha de denúncia do que está acontecendo na Venezuela e suas implicações no marco das liberdades democráticas. É um dever fundamental da esquerda internacional exigir do governo de Maduro a libertação dos trabalhadores, líderes e ativistas políticos que estão detidos em condições irregulares. Essa ação é inescapável para a esquerda global.

Os presos políticos de direita têm sido usados como moeda de troca em negociações com setores que representam os interesses dos EUA. No entanto, trabalhadores e líderes ligados às lutas por demandas trabalhistas e à esquerda são esquecidos, mesmo sem participar das negociações. É fundamental que a demanda por liberdade se torne um compromisso internacionalista inescapável para evitar que os prisioneiros sejam duplamente condenados. 

Além disso, é necessário divulgar amplamente a visão de um governo que enfrente Maduro e todo o campo da esquerda a partir de uma perspectiva de classe, justiça e direitos humanos.


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Pedro Micussi