A Baixada Fluminense e as eleições 2020

Sobre o resultado eleitoral no conjunto de municípios da periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro.

As eleições municipais de 2020, realizadas em meio a uma crise brutal da saúde pública e da incapacidade do capitalismo de responder a essa demanda, sinalizaram alguns aspectos de mudança e conservação em todo Brasil. Na Baixada Fluminense, um conjunto de municípios da periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro, as urnas demonstraram resultados que analisaremos a seguir. Antes de entrarmos especificamente no cenário da Baixada Fluminense, é importante contextualizarmos a essência das urnas de modo mais global.

As eleições municipais realizadas em todo o Brasil nos dias 15 e 29 de novembro tiveram como traço principal o enfraquecimento da força eleitoral bolsonarista. A maioria dos candidatos apoiados pelo atual presidente foram caindo aos poucos nas pesquisas e acabaram sendo secundários. Ao mesmo tempo, quem mais ganhou foi o setor que chamamos de “direita pró-1988”, ou seja, figuras e partidos que têm acordo com a agenda ultra neoliberal de ataque aos direitos dos trabalhadores e do povo como uma saída para a crise econômica, mas que não concorda com o avanço autoritário (por exemplo, o ataque à liberdade de imprensa, fechamento do STF e do Congresso etc.) ensaiado por Bolsonaro e seus aliados. A figura mais fortalecida é Rodrigo Maia e o DEM, entre outras figuras e partidos com uma política similar.

Tanto no cenário internacional – com a derrota de Trump, levantes antirracistas, vitória do MAS nas eleições bolivianas – quanto no nacional – a alta dos preços de produtos básicos, os escândalos de corrupção no governo Bolsonaro e da sua família, e a sua total incapacidade de lidar com a pandemia – os ventos sopraram a favor da esquerda com propostas concretas de alternativas às reformas neoliberais e suas consequências sociais.

O PSOL aparece como uma grande novidade no balanço dessas eleições. Tendo chegado ao segundo turno da maior cidade da América Latina com apenas 17 segundos de tempo de TV, Boulos e o PSOL saíram muito vitoriosos em São Paulo, apesar de não terem levado. Em Belém, capital do Pará, o PSOL ganhou a prefeitura e elegeu a vereadora Vivi Reis com expressivos 9.654 votos, a mulher mais votada do município que, com a vitória de Edmilson para a prefeitura, se tornará deputada federal. 

No Rio de Janeiro o PSOL ampliou sua bancada para vereador com 7 cadeiras (Tarcísio Motta, Chico Alencar, Mônica Benício, Paulo Pinheiro, Thais Ferreira, William Siri e Dr. Marcos Paulo) e em Niterói com 3 eleitos (Professor Túlio, Benny Brioli e Paulo Eduardo Gomes). Em São Gonçalo a eleição do Prof. Josemar e em Petrópolis a vitória do Yuri, ambos para vereadores, sinalizam um caminho para o interior e periferia de forma que as urnas já responderam a esse trabalho.

Por outro lado, como linha geral nessas eleições, vemos como uma grande diferença da eleição de 2018 a tendência em votar no “mais do mesmo”, ou seja, de eleger e reeleger prefeitos e vereadores ligados à velha política, seus partidos e figurões. Isso é o que nos parece o traço mais forte na região da Baixada Fluminense, onde foram reeleitos com votações expressivas os prefeitos das 4 maiores cidades (Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo e São João de Meriti), alguns com proximidade ao governo federal, mas com menos alinhamento ideológico, senão mais pragmático.

PSOL nas eleições

O PSOL lançou, nessas eleições, candidatos a vereador em Belford Roxo, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita, Caxias, Queimados e Japeri. Para prefeito em Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Belford Roxo e Queimados. Das candidaturas a vereador com mais peso eleitoral, destacaram-se a Rose Cipriano, em Caxias, com 4.741 votos, Wesley Teixeira, na mesma cidade, com 3.311 votos e Saulo Benicio de Nilópolis com 1.263 votos.

Dos candidatos à prefeitura tivemos a Professora Leci de Nova Iguaçu com 4.475 votos, equivalente a 1,27%, Vinicius Baião de São João de Meriti com 7.745 votos, equivalente a 3,48%, Ivanete de Caxias com 17.251 votos, equivalente a 4,27%, o professor e policial Wenderson de Nilópolis com 3.053 votos, equivalente a 3,74%, Neuzinha Jornaleira de Belford Roxo com 3.786 votos, equivalente a 1,87% e Celena Santos de Queimados com 1.240 votos, equivalente a 1,88% dos votos válidos.

Apontamos como elementos para entender esse resultado eleitoral a fragilidade dos diretórios municipais, o trabalho de base escasso na periferia, a lógica “riocentrista” de pensar a Baixada como território de criação de mão de obra para militar na capital e o histórico domínio da direita sobre nosso povo. 

Milícias e fundamentalismo religioso

A Baixada Fluminense conta com uma população de mais de 3,8 milhões de habitantes e abrange um total de 13 municípios – Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo, São João de Meriti, Duque de Caxias, Magé e Guapimirim. Juntamente com a cidade do Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo integram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro ou o Grande Rio, que conta com uma população de mais de 12 milhões de pessoas, sendo que quase 32% dessa população se encontra na Baixada Fluminense .

Apesar de possuir um passado de lutas que vai desde a resistência quilombola ao regime escravista até movimentos fortemente reprimidos por direitos de moradia e saúde durante a ditadura civil/militar, essa população, em sua maioria, vive às margens da garantia dos direitos fundamentais, aí incluída a saúde, educação, saneamento básico e mobilidade urbana. 

O território tem, tradicionalmente, uma imagem associada à violência, inclusive política, representada pela “matança política” contumaz dos períodos eleitorais. Entre 2016 a 2020, 25 pessoas ligadas à política partidária foram assassinadas na Baixada. Essa violência política é, normalmente, resultado de uma disputa entre grupos milicianos que, através da bala, controlam territórios economicamente e politicamente.

Além disso, há um avanço considerável do fundamentalismo religioso na Baixada Fluminense, como aponta a nota técnica da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos que exerce, em simbiose com o projeto militarizado de sociedade, uma força coercitiva de direcionamento das vontades políticas. Dizemos, em tom jocoso, que essas duas forças políticas trabalham juntas porque “um mata o corpo e o outro encomenda a alma”.

Vale ressaltar também que, apesar da presença crescente das milícias há, em diversas localidades, a atuação  ostensiva do tráfico de drogas, situação que se agravou enormemente com a instalação das UPPs na cidade do Rio de Janeiro e que hoje ameaça a segurança de grande parte da população.

Com o avanço do fundamentalismo neopentecostal, a direita oligárquica da região vem sendo tensionada politicamente para abraçar os costumes e valores políticos que a religião em questão impõe para conquistar votos. Esse regime que, por um lado, negocia territórios com a milícia e “abençoa” seu projeto de expansão ao mesmo tempo que, por outro lado, tensiona a direita oligárquica para endossar seus valores, avança cada vez mais a cada eleição.  

Alguns vereadores foram eleitos em partidos de centro-esquerda, mas não representam qualquer oposição aos governos que atacam os trabalhadores.

Lallih do Emancipa

Em Belford Roxo, nós do MES lançamos a candidatura da Lalih Branco para vereadora com representatividade pelo fato de ser mulher, negra, jovem, e com um histórico de trabalho e luta na cultura da cidade, mais especificamente ligada à dança e ao hip hop. 

Lalih é umbandista em uma cidade onde, a exemplo de toda a Baixada Fluminense, a intolerância religiosa é muito forte. A título de exemplo, durante o período eleitoral o prefeito de Belford Roxo, que se declara evangélico, escavou um enorme buraco em frente a um terreiro de umbanda impedindo as pessoas de entrarem e saírem, aproveitando-se da desculpa de estar realizando obras na rua. 

Nossa candidata é ex-aluna e atual coordenadora do pré-vestibular da Rede Emancipa e faz parte de uma geração de ex-alunos que passaram pelas lutas de rua contra o bolsonarismo, pela formação da Escola Emancipa e que agora estão ocupando os espaços de coordenação e liderança.

Lalih teve 314 votos, numa candidatura de construção política, em uma cidade onde essa tarefa não é nada simples para a esquerda socialista. Todos os partidos de centro-esquerda locais fecharam na coligação com o atual prefeito, onde estava também o PSL, e que se reelegeu com 82% dos votos, enfraquecendo ainda mais possibilidade de construir alternativas à hegemonia da direita. Vale ressaltar que o prefeito reeleito é agora, juntamente com o  também reeleito prefeito do município vizinho, Duque de Caxias, uma das apostas prioritárias do projeto político de Bolsonaro no Estado.

Importante ressaltar que crime organizado tem muito poder na cidade, sendo portanto difícil garantir a segurança dos militantes. Apesar disso, conseguimos fazer uma campanha e oferecer uma alternativa de votar em alguém que de fato constrói a mudança na cidade e na região. No plano da construção, a campanha foi fundamental para impulsionar a organização das mulheres da cidade, abrindo grandes possibilidades para o trabalho de um feminismo popular, classista e predominantemente de mulheres negras e de idades variadas.  

Ainda assim, sabemos que é incipiente o nosso trajeto até aqui para a demanda que o território apresenta. Construir um programa para a Baixada significa lidar com contradições históricas e forças políticas burguesas poderosas, mas essa tarefa se apresenta como urgente e necessária. 

Neste sentido, a construção de um programa fruto de um amplo debate com atores locais que vislumbram uma transformação real na vida dos trabalhadores é uma prioridade: a construção de um feminismo popular, de uma frente em defesa da educação, de saídas concretas para o caos na saúde, o fim da exploração das empresas de ônibus que submetem a mobilidade urbana ao lucro, a luta contra a intolerância religiosa e etc, são alguns exemplos dos desafios que virão e o PSOL precisa ser uma ferramenta poderosa para a organização dessas lutas.

E foi, a partir dessa perspectiva, que demos início à organização de um núcleo de nossa corrente na região. O núcleo do PSOL “Baixada é Centro”, vem para galvanizar todos os esforços de luta que viemos realizando ao longo dos anos, organizar a militância combativa local  e preparar para os desafios que o futuro nos promete.

O Socialismo cresce!


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Pedro Micussi