Bolsonaro em uma espiral de novas crises

Bolsonaro em uma espiral de novas crises

Bolsonaro enfrenta novas crises e se precipitam choques sociais e políticos, arrastando setores sociais fundamentais, como os caminhoneiros, para um confronto.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 27 out 2021, 18:01

O último mês foi marcado por uma espécie de “empate” – resultado da ameaça golpista nas manifestações bolsonaristas de 7 de setembro e da resposta das manifestações opositoras de 2 de outubro –, que trouxe uma falsa aparência de estabilidade para o Palácio do Planalto. Depois das reações na superestrutura às manifestações golpistas e, sobretudo, da ameaça de paralisação de um setor de caminhoneiros nos dias seguintes, Bolsonaro sinalizou um recuo com a carta de Temer. Ao mesmo tempo, a dificuldade de mobilização da burguesia liberal e a organização de atos de tipo rotineiro em 2 de outubro consagraram a estratégia da oposição majoritária de apostar tudo na eleição de 2022. Como afirmou Roberto Robaina em artigo recente em nosso portal,

“(…) cresce a ideia de que as eleições devem ser o mecanismo da mudança de governo. Tal espírito se fortalece pela definição do PT, e de Lula em particular, de ter como eixo de atuação a eleição de 2022 e preferir enfrentar Bolsonaro. Por isso, os atos começam a ter até a aparência de atos eleitorais, ainda sem a presença do candidato principal, mas é uma aparência reforçada pelo fato de que nem mesmo passeata foi feita no caso da Paulista. Lula tem como eixo se movimentar na construção de alianças com setores burgueses para manter Bolsonaro isolado e se credenciar como o único capaz de estabilizar o capitalismo brasileiro”.

Como as contradições que movem o país são estruturais, as últimas semanas indicam uma transição, na qual, apesar da fraqueza do chamado às ruas, Bolsonaro é tragado novamente para uma dinâmica de crise. Precipitam-se choques sociais e políticos que colocam em questão as próprias decisões do governo, arrastando setores sociais fundamentais, como os caminhoneiros, para um confronto.

A CPI responsabilizou Bolsonaro e seu entorno

Nesta semana, a CPI da Covid-19 encerrou-se votando um relatório bastante detalhado que, com seus limites óbvios, comprova a participação do governo, da família Bolsonaro e do seu entorno numa política de morte deliberada, que resultou na perda de mais de 600 mil vidas. A CPI cumpriu um papel progressivo, ainda que tenha faltado aos setores majoritários da oposição convocar as ruas, aproveitando as brechas expostas e a ampla repercussão na mídia. Os dados levantados pela comissão não deixam dúvidas sobre os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e sua responsabilidade pela propagação da Covid-19 no país por meio da sabotagem das políticas preventivas de distanciamento e da compra de vacinas, além do estímulo ao uso de remédios ineficazes. Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de epidemia com resultado de morte; infração de medida sanitária; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade.

Ao todo, foram indiciadas 78 pessoas e duas empresas, por terem participado das práticas criminosas como as descritas acima, por corrupção nas negociações de insumos e imunizantes, pela difusão de notícias falsas, entre outros crimes. Em particular, foram dissecados pelo relatório fatos graves, como o descaso com a falta de oxigênio em Manaus e o estímulo ao uso de cloroquina pelo ministério da saúde, além das práticas de cariz nazista desenvolvidas pela empresa Prevent Senior em seus “estudos” sobre o uso de cloroquina, em coordenação com o “gabinete paralelo” criado para “assessorar” Bolsonaro em sua ofensiva contra medidas de isolamento.

Pressionado pelas acusações e com popularidade cadente, nas vésperas da divulgação do relatório, Bolsonaro apelou mais uma vez para sua estratégia distracionista, com novas declarações absurdas e criminosas, dessa vez relacionando as vacinas contra a Covid-19 ao risco de contrair AIDS, que levaram Facebook e Youtube a, pela primeira vez, suspender suas contas nas plataformas. Tudo isso reforça a necessidade da luta pelo impeachment e, mais ainda, pela prisão do presidente e de seus colaboradores mais diretos, responsáveis pelas mortes de centenas de milhares de brasileiros.

Guedes na corda bamba: “teto”, inflação e caminhoneiros assombram o governo

No afã de recuperar espaço e melhorar suas chances eleitorais, Bolsonaro e o centrão entraram em choque com a dita “ala econômica” com as propostas de suspensão de pagamentos de precatórios e de revisão do “teto” de gastos, levando à demissão dos principais membros do ministério de economia, em cuja cabeça segue um Paulo Guedes debilitado e desmoralizado. Os esforços eleitoreiros para ampliar o valor do Bolsa Família e atender ao clientelismo parlamentar com o pagamento de emendas, por outro lado, esbarram na impressionante escalada da inflação, em particular de alimentos, alugueis e dos preços dos combustíveis e gás de cozinha, que ampliam o desgaste popular do governo.

As novas medidas demagógicas de Bolsonaro chocam-se com as expectativas dos rentistas e dos “mercados”. A queda da bolsa, as expectativas de alta dos juros e as ameaças no colunismo ideológico ultraliberal mostram a característica profundamente reacionária e antipovo dessa poderosa fração burguesa que ofereceu apoio a Guedes e ao governo, mesmo quando este se dedicava a sabotar os esforços de combate à pandemia. As declarações vazadas do banqueiro André Esteves, a jactar-se de sua influência sobre personagens fundamentais do poder, revela o que está em jogo nas críticas em defesa do “arranjo fiscal”.

Enquanto a burguesia reclama do fim do “teto”, os problemas de fundo do país são a fome, a miséria, o desemprego e a incapacidade de resolvê-los. A desvalorização cambial, o derretimento dos salários e o aumento do preço dos combustíveis, com uma Petrobrás capturada aos interesses do rentismo, só agravam uma situação explosiva. As novas ameaças de greve dos caminhoneiros, esfolados com mais de 65% de aumento no preço do óleo diesel somente em 2021, mostram os riscos para o governo mesmo numa categoria em que o apelo do bolsonarismo é forte. Desnorteado e incapaz de resolver as múltiplas crises em que se envolve, Bolsonaro atira para todos os lados: ao mesmo tempo, reclama dos acionistas da Petrobrás e ameaça privatizá-la; afirma não haver razão para queixa com o governo, mas acena com o pagamento de um Bolsa Família-versão óleo diesel para os caminhoneiros tentando evitar a greve.

A oposição precisa entrar em campo

Enquanto Bolsonaro volta a ser tragado por múltiplas crises, as direções majoritárias da oposição reafirmam sua letargia, abandonando a construção do ato anteriormente marcado para 15 de novembro e apostando tudo na estratégia eleitoreira de Lula, que circula o país reunindo-se com os cacos de um regime apodrecido.

A oposição deveria ampliar sua pressão sobre o bolsonarismo, em vez de dar tempo e fôlego para que ele possa recuperar-se, inclusive retomando a via golpista caso suas possibilidades de reeleição sejam interditadas. É preciso coordenar as lutas em curso e apresentar propostas de fundo para solucionar a crise, com medidas para o combate à fome, ao desemprego e à inflação. Um passo concreto para a denúncia das mazelas brasileiras e do bolsonarismo será a marcha pela reforma agrária da FNL, que apontará na luta um programa de reforma agrária, garantindo terra e trabalho para a produção de alimentos para o povo. A marcha chegará no dia 15 de novembro a São Paulo.

Também é preciso acompanhar a mobilização dos caminhoneiros, tendo como reivindicação central a reversão da política de preços da Petrobrás, única forma de realmente baixar o preço dos combustíveis, conectando-a com a necessidade de ampliar o auxílio-emergencial de 600 reais para as dezenas de milhões de brasileiros desempregados, informais e em situação de pobreza.  


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Pedro Micussi