O fiasco da “terceira via”
Foto: Governo do Estado de São Paulo (Creative Commons)

O fiasco da “terceira via”

O fiasco da “terceira via” fortalece os dois principais polos em disputa, Lula e Bolsonaro. Mas é possível construir uma outra estratégia na esquerda, nas lutas e nas urnas, para derrotar o bolsonarismo.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 5 abr 2022, 18:57

A janela partidária terminou com uma intensa movimentação nas máquinas partidárias: cerca de um quarto dos deputados trocaram de partido, aproveitando a brecha na legislação eleitoral e aquecendo as negociações pragmáticas sobre espaços e dinheiro para campanha.

O final da janela foi especialmente tenso para os articuladores da chamada “terceira via”, uma composição de setores da centro-direita não bolsonarista que querem emplacar um nome competitivo no pleito de outubro. São Paulo é o principal terreno de disputa. Doria chegou a anunciar sua retirada e depois “desistiu” de desistir. Moro saiu do Podemos para ir ao União Brasil e viu sua filiação ser de imediato questionada. O ex-juiz declarou que não seria candidato à presidência e depois tentou retificá-la, dizendo tratar-se de uma “decisão momentânea”.

A estagnação da “terceira via” ocorre numa conjuntura em que a disputa eleitoral começa a ganhar corpo, com Bolsonaro apostando tudo na relativa recuperação das últimas pesquisas para garantir sua vaga no segundo turno. Os partidos afinados com o governo foram os que mais cresceram em números de deputados na janela partidária. Entretanto, a crise social contínua mantém a dinâmica aberta, ainda que com a nítida tendência à polarização.

A crise do PSDB é profunda e prolongada

O PSDB que, durante a Nova República, foi o principal partido eleitoral da burguesia, alternando-se no poder com o petismo, vive agora uma crise profunda, existencial. Os resultados de 2018 foram um golpe, deixando o partido muito minoritário no cenário nacional. Depois da derrota, os tucanos concentraram-se em manter o espaço conquistado em São Paulo, além de importantes governos estaduais como o do Rio Grande do Sul. Isso não estancou a crise, que alguns agora afirmam ser terminal, do projeto tucano.

Doria fez de São Paulo seu cartão postal e seu laboratório político. Após surfar a onda da extrema-direita com a identidade “Bolsodoria”, o governador tentou reposicionar-se para estar à cabeça da oposição, sem esconder seus desejos eleitorais. O desgaste com a gestão do “tucanistão”, contudo, falou mais alto. As prévias do PSDB foram marcadas por acusações e falta de legitimidade. Apesar da vitória de Pirro, Doria não sai consagrado como o real candidato. Os lances das últimas semanas só o debilitam mais, com parte da cúpula tucana apostando em Leite ou em algum arranjo com outros partidos como, por exemplo, o MDB de Simone Tebet, e uma parte dos quadros tucanos sinalizando apoio direto ou indireto à campanha de Lula.

Polarização eleitoral e concertação nacional

A consequência imediata da desidratação da “terceira via” é o fortalecimento dos dois principais polos em disputa: Lula e Bolsonro. Com a fragilidade de Doria e a saída Moro, o PL saiu forte da janela partidária, aproveitando-se também dos recursos milionários mobilizados pelo entorno de Bolsonaro.

Nos arredores da Faria Lima, onde os operadores do capital financeiro fazem suas apostas, a desidratação da “terceira via” já é tida como fato consumado, o que inevitavelmente favorece a polarização. Ainda que cercadas de indefinições, as hesitações de Moro e Doria indicam um caminho que pode ser sem volta, com a aproximação do início oficial da campanha.

Por outra parte, Lula sabe que há um setor da burguesia que não aceita Bolsonaro e que, com os descaminhos da centro-direita, pode acabar reforçando sua proposta de governo de unidade nacional. Os gestos feitos pela aproximação a Alckmin vão nessa direção, como mostram as filiações ao PSB de figuras oriundas do ninho tucano como Carlos Brandão (pré-candidato no Maranhão) e Dario Berger (pré-candidato em Santa Catarina), que participaram do anúncio de ingresso ao partido do provável vice de Lula.

A linha de Lula será neutralizar todas as alternativas de esquerda não lulistas. E, assim, seu governo deverá ser ainda mais comprometido com os interesses das classes dominantes do que após a vitória eleitoral de 2002.

Como derrotar Bolsonaro nas ruas e nas urnas?

Há duas estratégias em andamento na esquerda: a de Lula é esperar o processo eleitoral em “normalidade”, visto que foi o PT que esfriou as manifestações pelo “Fora, Bolsonaro” no ano passado. Mas há outra estratégia para enfrentar Bolsonaro, seus ataques e o risco do golpismo: impulsionar um movimento plural e de ruas, que se expresse também nas urnas também. Essa é a orientação que vamos levar ao debate na conferência eleitoral do PSOL.

É possível ver em curso várias lutas parciais, que não conseguem ter um alcance mais geral, mas que são importantes porque demonstram a insatisfação social no país, como as greves dos municipários de Guarulhos, dos garis do Rio de Janeiro, dos municipários de Piracicaba (SP), entre outras. Tais lutas poderiam ser um importante ponto de apoio para ampliar um movimento contra a carestia, dialogando inclusive com setores que ainda estão na esfera de audiência do bolsonarismo, e construir um amplo movimento democrático: Bolsonaro nunca mais!


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