Proibição da cannabis medicinal no Brasil é ‘irracional’, diz especialista
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Proibição da cannabis medicinal no Brasil é ‘irracional’, diz especialista

Regulamentação do plantio e da produção de medicamentos com componentes da maconha foi discutida em audiência promovida por Sâmia Bomfim

Mandato Sâmia Bomfim 3 jul 2023, 10:41

Foto: Leandro Rodrigues/ASCOM-Sâmia Bomfim

Representantes de associações da sociedade civil e especialistas defenderam a legalização do plantio de cannabis para uso medicinal, em audiência na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR) da Câmara, na última quinta (29). A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que solicitou o debate, anunciou que pretende agendar uma reunião com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) para sensibilizá-lo para o tema, além de recolher assinaturas para a criação de uma frente parlamentar mista sobre o assunto.

Presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Rafael Arcuri considera que, do ponto de vista regulatório, econômico e político, a manutenção da proibição da cannabis medicinal no Brasil é “irracional”. Ele ressaltou que, atualmente, há diferentes formas de acesso ao medicamento, inclusive pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de vários estados, mas o cultivo ainda está vedado de forma expressa.

 “Podemos importar e vender de diferentes formas, temos uma indústria se estabelecendo, um comércio que cresce 100% ao ano, mas não temos a possibilidade de produção nacional desses insumos”, afirmou.

Arcuri lembrou que, nos Estados Unidos, a produção do cânhamo industrial é legalizada desde 2018. Na Argentina, Equador, Uruguai, Colômbia, por exemplo, o cultivo também é permitido. Na América Latina, o Brasil é um dos poucos países que ainda não regulamentaram o plantio para fins medicinais.

O coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri, afirmou que o tema sequer vinha sendo discutido pela pasta no governo passado. Agora, o órgão já começou a analisar os diversos projetos que tramitam no Congresso e tem discutido a incorporação desses medicamentos no âmbito nacional no SUS, o que significa a necessidade de rever protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

Em 2021, uma comissão especial da Câmara aprovou o Projeto de Lei 399/15, que prevê autorização para o plantio da cannabis destinada a tratamentos de doenças como epilepsia, esclerose múltipla, alzheimer e parkinson, além do uso veterinário e industrial. O desafio, segundo Cariri, é incorporar não apenas uma substância, mas uma planta com várias formulações possíveis de resposta clínica, discutindo custos, financiamento e própria metodologia de produção.

Cidinha Carvalho, que preside a Cultive Associação de Cannabis e Saúde, contou o caso de sua filha, portadora da Síndrome de Dravet, uma condição rara e perigosa que provoca convulsões severas por mais de uma hora. A mãe de Clárian se tornou militante da causa em 2013, quando conseguiu ajuda para importar o óleo de canabidiol, desde então, o quadro da filha teve uma melhora excepcional.

Hoje, Cidinha tem autorização judicial para fazer o próprio cultivo e fundou a associação com intuito de doar o óleo excedente, oferecendo cursos sobre a extração e benefícios do produto. Para que o medicamento seja incorporado pelo SUS, ela defende que os produtos sejam certificados, testados e fiscalizados por uma agência reguladora autônoma, tendo em vista que a importação traria um alto custo aos cofres públicos.

Para o professor do departamento de química da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Diogo de Oliveira Silva, as instituições de ensino podem dar suporte técnico-científico para o Ministério da Saúde sobre o uso da cannabis medicinal, pois esse conhecimento já existe. O pesquisador destaca que o consumo medicinal é uma realidade mundial e a grande questão é como o Brasil vai querer se posicionar: 

“Se vai querer continuar atrasado nesse sentido ou se vai querer se colocar como protagonista, tendo em vista o potencial que tem, pelo tamanho, pela localização, pela capacidade técnica e por tudo que as associações vêm desenvolvendo. Esse é um conhecimento consolidado, já está aí, e a universidade está à disposição”.

Sâmia apontou que alguns pacientes conseguem acesso ao medicamento importado pelo SUS após judicializar a questão, caminho que acaba onerando o sistema. A deputada questionou ainda a forma que o Congresso tem se esquivado do assunto, condicionando que o progresso inevitável dessa discussão se dê via Judiciário, especialmente com a descriminalização do porte de maconha entrando na pauta do STF. 

“Não se trata de ativismo judicial, mas de responsabilidade com um tema que está escrito na Constituição Federal. Tomara que avance e, aí sim, seria uma ‘porta de entrada’ – aproveitando o jargão que gostam de usar contra a gente – para outros direitos e avançar na regulamentação global e geral da maconha”.

Como regular a Cannabis: um Guia Prático

Esse é o título da publicação lançada na terça (27) em um evento também promovido na Câmara pelo mandato de Sâmia Bomfim – dessa vez, na Comissão de Legislação Participativa, em parceria com a Plataforma JUSTA. Originalmente produzido pela organização britânica Transform Drug Policy Foundation (TDPF), o guia agora conta com a versão em português e sistematiza os principais aprendizados decorrentes das experiências de regulação da cannabis já colocadas em prática ao redor do mundo, apontando os acertos e gargalos vivenciados.

Na ocasião, a deputada disse que a atual política antidrogas fracassou: 

“Quais são as principais vítimas daquilo que nós chamamos de guerra às drogas hoje no Brasil?”. 

Segundo a parlamentar, esse modelo tem acarretado o “hiperencarceramento” de pessoas pretas, principalmente moradores das regiões periféricas. Ela defende que a regulação deve, necessariamente, prever a reparação às vítimas desse sistema: “muita gente foi e está sendo massacrada por algo completamente algo injusto e perverso”.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, também esteve presente e defendeu a liberação do plantio: 

“Precisamos pensar como poderemos, quando aprovado o PL, ter a agricultura familiar nesta produção. Hoje no Brasil, há famílias, grupos de famílias de pacientes, atuando na produção de cannabis para uso medicinal”.

Já a secretária de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, Marta Machado, acrescentou que, para chegar na questão do abuso de substâncias, “há uma série de questões que precedem de acesso a direitos, à moradia, a trabalho e à renda”, o que provoca o sofrimentos das pessoas e as levam ao uso desmoderado das drogas.

Entre os participantes do lançamento, estava o analista sênior da TDPF, Steve Rolles, mestre em Estudos do Desenvolvimento pela Universidade de Manchester e um dos autores do guia.


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Pedro Micussi