A derrota dos planos de Bolsonaro começa por justiça para Marielle

É imperativo a articulação de um movimento democrático nas ruas que lute para bloquear a pauta reacionária de seu futuro governo.

Bernardo Corrêa 26 nov 2018, 15:07

A vitória eleitoral de Bolsonaro impõe a necessidade de articulação de um movimento democrático nas ruas que lute para bloquear a pauta reacionária de seu futuro governo. A defesa das liberdades democráticas e a luta contra a retirada de direitos, a exemplo da luta contra a reforma da previdência, serão o eixo de nossa atividade no próximo período.

No interior do que chamamos esquerda, incluindo a esquerda combativa, a esquerda adaptada ao regime e os movimentos sociais há uma importante polêmica sobre qual a pauta que unifica esta frente democrática e define sua amplitude.

Por um lado, embora a prisão de Lula tenha sido parte da manobra para tirá-lo do jogo eleitoral, os setores petistas envolvidos em esquemas de corrupção e desmoralizados frente ao movimento de massas, atuam sobre elementos confusos hierarquizando a palavra de ordem “Lula Livre” e a liberdade de Lula como o eixo ordenador de qualquer unidade. Para isso impõem Lula e o PT como a principal liderança do movimento democrático. Por outro, temos o acúmulo do movimento de mulheres e jovens que se expressou no “Ele Não”, assim como nas manifestações do segundo turno das eleições e, posteriormente, na resistência das universidades, nas paradas LGBT+, entre outras.

Tais movimentos definem a amplitude da unidade de ação com base na defesa das liberdades democráticas e dos parcos direitos conquistados pela Constituição de 1988, o que evidentemente não pode limitar-se às fronteiras da frente popular e, tampouco, subordinar-se à liderança de Lula, sob pena de um isolamento social da esquerda e a perda de conexão com um amplo setor de massas que apoiou Bolsonaro, mas não é fascista.

A confusão entre as táticas de unidade de ação e frente única defensiva é o que permite que a estratégia petista sobre os outros setores da esquerda confunda tantos militantes. É o que promove, por exemplo, a falácia de que Ciro Gomes deve ser atacado como um adversário do movimento democrático contra Bolsonaro, por não aceitar a liderança de Lula e afirmar sua independência do PT. É verdade que Ciro fugiu à sua responsabilidade histórica no segundo turno, assim como FHC e outros políticos burgueses. Mas seria correto dizer que ações em defesa de qualquer retrocesso nas liberdades democráticas previstas na Constituição de 1988 devam prescindir de Ciro ou FHC? Aqui está o ponto chave. O programa que define a unidade de ação não é estratégico, senão somente faríamos unidade com socialistas revolucionários. Será que isso bastaria para derrotar Bolsonaro, sua ideologia fascista e sua política ultraliberal? Obviamente não.

Indignado, o burocrata sindical petista saltaria: Ah! Então vocês querem que Fernando Henrique Cardoso e políticos burgueses “democráticos” estejam conosco nas greves contra a reforma da previdência?! Claro que não! Dizemos nós. Além de uma unidade de ação ampla e policlassista na defesa das liberdades democráticas necessitamos constituir uma frente única com as organizações de classe para defender os direitos dos trabalhadores. No entanto, tampouco esta frente tem contornos estratégicos.

O PT nunca teve uma estratégia socialista revolucionária. Governou por 13 anos o país a serviço de frações burguesas e sofreu um transformismo irreversível. Como resultante dessas pressões, sua direção incorporou-se organicamente às classes dirigentes e passou a formar uma nova elite. Por sua vez, a burocracia sindical abandonou há muito a estratégia socialista de luta pelo poder para os trabalhadores. Limita-se à defesa de um capitalismo “de cara humana” por meio da conciliação de classes. Por isso seu conteúdo também é tático em uma correlação de forças na qual os revolucionários não possuem ainda hegemonia sobre o movimento real dos trabalhadores, mas há uma diferença de qualidade.

Se uma tática de ampla unidade de ação em defesa das liberdades democráticas aproveita-se de contradições existentes no interior das classes dominantes em torno de qual regime político permite sua própria dominação, a tática de frente única aproveita-se das contradições existentes no movimento dos trabalhadores, especialmente, da contradição entre sua direção aburguesada e a massa dos explorados. No primeiro caso estão em jogo as condições de luta pelo poder, no segundo, a luta pela direção política do movimento para a tomada do poder. Em ambos os casos a independência de classe é fundamental, “golpeamos juntos, mas marchamos em separado”.

Por isso mesmo, é fundamental a definição das melhores palavras de ordem tanto para barrar qualquer tentativa de fechamento do regime, quanto para a defesa da classe e a construção de uma direção consequente já que “A luta contra o fascismo não está isolada. O fascismo é apenas um clube nas mãos do capital financeiro. O propósito de esmagar a democracia proletária é aumentar a taxa de exploração da força de trabalho”, como bem definiu Trotsky.

Intensificar a campanha por Justiça para Marielle Franco

A memória e a luta de nossa companheira são um patrimônio de todas e todos aqueles que lutam por igualdade de direitos, contra o genocídio nas favelas, em defesa das mulheres, da negritude, das LGBTs, dos trabalhadores e explorados deste país. Marielle é símbolo das lutas democráticas de alta intensidade do último período. Fazer justiça à sua morte – através da revelação dos mandantes, dos responsáveis e das motivações – é batalhar para que estas bandeiras possam seguir sendo erguidas, sinalizando que não há tolerância neste período com crimes políticos desta ordem. Responder às perguntas “quem matou e por quê?” é resistir à naturalização deste tipo de crime, num período onde a criminalização das lutas sociais pode se acirrar. Ao mesmo tempo, a ideia de licença para matar por parte das polícias e suas bandas paralelas se fortalece à medida que um crime contra uma vereadora cai também na impunidade. A luta contra os contornos repressivos do futuro governo Bolsonaro se trava desde já sob essa bandeira. Dessa forma, é muito importante que o conjunto do partido se empenhe na busca por “Justiça para Marielle Franco”.

Necessitamos construir a mais ampla unidade democrática nas ruas com todos aqueles que se enfileiram na defesa das conquistas sociais e defesa das liberdades democráticas inscritos na Constituição de 1988, diga-se de passagem, já bastante desfigurada por sucessivas emendas reacionárias. Defendemos também a aliança com aqueles que lutam pelos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, das mulheres, das LGBTs, da negritude, dos indígenas e do conjunto do povo.

Cabe as organizações da classe trabalhadora, centrais sindicais e sindicatos combativos articular atividades unitárias contra a retirada de direitos perpetrados pelo governo Bolsonaro. E necessitamos construir uma ampla rede de proteção e solidariedade em torno dos que lutam e em defesa das organizações de classe, da juventude, dos movimentos sociais, como MST e MTST. Essa unidade democrática deve ser construída também a partir das bases, mantendo nossa independência política frente à burguesia e também aos partidos reformistas, contra as medidas de Bolsonaro.

Para isso, se por um lado necessitamos buscar a mais ampla unidade nas ruas, não podemos nos eximir de fazer o balanço crítico do PT e de sua grande responsabilidade – notadamente o principal partido da esquerda brasileira e que governou o país praticamente na última década e meia. E como resultante deste balanço, torna-se imperativo afirmar o PSOL como alternativa independente, com perfil político e programa próprio.

Postular o PSOL como alternativa na construção de uma “nova esquerda”

O resultado eleitoral do PSOL em estados importantes da federação e a ampliação de suas bancadas também coloca a possibilidade de um salto na sua intervenção política. Para isso, é importante que reforcemos as fileiras do nosso partido. Nas últimas semanas, diante de uma conjuntura tão negativamente desafiadora e da força política do PSOL, centenas de ativistas buscaram nosso partido para se filiar. Devemos organizar uma sistemática campanha de filiação ao PSOL.

Há, ainda, muito espaço para defender as pautas sociais, democráticas e radicais que o PSOL vocaliza. É urgente reforçar e ampliar o trabalho de base, construindo nos territórios uma atividade cotidiana e consistente que ajude a elevar o nível de consciência e a auto-organização dos explorados e oprimidos.

Mas para darmos conta de intervir nesta nova realidade, muitíssimo mais defensiva, precisamos ampliar nossa capacidade organizativa. É preciso reforçar a potência de nosso partido com o que ele tem de melhor, sua força militante. Necessitamos integrar ainda mais a intervenção militante, a atividade parlamentar e a direção partidária; realizar reuniões periódicas da executiva; aprimorar uma maior comunicação com a militância e seus setoriais; buscar pontos de unidade para intervenção comum junto aos distintos movimentos como o de juventude, mulheres, negritude, sindical. Somente reforçando as instâncias de debates democráticos e de deliberação de nosso partido que lograremos a necessária unidade na defesa de um programa democrático, de luta e radical para este período – sem abandonar a capacidade de diálogo com outros setores e forças políticas à esquerda.

Pontos para um programa

Considerando a luta por justiça para Marielle como a tarefa central do próximo período, junto com a luta contra a reforma da previdência, hierarquizamos abaixo outros pontos que devem orientar a ação política de nosso partido, vinculado a reorganização da esquerda ligada à luta dos trabalhadores.

a) Justiça para Marielle

b) Defesa dos direitos sociais dos trabalhadores e das trabalhadoras. Abaixo à contrarreforma da Previdência, o plano econômico ultraliberal de Guedes/Bolsonaro; contra as privatizações; em defesa do emprego e do salário e pela soberania nacional;

c) contra a perseguição, prisão e criminalização dos líderes da resistência social, política e sindical;

d) Defesa da Amazônia, dos direitos dos povos indígenas e contra as multinacionais e a venda de nossos recursos naturais;

e) Em defesa da autonomia das universidades, da educação pública e do direito à pesquisa, ensino e extensão. Abaixo a Escola com mordaça, o verdadeiro sentido do projeto mentirosamente chamado Escola sem Partido.

f) Taxação das grandes fortunas, dividendos e heranças. Que os mais ricos paguem pela crise!

g) Lutar pela auditoria da Dívida e suspensão do seu pagamento.

h) Lutar para disputar a pauta do combate à corrupção com a direita. Amplos setores deram um giro eleitoral por conta da abordagem do tema pela candidatura Bolsonaro, é necessário disputar essa consciência.

Definitivamente “Lula Livre” não será a bandeira que unifica amplos setores da sociedade brasileira em torno deste programa e deste calendário. O hegemonismo do PT já levou o movimento de massas a inúmeras derrotas. A começar pela política reativa às Jornadas de Junho de 2013, em seguida a negativa em chamar Eleições Gerais frente à iminência do golpe parlamentar de 2016 e, novamente, em 2018 na campanha eleitoral chamando o povo a “ser feliz de novo” frente ao crescimento da extrema direita. Não podemos errar de novo, sob pena de amargar uma nova derrota de caráter ainda mais profundo para a classe trabalhadora brasileira.

Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.


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