Daniel Bensaïd (1946-2010)

Segundo artigo da série de obituários sobre o pensador marxista francês.

Alex Callinicos 22 jan 2019, 19:30

A triste ladainha de mortes de intelectuais marxistas da geração dos anos 1960 continuou. O filósofo e ativista francês Daniel Bensaïd – uma das grandes figuras a emergir da rebelião dos estudantes e dos trabalhadores de maio-junho de 1968 – faleceu em 12 de janeiro aos 63 anos.

Daniel era de um pequeno grupo de ativistas que, rebelando-se contra o conservadorismo do Partido Comunista Francês, rompeu com sua organização de juventude em 1966 para formar a Jeunesse Communiste Révolutionnaire (JCR). A JCR desempenhou um papel de liderança no movimento estudantil em 1968. Seguiu em frente formando o núcleo da Liga Comunista Revolucionária (LCR), a força mais importante na extrema esquerda da França que há um ano lançou o Novo Partido Anticapitalista (NPA).

Em sua autobiografia, Daniel descreveu vividamente sua formação centrada no modesto bistrô que seus pais administravam em um bairro operário de Toulouse com uma forte cultura política comunista. Essas raízes talvez ajudem a explicar seus grandes dons como um comunicador mesmo quando ele estava se envolvendo com os mais esotéricos conceitos e temas filosóficos.

A grande retomada das lutas dos trabalhadores no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 encorajou dezenas de milhares de jovens em todo o mundo a se juntarem a organizações socialistas revolucionárias. Em um livro escrito com Henri Weber, Daniel chamou Maio 1968 ‘um grande ensaio’ para a revolução por vir. Ele articulou o senso de urgência de sua geração, o que ele mais tarde chamou de “impaciência revolucionária”, declarando: “A história está respirando sobre o nosso pescoço.”

Por muitos anos depois de 1968, Daniel trabalhou em tempo integral para a LCR e para a corrente internacional trotskista da qual ela era a seção francesa, a Quarta Internacional. Ele viajou muito na América Latina e desempenhou um papel importante na fundação do Partido dos Trabalhadores no Brasil.

Essa influência continuou nos últimos anos. Me lembro dele colocando de pé um público vibrante de socialistas brasileiros no Fórum Social Mundial às vésperas dos grandes protestos anti-guerra em 2003, com um tremendo discurso denunciando o neoliberalismo e o imperialismo e apontando para os novos movimentos de resistência que estavam surgindo.

Muitos da geração dos anos 1960 abandonaram a política revolucionária uma vez que suas esperanças de rápidas mudanças foram decepcionadas. Daniel não. Como professor de filosofia na Universidade de Paris 8 (St Denis), ele escreveu uma série de trabalhos dedicados ao desenvolvimento de uma versão do marxismo que, apesar de inflexível em sua crítica ao capitalismo, era sensível às complexidades e incertezas da história.

Talvez os mais importantes da impressionante gama de livros que ele escreveu eram os ensaios reunidos em La Discordance des temps e Marx, o intempestivo (publicado primeiramente no mesmo ano e em inglês em 2003). Daniel foi profundamente influenciado pelo grande crítico marxista alemão Walter Benjamin. Benjamin via a história como uma catástrofe e a revolução como uma súbita, violenta, interrupção do curso normal dos acontecimentos.

Embora ele tenha se retirado da liderança central da LCR em meados da década de 1990, Daniel permaneceu profundamente engajado politicamente. Ele foi um dos mais fortes defensores do impulso para fora da LCR expresso nas bem-sucedidas campanhas de Olivier Besancenot para as eleições presidenciais de 2002 e 2007 e no lançamento do NPA.

Nos últimos anos, Daniel estava particularmente preocupado em educar uma nova geração de ativistas na tradição marxista. Ele escreveu vários ensaios importantes sobre a estratégia revolucionária e o “novo internacionalismo” representado pelos movimentos anticapitalistas e antiguerra. Lançou também o jornal teórico ContreTemps, que agora é vinculado ao NPA.

Daniel conseguiu tudo isso enquanto lutava contra graves doenças nos últimos 15 anos de sua vida. Foi de sua cama de hospital que, nos últimos meses, ele organizou uma grande conferência sobre a ideia de comunismo que ocorrerá em Paris no final deste mês. Sua fragilidade física era contraditada pelo sentido que ele transmitia de uma vontade imensamente forte, por sua rica e profunda voz e pelo árido humor que informava tanto sua conversa pessoal quanto sua fala em público.

Ele era um tremendamente eloquente orador e escritor. Seu camarada Pierre Rousset colocou muito bem quando me disse uma vez que Daniel escreveria a respeito de algo, mas, através das imagens vívidas que ele usava, conseguia evocá-lo com muito mais eficácia do que se ele tivesse escrito mais diretamente sobre aquilo.

A morte de Daniel Bensaïd, como a de Chris Harman, apenas dois meses antes, despoja o marxismo revolucionário de uma de suas mais fortes e criativas vozes. Sua influência seguirá viva em seus escritos, nos registros que sobrevivem de seus discursos e em como tanto suas palavras como seu exemplo ajudaram a formar gerações de militantes ao redor do mundo.

Isso não diminui a dolorosa perda que sua parceira Sophie, sua família e amigos e seus companheiros sofreram. Nossas simpatias e solidariedade vão para eles.

Artigo originalmente publicado no site do Socialist Workers Party. Tradução de Pedro Barbosa, da Comuna (PSOL), a partir da versão disponibilizada em marxists.org.


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