Alerta “laranja”: crise no PSL sinaliza dificuldades de Bolsonaro

Após voltar do hospital para comandar o governo, Bolsonaro viu-se diante da pior crise nos quase 50 dias à frente do Palácio do Planalto.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 18 fev 2019, 23:11


Após voltar do hospital para comandar o governo, Bolsonaro viu-se diante da pior crise nos quase 50 dias à frente do Palácio do Planalto: Gustavo Bebianno – um de seus principais articuladores, ministro da Secretário-Geral da Presidência e peça-chave na campanha eleitoral – foi relacionado a esquema de movimentação de recursos de campanha do PSL para candidatas laranjas. A reportagem da Folha de São Paulo desnudou o esquema do PSL, a partir de Pernambuco, com fatos incontestáveis. Nesse caso, o jornalismo investigativo cumpriu um papel importante para identificar irregularidades profundas no entorno presidencial, que se somam às graves acusações anteriores sobre a campanha de Bolsonaro, como o uso de recursos não declarados de empresas na contratação de disparos massivos de mensagens de whatsapp e as transferências de recursos de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e relacionado a milicianos cariocas, para o filho e para a esposa do presidente. 

O coordenador de campanha de Bolsonaro protagonizou um bate-boca via redes sociais com o clã Bolsonaro, levando sua crise para o centro do governo, gerando dúvidas e boatos pela imprensa. Na semana em que se preparava para voltar à cena e encomendar a proposta de reforma da previdência, o governo teve que desviar sua atenção para contornar a crise no PSL e no gabinete presidencial. Tal crise só evidenciou mais o despreparo de Bolsonaro, que se colocou num impasse: ou demitia o ministro e abria espaço para eventuais retaliações de um profundo conhecedor dos bastidores e manobras do bolsonarismo ou mantinha um ministro a quem chamou de mentiroso, expondo sua fragilidade diante de Bebianno. 

Após dias de impasses e idas e vindas, marcadas por declarações ameaçadoras de Bebianno à imprensa por meio de “interlocutores”, nesta segunda-feira, o presidente anunciou a demissão do ex-coordenador de campanha. Em vídeo anunciando a demissão, Bolsonaro elogiou o ex-ministro e o papel que cumpriu na campanha eleitoral, dizendo que pode ter havido “incompreensões de parte a parte”. Com a demissão de Bebianno, mais um general do Exército, Floriano Peixoto, assume posto no primeiro escalão do governo. A semana começa com a certeza de que a crise atrapalha a coesão dos planos da extrema-direita e de que o governo de Bolsonaro tem grandes dificuldades de operação.

Uma crise no coração do PSL

A publicação da reportagem da Folha sobre as candidaturas laranjas no domingo, dia 10 de fevereiro, caiu como uma bomba no ninho do bolsonarismo e na legenda que abriga seus parlamentares, o PSL. Bebianno, como presidente do PSL, operou a doação de R$ 400 mil para uma candidata em Pernambuco, Maria de Lourdes Paixão, que obteve apenas 274 votos. Uma segunda reportagem aferiu o valor de R$ 250 mil, enviados pelo mesmo Bebianno, para a campanha de uma ex-assessora que teria, ainda segundo o jornal, declarado ter utilizado a maior parte do recurso numa gráfica de fachada. O papel cumprido pela Folha de levar adiante esta investigação demonstra também a fissura entre o núcleo do governo e alas importantes da mídia tradicional.

A notícia espalhou-se, popularizando o caso das “laranjas” do PSL, levando Bebianno a ficar na defensiva. Tentando se aferrar à relação com o presidente, Bebianno por meio das redes sociais, afirmou que estava em contato com Bolsonaro e estaria “tranquilo”. Carlos Bolsonaro interveio, chamou o ministro de mentiroso e pediu sua cabeça. Jair Bolsonaro chegou a afirmar que gostaria de vê-lo fora do Planalto antes mesmo de retornar a Brasília. O outro detonador da crise teria sido o vazamento de áudios em que Bolsonaro atacava Bebianno por tentar marcar um encontro com executivos do Grupo Globo, tratado pelo clã Bolsonaro como “inimigo”.

As opiniões dividiram-se. Parte dos parlamentares do partido, Rodrigo Maia, Mourão e a ala militar pediram calma, com temor de uma implosão diante das ameaças veladas que Bebiano começara a fazer. Na queda de braço, interlocutores do governo ofereceram uma saída honrosa para o ex-ministro, cogitando entregar um cargo bem remunerado em Itaipu ou a embaixada em Roma em troca da “calma”.

O PSL, como projeto político e parlamentar, expressa o despreparo do próprio Bolsonaro. Janaína Paschoal defendeu Bebianno, assim como o desprestigiado líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, e outros personagens partidários. Duas crises menores já tinham sido experimentadas pela bancada do PSL, na visita de comitiva à China e na indicação do líder na Câmara. As divisões num partido sem qualquer consistência programática, composto por arrivistas de extrema-direita que ingressaram no Parlamento apoiando-se na onda eleitoral bolsonarista, levantam dúvidas sobre até onde vai a lealdade de seus membros ao presidente e a seu governo.

O caso dos laranjas ainda envolve o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, até aqui preservado. Antônio é o principal dirigente do PSL em Minas Gerais, tendo sido campeão de votos no estado. O epicentro da crise em Pernambuco deixa na berlinda Luciano Bivar, atual presidente do partido e deputado federal, figura conhecida da casta política e do mundo da corrupta cartolagem esportiva.

O clã Bolsonaro: agressividade, despreparo e soberba

Novamente, foi o “clã” que entrou em campo para resolver o tema. Carlos Bolsonaro chamou para si o desmentido de Bebianno. Mourão disse que “rapaziada” precisava se acalmar. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, também interveio nas redes sociais para defender a família, reafirmando o afastamento de Bebianno.

Há uma disputa de poder no governo. O improviso de Bolsonaro começa a ser percebido por parte dos aliados. Ainda gozando de prestígio e carisma, contudo, seu núcleo mais direto, o clã familiar, é uma fonte permanente decrises, com a intromissão dos filhos parlamentares em assuntos governamentais e com sua produção diária de declarações reacionárias e estúpidas, que lançam confusão no governo.

O senador Flávio Bolsonaro tem tido um lugar discreto, após o escândalo dos depósitos de Queiroz, da nomeação de funcionários fantasmas e de familiares de milicianos na ALERJ. Sem nenhuma das questões levantadas pelo Ministério Público ter sido resolvida, diante do aparecimento de seu vínculo com milícias, o caso segue em aberto. Recordemos que um dos milicianos homenageados pelo gabinete de Flávio, quando deputado estadual, segue foragido.

A divisão no PSL e a exposição do partido ao escândalo das candidaturas têm alimentado rumores, desde o final de semana, de que o clã e seu entorno mais próximo estariam avaliando mais uma migração para nova legenda. Desta vez, seria a nova UDN (União Democrática Nacional, inspirada na sigla do século XX), em fase de criação.

Reforma da previdência: ordem unida no andar de cima

O bate-boca geral no governo multiplicou a desconfiança sobre a capacidade de Bolsonaro, ampliou o curto-circuito nas hostes da extrema-direita e atrasou as articulações para a apresentação da primeira versão do projeto de reforma da previdência.

Consenso entre as diferentes frações da burguesia e da grande mídia, a reforma da previdência começa a ser discutida sem que o governo tenha uma articulação forte no Congresso. Os desacertos da última semana custaram tempo, ao mesmo tempo em que o líder do governo na Câmara apontado por Bolsonaro, o novato Major Vitor Hugo, tem recebido ataques de deputados de seu próprio partido, o PSL, e de outros partidos da base, que o apontam como incapaz e sem legitimidade para liderar os parlamentares governistas.

O chamado à “racionalidade”, por parte de Maia e dos militares, busca ganhar tempo e terreno para entrar em campo na luta pela aprovação do projeto da reforma da previdência. Essa é a agenda para superar a crise dos laranjas e recolocar na ofensiva contra o povo o centro da ação política em Brasília. Espera-se que o próprio Jair Bolsonaro vá ao Congresso na quarta-feira apresentar o projeto da reforma. Ao mesmo tempo em que, com o gesto, o presidente busca recuperar iniciativa, sua identificação direta com a reforma tende, paulatinamente, a fazê-lo perder popularidade, dada a insatisfação popular com o ataque às aposentadorias.

Da parte dos movimentos sociais, algumas articulações iniciais, como plenárias nacionais de servidores e o ato marcado pelas centrais para o dia 20 em São Paulo, dão conta de que é preciso organizar e disputar a defesa da previdência pública. O exemplo a ser seguido é a greve dos municipários da capital paulista, que seguem na luta há meses contra a reforma da previdência municipal.

Seguir construindo a oposição ao projeto de Bolsonaro

O PSOL polarizou o plenário da Câmara sobre o caso dos “laranjas”, denunciando as manobras da campanha de Bolsonaro e exigindo a presença de Bebianno para explicar-se diante dos deputados. Com a apresentação da reforma da previdência, é preciso ampliar a capacidade política e organizativa da oposição, ainda desorganizada no Parlamento e na sociedade.

A denúncia dos absurdos e das fakenews da extrema-direita ao redor de Bolsonaro deve estar articulada com a exigência imediata de investigações e esclarecimentos sobre o caso Queiroz e os vínculos do ex-assessor e do clã Bolsonaro com as milícias cariocas. Em particular, é preciso exigir a conclusão das investigações do assassinato de Marielle Franco. Ao longo do mês de março, uma série de manifestações levará adiante seu exemplo e suas lutas, como no dia internacional das mulheres em 8 de março e nos atos de 14 de março, quando se completa um ano de seu assassinato sem que os executores e mandantes tenham sido punidos. Lutar por justiça para Marielle e Anderson é parte fundamental da luta contra o governo reacionário, antipopular e antinacional de Bolsonaro.


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Pedro Micussi