Nova onda feminista: o papel estratégico da luta das mulheres

Sobre a atual onda feminista, seus aspectos, seu contexto de desenvolvimento e seu impacto nas diferentes esferas da vida cotidiana.

Nathalie Drumond 12 mar 2019, 09:28

Não aceito mais as coisas que não posso mudar,
estou mudando as coisas que não posso aceitar
(Angela Davis)

Nós que acreditamos na Liberdade
não podemos descansar
até que ela seja alcançada!
(Ella Baker)

#ELesNão

Na noite do dia 5 de fevereiro deste ano, Donald Trump cumpriu um rito comum a todos os presidentes dos Estados Unidos: fez seu discurso sobre o “estado da União”[1] em uma sessão conjunta que reuniu deputados e senadores. Trump usou este encontro anual para, principalmente, pressionar os congressistas a aprovarem a construção de um muro na fronteira com o México, afim de impedir a entrada de imigrantes – polêmica que praticamente paralisou o governo norte-americano nos últimos meses. O teor anti-imigrante de seu discurso já era algo esperado. Mas a cobertura da imprensa deu destaque para outro fato importante: a presença de dezenas de congressistas mulheres vestidas de branco assistindo ao pronunciamento do presidente. Enquanto as câmeras da imprensa cobriam o discurso de Trump, o que mais saltava aos olhos era o aglomerado de mulheres na plateia praticamente brilhando – resultado do contraste de suas roupas.

A escolha da cor branca tinha como objetivo homenagear as sufragistas, movimento emblemático da luta das mulheres em sua primeira onda, mais de um século depois. Além da homenagem a um dos movimentos precursores do feminismo, as mulheres queriam dar um recado a Trump: contra a barbárie, as mulheres defenderão a vida. Em 6 de fevereiro de 1918, as mulheres conquistaram o direito ao voto no Reino Unido. Um ano depois, o mesmo direito foi conquistado nos EUA. Cem anos e muitas lutas mais tarde, o Congresso americano reúne um número recorde de mulheres eleitas (negras, muçulmanas, latinas). Uma parte significativa dessas congressistas – especialmente oriundas da sua ala democrata – decidiu comparecer ao discurso vestindo branco: uma forma de homenagear a luta das mulheres, mas também de contrastar com o discurso mórbido de Donald Trump. Uma dessas congressistas que mais têm se destacado é Alexandria Ocasio-Cortez, oriunda do Bronx, de origem porto-riquenha, ativista da ala radical do Partido Democrata e parceira de nossa organização-irmã, o DSA (Democratic Socialists of America).

Já no Brasil, temos um presidente que em muitos aspectos se assemelha com o comandante-em-chefe americano. Digamos que ambos poderiam ser denominados como populistas ultraconservadores, ainda que o regime político destes países guarde diferenças relevantes. No Brasil, temos hoje um governo com traços autoritários, tutelado por militares. Um novo tipo de regime, ainda em transição, mas cuja fisionomia fundamental já podemos anunciar: maiores restrições às liberdades democráticas e melhores condições para aplicar um ajuste econômico ainda mais severo contra a maioria do povo, o que coloca na defensiva as mulheres e o conjunto da classe trabalhadora.

Por isso, vislumbramos uma mudança na correlação de forças políticas em nosso país (mudança possivelmente preconizada com o bárbaro assassinato de Marielle Franco). E aqui vale extrapolar este parênteses. Marielle era o absoluto oposto desse projeto político que ascendeu ao poder no país. Mulher negra, LBT, oriunda de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro – a Maré. Diferente da maioria das mulheres com mesmo perfil, conseguiu chegar à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, logrando ser a mulher mais votada desta eleição. Marielle era símbolo da Primavera Feminista, da necessidade de democratização da política, eco das vozes de 2013, força da revolta das mulheres e da juventude negra. Ela levou para os palácios o grito contra as chacinas e as injustiças sociais que impõem sofrimento a inúmeras mães e famílias brasileiras. Tudo indica que foi assassinada por milícias do Rio de Janeiro. Organizações criminosas cujos membros foram abrigados e ostensivamente agraciados pelo mandato de Flávio Bolsonaro, o filho do ex-capitão hoje presidente.

Portanto, derrotar esse clã passa por fazer justiça à Marielle. Em primeiro lugar, revelando quais foram seus algozes, a mando de quem e por qual motivo. É preciso trazer à tona os responsáveis por sua morte, inclusive para que possamos saber com quem eles mantinham relação. Revelar as entranhas dos esquemas mafiosos do Rio que assassinaram nossa companheira é, portanto, combater a casta que hoje governa o país. Ao mesmo tempo, fazermos jus ao legado de Marielle é sermos consequentes com tudo que ela representava. Parte importante de seu legado cabe ao movimento feminista defender e concretizar.

Que as mulheres derrotem Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Neste artigo vamos perseguir essa ideia.

A extrema direita venceu, mas as feministas também[2]

Apesar da eleição de Bolsonaro e seus asseclas, o número de mulheres eleitas para as Câmaras Legislativas mais que dobrou em relação à legislatura anterior. Num cenário tão preocupante, é extraordinário que a luta das mulheres tenha se fortalecido. O PSOL, por exemplo, elegeu uma bancada federal paritária, que conta hoje com Sâmia Bomfim (SP), Luiza Erundina (SP), Fernanda Melchionna (RS), Talíria Petrone (RJ) e Áurea Carolina (MG). E nos estados, inúmeras mulheres ocuparam as Câmaras Legislativas, com destaque para Luciana Genro (RS), Mônica Seixas da Bancada Ativistas (SP) e para as três mulheres negras eleitas para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro: Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, ambas colaboradoras do mandato de Marielle Franco. Por isso, em nossa opinião, a possibilidade de derrotar a extrema-direita passa necessariamente pelo fortalecimento da luta das mulheres. Felizmente, podemos afirmar que existirá resistência se depender do movimento feminista no Brasil, ancorado na experiência vigorosa que se espalha pelo mundo. 

Rosana Pinheiro-Machado chegou a afirmar que no Brasil “a extrema direita venceu, mas as feministas também”. Segundo seu raciocínio, se o reacionarismo ascendeu ao poder, é necessário destacar que o feminismo também se fortaleceu. A autora feminista nos faz uma provocação correta. Não podemos menosprezar a força de nosso adversário, mas só será possível construir uma resistência à altura se conseguirmos identificar e catalisar a enorme energia transformadora já reunida pela luta das mulheres até aqui.

Para justificar seu ponto de vista, Rosana menciona, por exemplo, a luta das mulheres na Argentina, as impulsionadoras do movimento #NiUnaAMenos, que comandaram uma fantástica campanha em defesa da legalização do aborto. Tal iniciativa foi capaz de reunir milhões nas ruas em 2018. Também logrou aprovar a proposta na Câmara dos Deputados, mas que em seguida foi derrotada no Senado argentino. Mesmo assim, meninas adolescentes (de 12, 13 ou mais anos)  passaram a ter o feminismo como uma bandeira sua, presente em sua vida cotidiana. Ainda hoje, pelas ruas de Buenos Aires, é possível se deparar frequentemente com meninas que ostentam seus lenços verdes, símbolo desta luta, com muito orgulho. Também é possível encontrar importantes feitos da luta feminista em países de toda Europa, Ásia e África. A mais forte mobilização convocada pela esquerda no Brasil desde as Jornadas de Junho de 2013 foi impulsionada pelas mulheres. Por nossa iniciativa – através do grupo de Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que em poucos dias tinha mais de 4 milhões de mulheres – o primeiro turno também foi disputado nas ruas a partir da campanha #EleNão.

Observamos um processo crescente de tomada de consciência, engajamento e politização entre as diferentes camadas de mulheres brasileiras. Por um lado, uma maior adesão às ideias feministas, por outro, uma feminização dos protestos e do debate político. A igualdade entre os gêneros, o rechaço à condição subjugada das mulheres ou temas diversos da política nacional ou local passaram a ser assuntos que preocupam a todas. São mães e filhas que debatem estas questões diante da postura inapropriada de um marido, um pai, um namorado, um irmão, um governante. São desconhecidas que se apoiam e se defendem diante do comportamento ostensivo, agressivo e opressor de um diretor de filme, de um cantor, de um guru, de um médico ou de um presidente. Essa onda feminista tem atingido todas as esferas da vida cotidiana e semeou frutos também nas casas e palácios de poder. Já mencionamos aqui a importância da eleição de muitas mulheres no Brasil e nos Estados Unidos diretamente vinculadas a esse processo novo, relativamente espontâneo, que começa a virar de cabeça para baixo a política institucional.

A crise do capitalismo e a luta das mulheres

Anos atrás, nós do movimento Juntas! já nos antecipávamos a este cenário. Afirmávamos que a crise que emergiu à superfície em 2008 significou não apenas a quebra de um modelo econômico, mas também de um modo de vida e de um padrão de dominação política. O pacto hegemônico que regia a sociedade capitalista de nossos tempos ruiu. Como resultado, a sociedade se polarizou, a luta entre classes se acirrou e explodiram mobilizações pelo mundo.

A contradição entre reprodução do capital[3] e a reprodução social da vida[4] tornou-se ainda mais intensa, especificamente desde a crise econômica de 2008. Nessa etapa, intensificou-se a acumulação capitalista pela via da espoliação dos bens e direitos da classe trabalhadora e dos recursos naturais. A lógica do capital, de forma cada vez mais acelerada, buscou se apropriar de tudo aquilo que era público, comum ou coletivo (de direitos adquiridos a bens comuns assegurados) a serviço de sua reprodução. A manutenção e reprodução da vida, no sentido definido por Cinzia Arruzza, passa a ser colocada cada vez mais em xeque.

Júlia Cámara, dirigente dos Anticapitalistas da Espanha, em um texto publicado pelo portal Viento Sur,[5] também busca explicar este processo, defendendo que as mulheres são direta e especialmente atingidas por esta lógica e, portanto, têm neste processo um papel chave para confrontar o capitalismo. Neste texto, ela busca justificar que no atual período as mulheres são um setor estratégico para a luta de classes. E esta condição não é fruto de uma condição essencial da mulher na sociedade capitalista, mas que ganha especial importância política por uma combinação de fatores que, em determinadas conjunturas, colocam as mulheres no centro desta contradição capital/vida. Para justificar sua posição, ela trabalha o conceito de “consciência feminina”.

Como resultado da divisão sexual do trabalho, a consciência feminina se expressa em uma série de direitos e deveres pelos quais as mulheres se sentem primordial e diretamente comprometidas. Desde cedo, as meninas são educadas a se preocuparem com os cuidados do lar, dos mais novos, de sua família. Ao longo dos anos, as mulheres naturalmente assumem as responsabilidades com os cuidados e manutenção da vida familiar e até mesmo de sua comunidade. Da alimentação à manutenção dos espaços físicos.

Vale ressaltar que essa atividade do cuidado e responsabilidade sobre a vida, como afirma a pesquisadora Marjorie Chaves[6], são comuns às mulheres, mas incidem muito mais sobre as mulheres da classe trabalhadora e, especialmente, sobre as mulheres negras. O trabalho doméstico remunerado, por exemplo, tem um caráter de classe e racial. Ao longo da história brasileira, foi uma das principais formas de inserção das mulheres negras no mercado de trabalho. Para o contexto brasileiro, Núbia Moreira também comenta que ao longo da trajetória social das mulheres negras é recorrente que elas cumpram o papel de agregar em torno de si a sua comunidade ou o seus pares, diante da violência que são submetidos historicamente[7], não à toa são essas mulheres que lideram os movimentos contra a violência do Estado.

Portanto, a consciência feminina se expressa, em tempos de estabilidade política-econômica, de menor contradição aparente entre a reprodução do capital e da vida, muitas vezes como um dado de conservação do modo de vida vigente. Porém, neste impulso de buscar a preservação da vida, em determinados contextos, essa consciência pode ativar e acelerar um processo de politização dessas mulheres, à medida que se deparam com as dificuldades e contradições para sua reprodução na sociedade capitalista. Ou seja, para Júlia Cámara, quando estas mulheres sentem que pode estar em jogo a vida de seus entes ou de sua comunidade, elas acionam suas redes e relações para combater os responsáveis por tal ameaça. Neste momento, a consciência feminina pode servir como um impulso para a luta coletiva. E, então, retoma uma ideia importante desenvolvida por Cinzia Arruzza e Lidia Cirilo: “a mulheres não existem como sujeito político permanente, este sujeito se constitui pontualmente em aqueles momentos em que a condição social mulher é percebida por quem a exerce como condição principal de opressão e discriminação” (Arruzza e Cirilo apud Cámara[8]). Ou seja, há etapas onde a consciência feminina pode assumir um sentido transformador, naqueles momentos onde as mulheres assumem papel político estratégico na luta entre explorados e exploradores, oprimidos e opressores, dominados e dominadores.

Desde o ano de 2008, podemos reunir uma série de episódios que reforçam a tese do papel político decisivo que as mulheres assumiram nessa quadra histórica – as mulheres em geral e as mulheres negras em particular, como nos casos de Brasil e Estados Unidos. Nos últimos anos, tivemos inúmeros acontecimentos em que as mulheres cumpriram papel preponderante, seja na defesa de seus interesses, seja assumindo a defesa de seus semelhantes. No importante ano de 2013, por exemplo, tivemos uma forte greve das servidoras e servidores da educação do Rio de Janeiro na qual se reforçou o papel das mulheres como liderança desses processos de contestação. A campanha de Luciana Genro à Presidência da República em 2014 pelo PSOL levou para a disputa dos palácios as reivindicações desta nova onda feminista, contestando também um regime democrático capturado pelas castas políticas e econômicas. A frase “não levante o dedo para mim” dirigida a Aécio Neves megafonou o sentimento anti-patriarcal, e anti-casta, já bastante latente em inúmeras mulheres jovens. Depois as meninas também estiveram na linha de frente das ocupações das escolas em SP. Em 2015, a Primavera Feminista finalmente se afirmou no Brasil através da luta contra Eduardo Cunha, combinando a defesa da pílula do dia seguinte com o enfrentamento a um dos maiores corruptos do país. E através da grandiosa Marcha das Mulheres Negras que ocupou com muitas milhares a Esplanada dos Ministérios. Vale registrar que o fechamento de tal marcha foi recebido a tiros por homens que faziam um acampamento a favor da intervenção militar no gramado do Congresso Nacional.

Em 2016, tivemos uma primeira forte demonstração dos impactos eleitorais do ascenso do feminismo por aqui, elegemos Sâmia Bomfim em São Paulo, Fernanda Melchionna como a vereadora mais votada em Porto Alegre. No Rio, foi eleita Marielle Franco dentre as mais votadas da cidade. E os desdobramentos deste enredo já são bastante conhecidos por nós. De todo modo, nunca é demasiado retomar que anos atrás fizemos uma aposta: a luta das mulheres vocalizaria o sentimento de transformação destes novos tempos. Apostamos que uma nova geração de ativistas feministas contribuiria para renovar a fisionomia, a amplitude e a política da esquerda mundial. Definimos em um documento de novembro de 2015 que

“as manifestações internacionais que se iniciaram em 2011 em reação aos planos de austeridade dos governos e por mais democracia real mostram como o feminismo pode ser uma força que trabalha em concerto com outros movimentos anticapitalistas, na luta pelo fim das desigualdades e por uma economia sob o controle democrático, por meio do desdobramento do potencial das ondas anteriores de libertação das mulheres. Além disso, é manifesto como o processamento dessa onda feminista está relacionada a uma nova geração de ativistas. A geração das redes sociais, da informação, das identidades, dos novos comportamentos, com novas concepções de família; a geração de jovens que despertou seu potencial transformador nas ruas em Junho de 2013 no Brasil. Por isso, a criação de um novo feminismo, que contribui para a renovação da esquerda, está diretamente relacionada a uma nova geração”.[9]

Felizmente, anos atrás já nos antecipávamos à onda de rebeldia que marcaria um novo período da luta feminista no Brasil. Hoje é incontestável que há uma maior organização e maior ativismo sob a ideia de um novo feminismo. Um ascenso entre as mulheres em geral, entre as mulheres negras em especial, mas sobretudo entre as mulheres jovens. Há um componente geracional nesta nova onda que não deve ser desprezado. Ainda que não seja possível desenvolver este aspecto nesta análise, é importante capturar que são as mulheres jovens as que mais têm protagonizado o feminismo desta nova etapa. Alexandria Ocasio-Cortez, a já mencionada deputada norte-americana, além de referenciada congressista é também quase uma ícone teen, período que ela deixou para trás há pouco menos de uma década. Por isso que Rosana Pinheiro-Machado chega a afirmar, em tom quase premonitório, que “as adolescentes feministas irão crescer e o mundo terá que mudar para recebê-las”[10]. Sendo assim, é importante levar em conta que o aspecto geracional reforça a longevidade dos impactos da atual onda feminista.

Mas retornando ao argumento de que as mulheres têm papel político estratégico na atual conjuntura, afirmamos que apesar da aposta acertada nesta tese não prevíamos que a extrema-direita ocuparia o espaço deixado após a quebra do pacto hegemônico que regeu o Brasil sob a Nova República. A força acumulada pelo movimento feminista nestes últimos anos se multiplicou e segue ainda latente, possivelmente porque as contradições mais agudas entre a reprodução do capital e da vida não foram ainda acomodadas. E porque apesar da derrota para a extrema-direita, as mulheres puderem arrancar conquistas. Mas hoje as responsabilidades, oportunidades e desafios do movimento feminista são de outra ordem.

A nova onda feminista e os nossos desafios

Definitivamente acertamos em apostar que essa onda viraria um tsunami. Mas agora quais os próximos passos do movimento feminista? Se o feminismo segue como energia latente, as mulheres têm ainda uma oportunidade e uma grande responsabilidade diante do novo contexto político.

Rosana Pinheiro-Machado, no mesmo texto já citado anteriormente, afirma que o reacionarismo surge igualmente como resposta à explosão da onda feminista que tomou conta do Brasil e do mundo na última década. Luciana Genro,[11] em seu artigo sobre o livro de Silvia Frederricci, “O Calibã e a Bruxa”, descreve como repetidas vezes ao longo da história do capitalismo foi preciso degradar as mulheres para ser possível conter os processos de resistência.

“Degradar as mulheres, quebrar sua força na comunidade e submetê-las aos interesses do novo modelo econômico era, portanto, um imperativo. A caça às bruxas cumpriu este papel. Não casualmente a caça às bruxas coincidiu com revoltas urbanas e rurais (…) muitas delas iniciadas e dirigidas por mulheres. Também na América a ideia da bruxaria foi utilizada para quebrar a resistência dos povos originários. Muito tempo depois, em 1871 durante a Comuna de Paris, a burguesia parisiense retomou o mito da bruxaria para demonizar as mulheres communards, acusando-as de querer incendiar Paris”.[12]

Especificamente sobre o período de caça às bruxas, a autora Bell Hooks destaca que as mulheres negras eram o principal alvo entre aquelas assassinadas como bruxas na sociedade colonial norte-americana[13]. Tais mulheres eram taxadas como aberrações primitivas descontroladas, a perfeita encarnação de um erotismo desenfreado. A demonização das mulheres, portanto, servia como justificativa para perseguir, controlar e, quando não fosse possível subjugar, dizimar aquelas que resistiam à implementação do padrão de dominação vigente. Como destaca Luciana, “os homens que haviam sido expropriados, empobrecidos e criminalizados culpavam as bruxas pela sua desgraça e viam no poder que as mulheres tinham ganhado contra as autoridades uma ameaça que poderia se voltar contra eles”[14]. Dessa forma, a reação contra as mulheres parte das autoridades políticas, religiosas ou militares, mas como ideologia pode se disseminar entre as camadas médias empobrecidas em tempos de crise, majoritariamente entre os homens.

Dessa forma, se em tempos de crise as mulheres podem assumir papel estratégico como sujeitos políticos, a demonização das mulheres é igualmente necessária para que as classes dominantes assegurem seus interesses. Essa estratégia de demonização das mulheres facilmente pode ser identificada nos tempos atuais. No Brasil de Bolsonaro perseguir as mulheres significa emitir um recado a todos que ousam se revoltar. Por aqui, identificamos especialmente uma cruzada do fundamentalismo neopentecostal que visa debilitar as mulheres como sujeito político ativo desses nossos tempos. É preciso que uma parte da sociedade acredite que as mulheres são as responsáveis pelos distúrbios causados, na verdade, pela própria lógica capitalista e por seus gerentes. À medida que esta ideologia se dissemina – a de que as mulheres (feministas!) são loucas e más, pervertidas e egoístas – também se legitima a ação de todos aqueles que busquem combater a nossa rebeldia. Portanto, também em tempos de reação conservadora, a defesa dos direitos das mulheres, extrapola o campo da luta por reconhecimento de direitos democráticos e ganha contornos de luta entre classes. Segundo a própria Silvia Federici, a caça às bruxas foi uma guerra de classes levada à cabo por outras vias[15].

Diante disso, no Brasil, onde impera o reacionarismo dos tempos atuais, o movimento feminista tem um duplo desafio. Primeiramente, seguir fortalecendo a mobilização das mulheres em torno de seus próprios direitos, como contra a violência sexista – no primeiro mês deste ano foram registrados mais de 100 casos de feminicídio em todo o país. Ao mesmo tempo, as mulheres têm uma enorme responsabilidade, pois a chave para derrotar Bolsonaro e suas ideias passa também pela capacidade das mulheres convocarem e liderarem um amplo movimento  democrático de resistência, a exemplo do #EleNão.

Lutamos pela vida[16]

Nos últimas dias, Damares Regina Alves (atualmente à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) afirmou categoricamente que o Brasil é o pior país da América do Sul para se criar meninas. Se podemos concordar com o diagnóstico da ministra de Bolsonaro, com o antídoto sugerido por ela, jamais. Em primeiro lugar, porque Damares sugere aos pais de meninas que fujam do Brasil à procura de lugar melhor para suas famílias. Fora a confissão de incompetência proferida pela ministra de Estado, ou certa dose de psicodelia que permeiam quase todas as suas declarações, os restante da receita proposta pela por Damares é bastante preocupante. Segundo ela, o país precisa passar por verdadeira revolução cultural, através da qual precisam ser repostos os valores da família e restabelecido um sistema de proteção às meninas e mulheres. Ou seja, a ministra propõe uma verdadeira cruzada contra a mulheres (e contra as LBGTs, o movimento negro, o movimento indígena e  todos aqueles que atuam em defesa dos direitos humanos) em nome de uma Restauração conservadora à la brasileira. De fato, o papel de Damares – e de ministros de sua estirpe – é confrontar ideológica e materialmente os avanços da luta das mulheres com o intuito de debilitar essa conquistas. Atuam para ideologicamente recriminar esses avanços e materialmente enfraquecê-los e, dessa forma, poderem melhor dominar e controlar não somente as mulheres, mas todos aqueles que ousam confrontar o projeto político e econômico de Bolsonaro e aliados. Neste terreno, nosso dever é colocar o movimento feminista em formação. Resistir aos ataques e exigir verdadeiras respostas aos graves problemas que tocam as mulheres.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o país tem a quinta maior taxa de homicídios de mulheres entre 84 países pesquisados. A cada duas horas, uma mulher é morta por aqui. Essas taxas são ainda mais altas entre mulheres negras, em idade reprodutiva e de baixa renda. Durante o mês de janeiro, mais de 100 casos de feminicídio foram registrados em todo território nacional. Um número bastante superior ao registrado no mesmo período em anos anteriores. Na maioria das vezes, como já é de conhecimento, os principais autores destes crimes são maridos, namorados ou pessoas muito próximas das vítimas. As motivações giram em torno, normalmente, de ciúmes, do sentimento de posse, da não aceitação de um térmico, da discordância com alguma atitude tomada pela mulher. Ou seja, estão assentadas na ideia de que a mulher deve ser protegida e controlada pelo homem.

Ao passo que a ministra propõe uma cruzada contra os direitos conquistados pelas mulheres, a primeira proposta apresentada pelo governo, através de seu Ministro da Justiça (Sérgio Moro), foi flexibilizar a legislação para posse de armas. No entanto, dados do Ministério da Saúde de 2017 revelaram que “dos 4.787 óbitos de mulheres por agressão, 2.577 ocorreram por meio de armas de fogo e outros 1.101, por objetos perfurantes”[17]. Ou seja, as mulheres estão sob risco de retroceder em seus direitos pelas mãos do Ministério da Mulher, e sob pena de serem uma das maiores vítimas (ao lado de jovens negros) do aumento da letalidade entre brasileiros – provável principal consequência das medidas anunciadas pelo Ministério da Justiça. Frente às crescentes ameaças à vidas mulheres, é imperativo resistir.

A expressão “Ni una a menos” sintetiza atualmente a luta das mulheres contra o feminicídio. A primeira vez que ganhou as ruas foi em 2015, na Argentina, diante da morte da adolescente Chiara Páez por seu namorado. Logo a expressão virou movimento e extrapolou os limites do ativismo feminista em 2016, numa campanha por justiça para Lucía Perez. O crime chocou os argentinos e o mundo. Diante da comoção, inúmeras marchas por Lucía e nem uma a menos se espalharam pelo continente. No Chile, meninas e mulheres ocuparam escolas e universidades por meses contra o feminicídio. No Brasil, o movimento feminista adotou a expressão “nem uma a menos” como uma das suas principais bandeiras.

Tomando como exemplo a experiência das irmãs latinas, e mediante as crescentes taxas de homicídios de mulheres, é preciso ativar uma enorme rede de ação, que conecte ativistas de todo tipo e de várias localidades do país, para se desenvolver uma ampla campanha contra o feminicídios no Brasil.

Por isso, desde o 8 de março devemos lutar pela vida das mulheres com grande centralidade. Pela vida das LBTs, das mulheres negras e mulheres indígenas. Além disso, é imprescindível que nesta campanha seja reforçada a reivindicação por justiça para Marielle Franco, cujo assassinato completará um ano sem resposta no dia 14 de março. Sem que esse crime seja elucidado, a vida das ativistas de Direitos Humanos, mulheres, negras, LBTs, faveladas estarão mais ameaçadas.

A luta das mulheres ainda pode mudar o Brasil e o mundo

Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a lutar contra o racismo, a islamofobia, o anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista.[18] (Angela Davis)

Damares tem razão, o Brasil é um dos países mais inseguros para mulheres. Mas as medidas anunciadas pelo governo de Bolsonaro acarretarão no estrondoso aumento dessa insegurança, por tudo que já foi apresentado nesta análise. Portanto, o desafio do movimento feminista é resistir aos ataques e defender o direito das mulheres. Mas também construir condições para se derrotar o projeto da extrema-direita no Brasil. Ao mesmo tempo, não haverá derrota definitiva deste projeto se não conseguirmos afirmar uma alternativa pela esquerda-democrática e anticapitalista.

Retomemos uma definição já trabalhada neste artigo. À medida que as mulheres buscam dar cabo do papel social designado a elas (qual seja, assegurar a manutenção da vida dos seus entes e quando possível de sua comunidade) muitas delas acabam se chocando frontalmente com um sistema que nega essas condições. Deparam-se com uma lógica, a capitalista, que é fragorosamente contrária à vida. Isso não acontece de uma mesma forma a todas as mulheres. Segundo definiu, Júlia Cámara, em texto já bastante debatido aqui, são as mulheres das classes subalternas, as trabalhadoras, as negras, as imigrantes ou migrantes que mais encontram dificuldades para garantir mínimas condições de vida. Consequentemente, o choque entre necessidade e possibilidades, conflito que na maioria das vezes acaba se resolvendo no âmbito individual e privado, pode transbordar para o espaço público. E essas mulheres se transformam em sujeito político coletivo. Como aponta Cinzia Arruzza, em defesa do “Feminismo para os 99%”, esse processo faz com que haja uma radicalização e politização das mulheres, “no qual a subjetividade das trabalhadoras — muitas vezes jovens, precárias, mal pagas, não remuneradas, exploradas e assediadas sexualmente no seu lugar de trabalho — emerge como uma subjetividade combativa e potencialmente anticapitalista[19].

Nesse sentido, Nancy Fraser advoga por um feminismo que não separe a luta por reconhecimento da luta por redistribuição e justiça econômica[20]. Para Nathalie Bressiani, referindo-se aos estudos de Nancy, após o fim do “socialismo real” e do advento da globalização, houve uma intensa politização das diferenças étnicas e culturais, ao passo que ocorreu uma acelerada despolitização da economia, cada vez menos contestada pelos movimentos sociais. Como destaca, o feminismo da penúltima onda se insere num período onde “a busca pela igualdade social, que teria pautado as lutas políticas por quase 150 anos, estaria, assim, sendo substituída pela luta pelo reconhecimento das diferenças, central para os chamados ‘novos’ movimentos sociais”[21]. A autora marxista chega apontar a responsabilidade desse tipo de feminismo para com a eleição de Trump nos Estados Unidos ao abandonar a luta por justiça econômica. Em seu artigo “Do neoliberalismo progressista a Trump – e além”[22], Nancy adverte que não podemos entender a ascensão de Trump, e quiçá da direita e da extrema-direita em tantos outros países, sem compreender a visão de mundo que o trumpismo deslocou.

“Antes de Trump, o bloco hegemônico que dominava a política norte-americana era o neoliberalismo progressista. (…) era uma aliança real e poderosa (…) por um lado, as correntes liberais mainstream dos novos movimentos sociais (feminismo, anti-racismo, multiculturalismo, ambientalismo e direitos LGBTQ); por outro lado, os setores “simbólicos” e financeiros mais dinâmicos da economia dos EUA (Wall Street, Silicon Valley e Hollywood). O que manteve esse estranho casal junto foi uma combinação distinta de pontos de vista sobre a distribuição e o reconhecimento. O bloco progressista-neoliberal combinou um programa econômico expropriativo e plutocrático com uma política de reconhecimento liberal-meritocrática. O componente distributivo desta amálgama era neoliberal. (…) O que isso significava, na realidade, era a financeirização: o desmantelamento de barreiras e proteções da livre circulação de capitais; a desregulamentação bancária e a expansão da dívida predatória; a desindustrialização, o enfraquecimento dos sindicatos e a disseminação do trabalho precário e mal remunerado. Popularmente associado a Ronald Reagan, mas substancialmente implementado e consolidado por Bill Clinton”.[23]

Porém, a crise econômica de 2008 colocou em xeque o neoliberalismo e a globalização como modelos de desenvolvimento econômico. Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, esteve à frente da Casa Branca de 2009 a 2017. Diante da crise que afligia a maioria da população norte-americana, Nancy Fraser argumenta que o presidente democrata poderia ter utilizado sua enorme popularidade para mobilizar apoio para promover uma mudança estrutural no rumo da economia de seu país. Porém, ao invés disso, ele optou por continuar aplicando a receita de Wall Street. Sendo assim, “Obama esbanjou enormes resgates de caixa nos bancos que eram ‘muito grandes para falir’, mas não fez nada remotamente comparável para suas vítimas: os dez milhões de americanos que perderam suas casas durante a crise’”[24]. Fraser ainda salienta que a única opção diferente da tradicional receita neoliberal foi a expansão do Medicaid, mas essa foi a exceção que serviu para provar a regra. Portanto, o crescente descontentamento com a perdas no padrão de vida do cidadão médio norte-americano logo se transformou em uma crise de autoridade política. E Trump emerge como alternativa ao modelo até então hegemônico. E está aí a gravidade da aliança entre as ideias liberais e democráticas de muitos movimentos sociais contemporâneos com a política econômica capitalista. Pois à medida que a população americana rejeitou o que Nancy denomina de neoliberalismo progressista é colocado sob contestação não somente seu esquema econômico, mas o pacote como um todo. Neste caso, aos olhos da população, as lutas democráticas das mulheres, da negritude, entre outros movimentos, foram colaboradoras da política econômica que quebrou o país. Portanto, são igualmente responsáveis pela crise total em que o país submergiu. E, em certa medida, o são.

Guardadas as proporções e devidas diferenças, no Brasil boa parte das correntes feministas que ascenderam na penúltima onda também se tornaram sócias minoritárias de um projeto econômico neoliberal, só que em nosso caso implementado pelo PT. As consequências não são tão distintas. E a ascensão de Bolsonaro por aqui responde em certa medida ao mesmo fenômeno.

Bom, mas o que podemos concluir é que o movimento feminista só será capaz de desdobrar seu papel como sujeito político, realizando sua condição estratégica atual, se puder responder também às necessidades coletivas de reprodução social da vida, para além da defesa dos direitos individuais das mulheres. Ou seja, o movimento feminista – sem jamais abandonar a luta por igualdade de gênero – também precisa responder, por exemplo, à luta contra a política anti-imigrantes de Trump; contra a Reforma da Previdência e a corrupção no governo Bolsonaro; sair em defesa das reivindicações dos “coletes amarelos” na França ou contra o aquecimento global na Alemanha. Mais do que isso, o movimento feminista precisa responder ao problema econômico que volta a ser o centro da disputa política atual. Não à toa, Alexandria Ocasio-Cortez sustenta como uma das suas principais bandeiras maior taxação sobre as grandes fortunas americanas. Dessa forma, ela visa dar uma resposta ao tema da justiça econômica, uma das maiores preocupações para aqueles que elegeram Trump[25]. Necessitamos de um feminismo, portanto, que não separe a luta por igualdade de gênero e pela emancipação da mulher da necessidade de superar o racismo, a devastação da natureza e a exploração do trabalho. E, por consequência, um feminismo que reconheça que a exploração de classe e as opressões formam uma totalidade denominada capitalismo.

Nancy Fraser e Cinzia Arruzza defendem que na esteira da crise de 2007/08 surge novamente uma necessidade e uma nova possibilidade para se constituir uma teoria e uma prática política feminista que articulem a luta contra a desigualdade entre os gêneros com uma perspectiva anticapitalista. Diante disso, há um ano, na ocasião da comemoração do Dia Internacional de Luta em Defesa dos Direitos das Mulheres, Angela Davis, as duas autoras, entre outras intelectuais e ativistas, subscreveram um manifesto em defesa de um “Feminismo para os 99%”. Um feminismo que articule todas as frentes de luta para fazer frente à guerra aberta contra nós mulheres. Um feminismo que coloque em xeque todo o sistema capitalista e se proponha a derrotá-lo, portanto, um feminismo que coloque em marcha os 99% da população.

Neste mesmo manifesto, as autoras reconhecem também que a violência contra as mulheres é internacional. Afirmam categoricamente que

“o imperialismo norte-americano, o militarismo e o colonialismo fomentam misoginia em todo o mundo. Não é uma coincidência que Harvey Weinstein, nos seus longos anos em que tentava silenciar e aterrorizar mulheres, usou a empresa de segurança Black Cube, feita de ex-agentes do Mossad e de outras agências de inteligência de Israel. Sabemos que o mesmo Estado que envia dinheiro a Israel para brutalizar a palestina Ahed Tamimi e a sua família também financia as prisões em que mulheres afro-americanas, como Sandra Bland e outras, morreram”.[26]

Dessa forma sinalizam já neste documento a necessidade de se articular em âmbito mundial a luta das mulheres, tendo como base de debate o “Feminismo para os 99%”.

Sendo assim, uma forma de materializar e amadurecer um programa anticapitalista a ser encabeçado pelas mulheres seria a partir da construção de uma Internacional Feminista. Essa é uma ideia importante para ser debatida pelo movimento, porque há uma necessidade de construir em âmbito mundial uma coalizão de movimentos, redes, coletivos, pessoas e organizações para impulsionar campanhas e fortalecer ações da luta feminista no mundo. Atualmente, o movimento de mulheres é vanguarda na luta contra a extrema direita, mas faltam espaços onde se possa trocar experiências e pensar de forma mais aprofundada nossas estratégias em nível internacional. Além disso, com a popularização do feminismo, há mais disputa sobre qual é a concepção de feminismo que devemos seguir. O neoliberalismo ainda busca dialogar com esse avanço, através do empoderamento individual. O “Feminismo para os 99%” busca fazer essa disputa, mostrando que o feminismo deve ser anticapitalista. A partir da necessidade da solidariedade mundial entre as mulheres, uma frente internacional feminista poderia dar este combate em melhores condições. Se a lógica que subjuga e explora as mulheres é internacional, a luta contra ela também deve ser.

Como buscamos apresentar neste artigo, nos últimos anos as mulheres passaram a cumprir um papel estratégico na confrontação ao atual modelo econômico e na luta contra as classes dominantes. Protagonizaram as mais importantes lutas sociais recentes em todo o mundo. A Primavera Árabe, os Indignados da Espanha, o Ocuppy Wall Street, as Jornadas de Junho são exemplos de processos políticos fundamentais dos nossos tempos que tiveram nas suas primeiras fileiras as mulheres. O descontentamento de mulheres, especialmente jovens, com a casta política que rege nosso país ainda é flagrante. A retomada do feminismo e de suas pautas por uma nova geração de mulheres modula o cotidiano das famílias, impacta os debates políticos, se dissemina pelas redes sociais, ocupa os palácios de poder. A solidariedade entre as mulheres e sua rejeição ao padrão de vida dominante passa a ser um denominador comum e em escala mundial. Uma articulação internacional das mulheres surge como uma possibilidade. As mulheres têm se levantado contra Trump nos Estados Unidos. No Brasil, no dia 29 de setembro de 2018, as mulheres lideraram uma gigantesca manifestação contra a eleição de Bolsonaro, a mobilização do #Elenão. As mulheres já demonstraram ter força e disposição para confrontar a extrema-direita. Portanto, as mulheres podem e devem assumir a linha de frente contra Bolsonaro. Contra as ameaças à vida das mulheres, no Brasil e no mundo, é imperativo se organizar e resistir – por Marielle e por todas nós!


[1] Relatório na forma de discurso apresentado anualmente pelo Presidente dos Estados Unidos na presença do Congresso. Através dele o presidente reporta as condições em que o país se encontra e apresenta sua proposta legislativa (que geralmente necessita da cooperação do Congresso) e as prioridades nacionais.

[2]  https://theintercept.com/2019/01/08/extrema-direita-feministas-antirracistas-lgbts/

[3] Para maior profundidade do conceito segundo uma autora feminista, consultar “Para uma crítica das crises do capitalismo”, de Nancy Fraser. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/10986

[4] “Em poucas palavras, refere-se às atividades e o trabalho que implica a reprodução biológica, quotidiana e geracional, da força de trabalho. Mas sejamos claros: reproduzir a força de trabalho significa reproduzir as pessoas e a vida. Isto não se limita à mera subsistência ou às necessidades de sobrevivência, mas também à satisfação de necessidades mais complexas e à reprodução de capacidades que contribuem para converter a força de trabalho nessa mercadoria especial que se pode vender no mercado capitalista. Estamos, portanto, falando da socialização das crianças, da educação, mas também da saúde e dos serviços sociais”. (Cinzia Arruzza).

[5] https://vientosur.info/spip.php?article14343

[6] http://blogueirasnegras.org/2014/09/30/de-ama-a-baba-mulheres-negras-e-a-racializacao-do-cuidado/

[7] http://tvcultura.com.br/videos/59091_movimento-feminista-negro-no-brasil-nubia-moreira.html

[8] https://vientosur.info/spip.php?article14343

[9] https://esquerdasocialista.com.br/juntas-a-primavera-feminista/

[10] https://theintercept.com/2019/01/08/extrema-direita-feministas-antirracistas-lgbts/

[11] https://movimentorevista.com.br/2018/06/caliba-e-a-bruxa-e-uma-otica-marxista-e-interseccional-do-feminismo/

[12] Idem.

[13] https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/10/16465-50747-1-PB.pdf

[14] Idem.

[15] https://movimentorevista.com.br/2018/06/caliba-e-a-bruxa-e-uma-otica-marxista-e-interseccional-do-feminismo/

[16] https://vientosur.info/spip.php?article14558

[17] https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2019-02-04/feminicidio-brasil-janeiro.html

[18] Angela Davis em seu discurso na Women’s March, em 21 de janeiro de 2017.

[19]https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Sociedade-e-Cultura/-O-feminismo-dos-99-e-a-alternativa-anticapitalista-ao-feminismo-liberal-/52/41466 (grifo nosso).

[20] Segundo Fraser, “o aspecto distributivo transmite uma visão sobre como a sociedade deve alocar bens divisíveis, especialmente a renda. Este aspecto fala sobre a estrutura econômica da sociedade e, ainda que obliquamente, para suas divisões de classe. O aspecto do reconhecimento expressa a sensação de como a sociedade deve consagrar o respeito e a estima, as marcas morais de associação e pertencimento. Focada na ordem de status da sociedade, este aspecto se refere às suas hierarquias de status”. (Nancy Fraser – https://movimentorevista.com.br/2018/02/do-neoliberalismo-progressista-a-trump-e-alem-nancy-fraser/).

[21] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792011000200007

[22] https://movimentorevista.com.br/2018/02/do-neoliberalismo-progressista-a-trump-e-alem-nancy-fraser/

[23] Idem.

[24] https://movimentorevista.com.br/2018/02/do-neoliberalismo-progressista-a-trump-e-alem-nancy-fraser/

[25] Ideia semelhante foi defendida por Luciana Genro em sua campanha à presidência de 2014. Por isso, sugerimos como referência o programa apresentado por ela nesta ocasião: https://lucianagenro.com.br/eleicoes-2014/programa/

[26] https://movimentorevista.com.br/2018/02/um-feminismo-para-os-99-as-mulheres-entrarao-em-greve-em-2018/

Este artigo faz parte da edição da Revista Movimento n.11-12. Compre a revista aqui!


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Pedro Micussi