Uma noite vespertina e o desastre ecológico de Bolsonaro

É hora de mobilização em defesa da Amazônia e do meio ambiente contra os ataques de Bolsonaro.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 23 ago 2019, 19:03

O grande escritor amazonense Milton Hatoum, em seu último romance, abordou as contradições do Brasil autoritário da ditadura militar. Soou premonitório o título A noite da espera – o lugar mais sombrio. Na tarde da segunda-feira 19 de agosto, a maior cidade do país, São Paulo, teve sua noite sombria quando, às 15 horas, anoiteceu completamente. A noite da fuligem em São Paulo foi uma metáfora trágica do que ocorre no Brasil.

Numa combinação de fenômenos climáticos, a fumaça que cobriu o céu de São Paulo originou-se da destruição da Amazônia que, desde 1º de agosto, tem sido alvo de queimadas ininterruptas. Estados como Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso do Sul já se colocaram em estado de alerta e assumem que não têm as condições adequadas para controlar incêndios. Após os vários alertas dos órgãos de monitoramento nacionais, atacados pelo governo, até mesmo um relatório da NASA anunciou que os focos de incêndio na Amazônia são resultado do desmatamento.

Em mais uma declaração absurda, Bolsonaro culpou ONGs ambientais pela promoção das queimadas. Cinicamente, o governo finge desconhecer o anúncio, por fazendeiros do sul do Pará, Rondônia e Mato Grosso, da organização coordenada, no último final de semana, de queimadas intensas, às quais chamaram “Dia do Fogo”, para sinalizar seu apoio ao presidente e sua “vontade de trabalhar”. É evidente que o aumento escandaloso nas queimadas é fruto da política do governo Bolsonaro e de seu ministro Ricardo Salles, baseada em ataques contra os povos originários, indígenas e quilombolas.

A demissão do presidente do INPE, Ricardo Galvão, após o anúncio de aumento recorde do desmatamento nos meses de junho e julho prenunciou a tragédia atual. Bolsonaro atropela qualquer critério científico ou objetivo para acabar com qualquer hipótese de questionamento ou pensamento crítico dentro da estrutura do Estado.

Em todo o mundo, há uma contradição que opõe a política de espoliação acelerada defendida pela extrema-direita a serviço da acumulação capitalista e a crescente limitação de recursos naturais. As altíssimas temperaturas registradas neste verão europeu, os desastres climáticos frequentes em todo o mundo ou a “morte” de geleiras são os últimos sintomas mórbidos que acendem o sinal de alerta sobre o futuro do planeta. A extrema-direita é adepta do “terraplanismo” e do negacionismo climático. É impossível separar a luta em defesa do meio ambiente e do futuro da humanidade do combate sem tréguas contra a extrema-direita. No Brasil, isso se expressa na luta popular e social em defesa da Amazônia contra Bolsonaro e Salles.

A política da destruição

Em uma entrevista para a imprensa estrangeira, Bolsonaro declarou que seu objetivo como presidente é “destruir” certas instituições e conquistas obtidas no Brasil nas últimas décadas. Essa é sua estratégia mais geral, visível nas diferentes intervenções do governo na educação, na ciência, no serviço público e na economia. Bolsonaro e Guedes comandam uma política de destruição: entregar o patrimônio público nacional (nesta semana, foi anunciada a privatização de mais 18 estatais), desmontar a educação pública e todo o sistema brasileiro de pesquisa científica.

Se, nos últimos anos, o território das florestas brasileiras, particularmente a Amazônia, já vinha sendo destruído por iniciativas como as mudanças no Código Florestal e a construção de usinas hidrelétricas como Belo Monte, a política da destruição ganhou com Bolsonaro e Salles uma velocidade inédita. O governo prometeu acabar com terras indígenas e quilombolas. Ricardo Salles, que organiza e chefia essa linha de ação, sempre foi um agente das mineradoras e do ruralismo, figura destacada da extrema-direita paulista e militante do negacionismo climático.

A política de destruição promovida pelo governo levou à intervenção em órgãos de fiscalização e científicos como o Ibama, ICM-Bio, INPE, entre outros. A recente alteração de 16 itens do Código Florestal, sempre sob a égide da desburocratização, é na verdade uma linha clara de restrição da fiscalização e do controle ao desmatamento sistemático promovido por grandes fazendeiros, garimpeiros e mineradoras. A liberação do porte de armas no campo completa essa política, facilitando a formação de milícias armadas para defender os interesses dos latifundiários.

Setores importantes do agronegócio e da mineração são os grandes interessados nessa linha destrutiva. Não por acaso, são parte da base militante e organizada do bolsonarismo. No final de julho deste ano, o Ministério da Agricultura aprovou o uso de mais 51 tipos de agrotóxicos no mercado brasileiro, totalizando quase 300 novos agrotóxicos liberados em 2019. O ritmo de aprovação do uso de pesticidas é considerado o mais alto da história. Os resultados da política de destruição fizeram-se sentir para além da Amazônia. As grandes mineradoras, por sua vez, interessam-se pela abertura de novas áreas de exploração e são responsáveis por dois dos maiores crimes ambientais já vistos no mundo: a ruptura das barragens de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais.

Defender a Amazônia e o meio ambiente

Os já mencionados dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que, de janeiro a 19 de agosto, houve um aumento de 83% das queimadas em florestas no Brasil em comparação com o mesmo período de 2018. Além disso, o instituto revelou que 65% dos incêndios ocorridos em áreas florestais no Brasil em 2019 ocorreram na Amazônia; em 2018, foram 20%.

A crítica de países estrangeiros, diante deste cenário, aumentou. Desde o início do ano, Bolsonaro e Salles ameaçavam encerrar o Fundo Amazônia, para o qual contribuíam recursos de países como Noruega e Alemanha. A cruzada contra o fundo orientava-se, segundo o governo, pela necessidade de “cortar o dinheiro para ONGs”. Após o anúncio do corte dos repasses ao fundo pelos dois países europeus, a pressão ampliou-se nesta semana quando foram divulgadas as imagens do anoitecer antecipado na maior cidade do hemisfério sul causado pela fuligem de queimadas.

A imprensa estrangeira já vinha dando destaque para a questão, como mostrou a capa da revista The Economist, publicação de referência da burguesia transnacional, que destacou o aumento do desmatamento no Brasil como resultado da política de Bolsonaro. As declarações de Emmanuel Macron, presidente francês, propondo que o G7 se debruce sobre o tema, seguidas por críticas de governos da Alemanha, Canadá, Irlanda, Finlândia e mesmo dos Estados Unidos, levaram preocupação para os líderes do agronegócio, que receiam a imposição de sanções e a perda de mercados para as exportações de carne e grãos brasileiros.

É evidente que líderes como Macron mobilizam o tema ambiental para fortalecer suas posições políticas internas – no caso francês, diante da pressão do lobby agrário do país e do crescimento do Partido Verde na eleição para o Parlamento europeu. A exposição de assuntos brasileiros por potências estrangeiras, por sua vez, é resultado da política antinacional e de destruição ambiental promovida por Bolsonaro – que se alinha incondicionalmente ao governo Trump e à política anticientífica e negacionsita climática da extrema-direita internacional. Mentindo abertamente e responsabilizando ONGs ambientalistas pelas queimadas, Bolsonaro mobiliza argumentos contra a ingerência externa buscando esconder o óbvio: seu governo pró-ianque, entreguista do patrimônio nacional e defensor dos interesses da burguesia transnacional é uma das maiores ameaças à soberania nacional na história brasileira.

É hora de mobilização

Por isso, é preciso estimular a mobilização em defesa da Amazônia, um patrimônio do povo brasileiro, e contra os ataques de Bolsonaro ao meio ambiente, à ciência e à cultura nacionais. A mobilização contra este governo entreguista, autoritário e criminoso pode e deve se aproveitar da crescente confusão da classe dominante que apoia o governo diante dos riscos de perda de mercados de exportação para o agronegócio. Mas, sobretudo, é preciso estabelecer vínculos com as mobilizações em todo o mundo contra a espoliação dos recursos naturais e a destruição do meio ambiente promovida pelas transnacionais que ameaçam a sobrevivência dos povos.

É hora de ampliar as denúncias internas e internacionais, construir e apoiar as mobilizações no Brasil e no exterior. Já há atos marcados em mais de 100 cidades pelo mundo. De nossa parte, vamos estimular e participar ativamente dos atos dos dias 24 e 25 de agosto contra a política ambiental destrutiva de Bolsonaro e pela derrubada imediata de Ricardo Salles, cúmplice da destruição ambiental. Com esta luta, daremos um passo fundamental na organização da mobilização por uma greve mundial do clima no dia 20 de setembro.


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