Quais devem ser as prioridades anuais da prefeitura de SP?

De que modo foi votada a Lei de Diretrizes Orçamentárias do município e como o mandato da vereadora do PSOL se preparou para tal batalha.

Sâmia Bomfim 28 jun 2018, 14:00

Nesta semana a Câmara Municipal de São Paulo realizou o processo de votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO. Esta lei define quais devem ser as prioridades orçamentárias da Prefeitura para o próximo ano. Se, por um lado, o processo representa uma oportunidade para reivindicar políticas públicas que garantam os direitos sociais, por outro, possui severas limitações dadas pelos interesses escusos daqueles que jogam o jogo de cartas marcadas entre Executivo e Legislativo. Neste texto, explicaremos como a deliberação ocorre e de que modo nos preparamos para essa batalha.

Como funciona o processo?

No início de cada mandato, a gestão da Prefeitura deve apresentar o seu Programa de Metas, ou seja, as políticas públicas que ela se compromete a encaminhar durante os quatro anos de governo. Por exemplo: “Expandir em 30% (85,5 mil) as matrículas em creche na Rede Municipal de Ensino”. Para cada uma dessas metas, a prefeitura deve encaminhar também projetos que indiquem as linhas de ação que ela pretende adotar para atingir o referido indicador. Para o exemplo supracitado, a Prefeitura criou o Projeto Nossa Creche, que prevê como uma de suas linhas de ação “expandir o número de matrículas em creche por meio de organizações parceiras [ou seja, terceirizadas]”.

Como já mencionado, o Programa de Metas apresenta o planejamento do governo para todo o período de seu mandato de quatro anos. A cada ano, entretanto, é necessário apresentar quais serão as prioridades da prefeitura para este período. Ou seja, apontar quais projetos e metas dentre aqueles apresentados no início do mandato serão realizados já no próximo ano. Isso é feito por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias em que a Prefeitura apresenta quais linhas de ação devem prioritariamente receber recursos do orçamento anual e quais os princípios gerais que norteiam essas decisões.

Feito isso, os vereadores podem criar linhas de ação como adendo aos projetos já existentes ou editar as linhas de ação já apresentadas para que sejam inseridas na LDO. Além disso, podem também editar ou acrescentar artigos, parágrafos ou incisos ao texto que afirma os princípios básicos da LDO. Mas note: os vereadores não podem criar metas ou projetos inteiramente novos, tampouco excluir linhas de ação já existentes. Seguindo com o exemplo citado anteriormente, o Projeto Nossa Creche previa a expansão das matrículas em creches do município apenas por meio de terceirização. Desse modo, reduzimos o número de matrículas previstas na referida linha de ação e ao mesmo tempo criamos uma linha de ação nova em que se lê “expandir o número de matrículas em creche por meio da construção de novas creches diretas da administração municipal”. Como justificativa, afirmamos: “reduzir o número de creches por meio de parcerias para ampliar o número de creches de forma direta” uma vez que, como argumentamos em outro texto publicado esse ano, a política de terceirização das creches tem se mostrado desastrosa. Outro exemplo: quanto aos princípios gerais da lei, alteramos a redação do inciso XII do art. 5º que dizia abstratamente “valorização salarial das carreiras dos servidores públicos” acrescentando ao final da sentença “por meio de 19,2% de aumento e 26,8% de reposição salarial para os níveis Básicos e Médio.” Além disso, acrescentamos mais um inciso que diz: “Contratação de servidores municipais aprovados em concurso público.”

Essas emendas então são discutidas e votadas na Câmara e, depois, submetidas ao Executivo que pode vetá-las ou sancioná-las.

Quais são as suas limitações?

Visto como funciona o processo, é possível inferir quais são as suas principais limitações.

As propostas dos vereadores ficam amarradas à política geral da gestão. Para cada política pública que julgamos importante ser criada, é preciso observar de que modo é possível encaixá-la em um projeto já existente. Se esses projetos fossem bem construídos e suficientemente abrangentes, isso não seria um problema. Entretanto, este não é o caso. A gestão tucana tem uma orientação geral de desmonte do Estado, de modo que criar linhas de ação que valorizem os direitos sociais e os bens e serviços públicos como adendo a seus projetos não é tarefa fácil. Para o problema das pessoas em situação de rua que fazem uso abusivo de substâncias químicas nas regiões da Luz e Campos Elísios (chamada pejorativamente de “Cracolândia”), por exemplo, como criar uma linha de ação baseada na redução de danos e que respeite os direitos humanos para o Projeto Redenção, cuja diretriz é justamente inversa – higienização e violência? Em relação à educação, o Programa de Metas tem basicamente como objetivos apenas a implementação da educação em tempo integral, a aquisição de alguns bens tecnológicos, e a elevação das notas na Prova Brasil. Como os educadores bem sabem, os tais “índices” os quais os projetos da Prefeitura buscam atingir são uma criação neoliberal (em grande parte empreendida pelo Banco Mundial e pelo FMI) que visam muito mais impor um certo modelo de educação do que efetivamente avaliar a qualidade do ensino e aprendizagem – ao contrário, podem maquiar o que realmente está acontecendo nas salas de aula. Como, então, criar uma linha de ação baseada em um projeto alternativo de educação? Onde entra a valorização do magistério, que, aliás, não é citada em sequer uma linha dos projetos?

Além disso, há a limitação do velho jogo de cartas marcadas da política institucional. Alguns vereadores podem previamente negociar quais demandas serão sancionadas pelo executivo em troca de apoio político. Suponhamos, por exemplo, que a Prefeitura tenha a intenção de reformar um determinado hospital. Ela se abstém de apresentar essa proposta para que um vereador o faça por meio de emenda com a certeza de que será aprovada. Então, o vereador divulga a “conquista” como realização de seu mandato. Outra estratégia é apresentar um número enorme de emendas mas com baixíssima dotação orçamentária para cada uma delas. Por exemplo, propõe como linha de ação “construir hospitais”, mas, no detalhamento da proposta, indica a previsão de gasto como sendo de mil reais. Por se tratar de um valor muito baixo, a proposta tem grandes chances de ser aprovada, de modo que o vereador poderá se vangloriar de ter “construído hospitais” ainda que efetivamente isso não vá acontecer já que a verba é muito pequena. Repitam-se esses procedimentos dezenas de vezes e teremos a imagem de um “vereador que trabalha pelo povo”.

Então para que serve apresentar emendas à LDO?

Nosso mandato protocolou 33 emendas com o objetivo de ampliar ao máximo possível o acesso aos direitos sociais de qualidade. Nossas propostas versaram principalmente sobre valorização dos servidores, saúde, educação, segurança alimentar, moradia, assistência social e saúde e segurança da mulher. Você pode acessar todas as nossas emendas neste link, mas eis aqui alguns exemplos: “realizar diagnóstico de segurança alimentar e nutricional”; “criar programa de Habitação de Interesse Social – HIS e Locação Social destinadas às mulheres vítimas de violência”; e “ampliar o número de professores em toda rede pública municipal direta”.

Mas se somos cientes das limitações colocadas no item anterior, por que protocolamos essas emendas? Porque, ao contrário de quase todos os vereadores, compreendemos o mandato parlamentar como um tribuno do povo e não como balcão de negócios. Nossa tarefa é vocalizar e dar visibilidade às demandas populares que são absolutamente silenciadas no ambiente estatal. Mas evidentemente essas demandas não serão revertidas em políticas públicas efetivas se jogarmos exclusivamente por dentro do jogo parlamentar, pois, ele é avesso a isso e repele a participação popular. É preciso então forçar a entrada do jogador mais importante em campo – o povo. Como? Primeiramente, no processo de elaboração. Nossas emendas não foram invenções arbitrárias ou moedas de troca com a prefeitura, mas propostas que partiram dos movimentos sociais com os quais lutamos todos os dias. Em segundo lugar, pela pressão popular, o único meio capaz de romper o hermetismo das instituições estatais. A revogação da “ração humana” e o adiamento do “Sampaprev” são demonstrações de que isso é possível.

Em resumo, reafirmamos aquilo que já dissemos em várias oportunidades: o mandato de vereadora é para nós apenas uma ferramenta dentro de uma luta muito mais ampla pela mudança de toda a sociedade que travamos diariamente com todos os oprimidos e oprimidas. As emendas à LDO, com suas limitações e possibilidades, são apenas uma pequena parte disso.

Artigo originalmente publicado no site de Sâmia Bomfim.


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