Chacina em Paraisópolis: a necropolítica faz novas vítimas

Não foi acidente. Foi massacre. O governador João Doria tem sangue de 9 inocentes nas mãos.

Equipe Sâmia Bomfim 4 dez 2019, 14:18

Uma ação da Polícia Militar na favela de Paraisópolis, em São Paulo, ocorrida na madrugada de sábado para domingo desta semana, deixou nove jovens entre 14 e 28 anos mortos. Cerca de 5 mil pessoas frequentavam o baile funk do local quando foram atacadas por policiais com balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio, golpes de cassetete e até de garrafas de vidro. A narrativa mais disseminada afirma que os jovens morreram pisoteados durante a confusão já que os policiais cercaram os frequentadores do baile, obstruindo rotas de fuga. Entretanto, ainda não é possível descartar execução sumária por parte dos policiais.

As declarações de João Doria a respeito do caso o colocam como cúmplice da chacina. O governador negou a responsabilidade da PM, corroborando a narrativa estapafúrdia – que mesmo se verdadeira não isentaria os policiais de sua responsabilidade – de que ladrões de motos teriam se infiltrado na multidão durante uma perseguição e as mortes seriam resultado desse confronto. Além disso, no mesmo discurso em que lamentou cinicamente as mortes, rasgou elogios à corporação e gabou-se da suposta eficiência da segurança pública de São Paulo – estado que ostenta uma das mais altas taxas de letalidade policial do país, representando um terço dos homicídios. Mais ainda, afirmou que as ações policiais em festas na periferia irão continuar. Ou seja, é de se esperar que ocorram mais atos de violência e, possivelmente, mortes. Cabe lembrar ainda que as mortes causadas por policiais foram defendidas abertamente pelo governador. Durante a campanha eleitoral, disse que a partir de janeiro a polícia iria “atirar para matar” e que ele pagaria os melhores advogados para defenderem policiais assassinos. Não por acaso, o número de mortes causadas por policiais aumentou este ano.

Infelizmente, sabemos que discursos e ações como os de Doria não são isolados – remontam ao nosso passado escravagista, mas recrudesceram intensamente nos últimos anos, especialmente com a eleição de Jair Bolsonaro. A essa política genocida, que identifica o “inimigo” como qualquer negro morador da periferia (seja adulto ou criança), matando-os aleatoriamente, pode-se denominar “necropolítica”. Como a psicóloga e militante do PSOL Luana Alves explicou em nosso podcast “20 minutos com Sâmia”, o conceito de necropolítica foi criado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe. Ele é um desenvolvimento do conceito de “biopolítica” elaborado por Michel Foucault – professor de Mbembe – que pode ser resumido como “fazer viver, deixar morrer”. Ou seja, trata-se do conjunto de políticas de Estado (como política sanitária, de segurança pública, de saúde, etc.) que controlam os corpos e determinam a vida e a morte. A partir desta noção, Mbembe observa que em certos lugares as vidas são tratadas como se valessem menos ou não valessem nada – são o que ele denomina “mundos de morte”, como Paraisópolis. Nesses lugares, os homens e mulheres possuem o status de “mortos-vivos” pois são matáveis a qualquer momento, gerando um estado de terrorismo permanente entre eles. Esta situação é a necropolítica, e ela é coerente com a nova escravização das pessoas negras empreendida pelo capitalismo contemporâneo, ou, mais especificamente, pelo neoliberalismo.

Essas ações violentas buscam guarida em discursos preconceituosos e moralistas sobre a suposta balbúrdia causada pelos bailes funks – “um cancro que destrói a sociedade”, como definiu Doria três anos atrás. É fato que muitos moradores se incomodam com o barulho causado por esses bailes, entretanto, eles são reflexo da ausência de equipamentos públicos de cultura e lazer na periferia onde jovens possam se divertir sem incomodar os vizinhos. Além disso, há inúmeros bairros de classe média em São Paulo em que acontecem festas que perturbam a vizinhança mas nunca são atacados pela polícia como ocorreu Paraisópolis. Como disse o padrinho da vítima mais jovem, de apenas 14 anos, “se fosse em Higienópolis, o tratamento seria diferente”. Na verdade, a condenação moral e até criminalização dos bailes fazem parte de uma censura mais ampla exercida contra a cultura negra.

É fundamental que esta barbárie não seja ignorada, tratada como assunto menor relegado à vala do esquecimento. (Aliás, imaginem qual seria a repercussão se algo semelhante tivesse ocorrido em um bairro nobre de São Paulo – Doria teria reagido da mesma forma?) Por essa razão, o nosso mandato tomou as seguintes medidas jurídicas: Representação ao Ministério Público do Estado de São Paulo; Petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ofício ao Conselho Nacional de Direitos Humanos; e Ofício à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo solicitando o ingresso de familiares das vítimas no Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Porém, tão ou mais importante é que o conjunto da sociedade não se cale diante desta injustiça. Exigimos julgamento e punição aos responsáveis.

Artigo originalmente publicado no site da deputada Sâmia Bomfim.

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