O “novo normal Olímpico” e o legado esportivo em meio à pandemia

Sara Azevedo analisa os efeitos da pandemia sobre a realização das Olimpíadas.

Sara Azevedo 20 maio 2021, 17:21

O Barão de Coubertin – criador das olimpíadas modernas -, vendo sua grande invenção, deve ter pensado que havia conseguido mudar culturalmente o mundo. Mas, na verdade, construiu um novo espaço de manutenção do poder na era do capital.

Os Jogos Olímpicos nasceram com os princípios da provação humana, do mérito e da honra – com o objetivo da formação de uma moral específica – e, ainda, das disputas por territórios que sempre foram parte da colonização, exploração e opressão de toda humanidade, usando de algo tão naturalmente humano que é o esporte.

Desde de 1896, quando aconteceram os primeiros jogos da era moderna – que ocorrem de 4 em 4 anos -, apenas foram cancelados ou adiados 3 vezes (1916, 1940 e 1944), todas por conta de duas grandes guerras. Pela primeira vez, em 2020, teve seu adiamento por conta de uma pandemia. Portanto, a pandemia mundial de Covid-19, doença causada pelo coronavírus, mudou completamente as relações humanas e caiu como uma bomba no momento de crise do capital. As olimpíadas não ficariam de fora dessa crise. Espero com esse texto mostrar que a olimpíada que ocorrerá este ano será completamente diferente do que estamos acostumados.

O novo normal 

A decisão de adiar os jogos em 2020 foi coberta por polêmicas dentro do próprio comitê organizador com o COI (Comitê Olímpico Internacional) e as autoridades japonesas. Não seria por menos. A pressão de diversos países de não participar dos jogos fez com que a decisão fosse tomada. Esses jogos estavam sendo cotados para serem os mais lucrativos da história, atingindo em patrocínios a marca de U$3,1 bilhões. Hoje, já com o adiamento, a perspectiva é que impacte em 1,4% do PIB japonês, deixando os capitalistas mundiais em estado de alerta, portanto pressionando para que os jogos aconteçam, inclusive como medida para conter a já grave crise econômica mundial. O volume de negócios que envolve os jogos olímpicos é também o que faz das Olimpíadas o principal evento esportivo mundial. São números gigantescos. 204 países, 11 mil atletas. Tudo isso em meio a maior pandemia da história, o que deixa o povo japonês inseguro. O país possui uma população de 126 milhões de habitantes e somente cerca de 2% são vacinadas. Além disso, a insegurança aumenta por estarem vivenciando a 3ª onda da pandemia no país e Tóquio, cidade sede, decretou estado de emergência no dia 23 de abril, 3 meses antes da abertura dos jogos olímpicos, devido ao aumento de casos de Covid-19.

Nesse contexto pré-olímpico, são vários os eventos polêmicos. Osaka, uma das cidades sedes, vetou a passagem da tocha olímpica. A Coreia do Norte foi o primeiro país a anunciar a não participação nos jogos por medo da contaminação do coronavírus. A copa do mundo de saltos ornamentais, que seria realizada agora no Japão, e parte da seletiva olímpica foram cancelados numa disputa entre FINA (Federação Internacional de Desportos Aquáticos) e COI. O presidente do Comitê Olímpico Organizador e ex-primeiro-ministro japonês pediu renúncia do cargo, após muita pressão internacional, por falas machistas e sexistas. Nesta semana saíram pesquisas nos jornais japoneses em que mais de 80% dos japoneses são a favor do cancelamento ou adiamento das Olimpíadas.

Atletas não são máquinas. 

Para os atletas, o acontecimento dos jogos, passado mais de 1 ano de pandemia entre abertura e fechamento das cidades, quebra justamente o potencial de disputa, tendo em vista a desigualdade de condições de treinamento e proteção sanitária de cada país, além das sequelas físicas causadas pela contaminação, que colocam o mérito em xeque. As condições de segurança também não são adequadas, mesmo usando o sistema de bolha – onde atletas, jornalistas e comissões técnicas e organizadoras ficam restritas entre hotel, centro de treinamento e espaços de competição -, pois não está descartado o público assistir presencialmente, ainda que turistas internacionais estejam vedados. Exemplo de fragilidade desse sistema foi o recente playoff da Superliga de vôlei masculina e feminina brasileira, a partir do qual o presidente da CBV, Radamés Lattari, e o técnico da seleção masculina de vôlei, Renan dal Zotto, permanecem internados desde a contaminação de coronavírus ocorrida no CT do Vôlei, em Saquarema/RJ.

A vacinação dos atletas brasileiros, feita pelo COI, também se mostra imoral para um país que tem a sua população mais pobre morrendo nos hospitais ou em casa, além de ter cerca de 28% com insegurança alimentar.

Cancelar ou Adiar: uma necessidade humanitária

Shigeru Omi, principal assessor médico do governo japonês, questionou se a Olimpíada deveria acontecer.

“Estamos em um momento em que devemos discutir a realização do evento, tendo em conta a situação do aumento dos contágios e a pressão sobre o sistema de saúde, como fatores mais importantes. Meu alerta é que se pense em vários fatores”, disse Omi, em reunião do comitê de especialistas no parlamento japonês.

(Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/29/Quais-as-cr%C3%ADticas-%C3%A0-realiza%C3%A7%C3%A3o-da-Olimp%C3%ADada-na-pandemia © 2021 )

Com esse alerta da principal autoridade médica do Japão compreende-se o medo e a insegurança sanitária para a realização desses jogos.

A partir de tudo isso, não há outra saída que não o cancelamento ou novo adiamento dos jogos, e isso já está sendo dito e estampado nos jornais. Atletas mundiais e a população japonesa estão sendo colocadas em risco de uma nova transmissão do coronavírus por todo o mundo. Não é uma posição alarmante, pois as condições desses jogos são totalmente atípicos e, portanto, é necessário repensar práticas para que avancemos enquanto sociedade.

As vidas envolvidas não podem ser colocadas em risco. Esse é o principal legado que o esporte pode trazer para toda a humanidade.

Sara Azevedo, Professora de Educação Física da Rede Estadual de Minas Gerais, coordenadora nacional da TLS.

Referências:

1 – https://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/brasil-vai-vacinar-todos-os-atletas-para-olimpiadas-e-paralimpiadas-de-toquio-segundo-jornal.ghtml?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_content=Esporte&utm_campaign=globoesportecom

2- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/04/05/coreia-do-norte-nao-participara-dos-jogos-olimpicos-de-toquio-por-receio-do-coronavirus.ghtml

3- https://outline.com/WY2cuY

4- https://www.dw.com/pt-br/fome-no-brasil-cresce-e-supera-taxa-de-quando-bolsa-fam%C3%ADlia-foi-criado/a-57187014

5- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51711537

6- https://globoesporte.globo.com/rj/olimpiadas/noticia/olimpiadas-e-paralimpiadas-de-toquio-2020-sao-adiadas.ghtml

7- https://oglobo.globo.com/esportes/comite-olimpico-do-japao-diz-que-toquio-2020-sera-uma-edicao-mais-simples-por-causa-da-pandemia-do-coronavirus-24531399

8- https://brasil.elpais.com/esportes/2021-02-12/yoshiro-mori-presidente-do-comite-olimpico-de-toquio-renuncia-ao-cargo-apos-comentarios-sexistas.html

9- https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/29/Quais-as-cr%C3%ADticas-%C3%A0-realiza%C3%A7%C3%A3o-da-Olimp%C3%ADada-na-pandemia

10- https://www.olimpiadatododia.com.br/laguna-olimpico/319141-fina-crise-toquio-2020/

11-http://rededoesporte.gov.br/pt-br/noticias/comite-olimpico-internacional-e-governo-japones-decidem-adiar-os-jogos-de-toquio-2020

12- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/04/23/governo-do-japao-decreta-estado-de-emergencia-em-toquio-a-3-meses-dos-jogos-olimpicos.ghtml


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi