Michel Husson: um ativista que faz economia e um economista que se dedica à política

Michel Husson: um ativista que faz economia e um economista que se dedica à política

A morte de Michel Husson deixa um vazio no coração de muitos camaradas ao redor do mundo.

Eric Toussaint 21 jul 2021, 19:03

Michel Husson (1949-2021), que tinha uma sólida formação como economista, acompanhava de perto a evolução do sistema capitalista a fim de contribuir para sua derrubada e para a emancipação social.

Michel sempre afirmou claramente sua concordância com a teoria econômica elaborada por Marx e almejava contribuir para ela, olhando para o presente. Ele foi influenciado pelos trabalhos de Ernest Mandel (1923-1995), dirigente da Quarta Internacional e economista. Michel Husson dedicou-lhe vários artigos, o último dos quais foi escrito em 2020 durante a pandemia do coronavírus.

Michel Husson era um internacionalista. Nos anos 80, ele acompanhou de muito perto as lutas sociais e políticas na América Latina em geral e no México em particular, onde trabalhou entre 1985 e 1987. Este foi um momento da ascensão revolucionária na América Central (Nicarágua, El Salvador, Guatemala, …). Da sua experiência no México resultou um livro: La tourmente mexicaine (A Tormenta Mexicana), publicado em 1987. Este livro, disponível gratuitamente no site de Michel Husson http://hussonet.free.fr/tourmente1987.pdf, é uma boa introdução à história política e econômica do México desde o início do século 20. Michel Husson foi ativo na Quarta Internacional e em sua seção francesa, a Ligue Communiste Révolutionnaire. Naquela época, ele estava muito interessado na questão do Terceiro Mundo e com o companheiro e amigo Thomas Coutrot escreveu em 1993 um pequeno livro didático, Les destins du Tiers Monde (Os Destinos do Terceiro Mundo), que constitui uma boa introdução para compreender a situação econômica e social dos países do «Sul» em sua diversidade. Quando o CADTM, Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, criado em 1990 na Bélgica, começou a desenvolver atividades, Michel Husson imediatamente colaborou de forma ativa, participando de reuniões internacionais e fornecendo artigos para suas publicações. Ele enviava regularmente documentos que poderiam ser úteis para o trabalho e as atividades do CADTM.

Michel Husson também multiplicava as palestras de formação e as participações em seminários econômicos marxistas, notadamente no Instituto Internacional de Pesquisa e Treinamento sedeado em Amsterdã (veja o site do IIRF – IIRE: https://www.iire.org/es ).

A partir da segunda metade dos anos 90, Michel Husson publicou vários livros nos quais passou a analisar a evolução do sistema capitalista internacional: Misère du Capital (Miséria do Capital), uma crítica do neoliberalismo (1996); Six milliards sur la planète: sommes-nous trop? (Seis Bilhões no Planeta: Gente dMais?) (2000); Le grand bluff capitaliste (Grande Blefe Capitalista) (2001); Un pur capitalisme (2008). Em 2012, ele também publicou Le capitalisme en 10 leçons (O Capitalismo em 10 Lições), pequeno curso de economia heterodoxa ilustrado pelo chargista Charb.

Desde o início apoiou a criação da ATTAC (Ação Cidadã para a Justiça Fiscal, Social e Ecológica) em 1998 e se tornou membro de seu conselho científico. A partir de 2001, ele participou da dinâmica do Fórum Social Mundial e do Fórum Social Europeu. Ele também participa na América Latina das atividades da Sociedade Latino-Americana de Economia Política (SEPLA), criada em 2005 no México. Ele e eu, juntamente com Gérard Duménil, fomos convidados para a criação da SEPLA e participamos regularmente dos colóquios que ela organizou em diferentes países do continente.

Em março de 2008, quando Haiman El Troudi, ministro de Planejamento Econômico do governo de Hugo Chávez, me pediu para fazer recomendações sobre política econômica, organizei um seminário em Caracas com Michael Lebowitz, no qual Michel concordou em participar. O seminário durou quatro dias durante os quais ouvimos toda uma série de relatos em primeira mão sobre o estado real da economia e a partir dos quais tentamos elaborar propostas para uma mudança de política. Era necessária uma mudança que teria envolvido uma participação muito maior dos trabalhadores, particularmente através da prática do controle operário. Também era preciso aumentar os salários, melhorar a habitação, auditar a dívida, fortalecer o setor público, fazer melhorias substanciais na política agrária e na política energética e acelerar o lançamento do Banco do Sul. Além de Michel Husson, participaram deste seminário camaradas como Claudio Katz, Eduardo Lucita e Jorge Marchini da Argentina, Daniel Libreros da Colômbia, Orlando Caputo do Chile, Marc Weisbrot dos Estados Unidos. No final, nossas recomendações não foram levadas em conta.

Michel Husson colocou sua capacidade de análise e defesa a serviço de grandes batalhas como a luta contra as dívidas ilegítimas (ver abaixo) ou a luta por uma redução generalizada do tempo de trabalho para combater o desemprego. Sobre a questão da redução do tempo de trabalho, ele publicou vários livros, folhetos e dezenas de artigos, e participou de numerosas manifestações na França e no exterior nos anos 90. Ele foi ativo em coalizões internacionais como as Marchas Europeias contra o Desemprego, e na França participou da fundação da Agir ensemble contre le chômage (Atuar Juntos Contra o Desemprego).

A participação de Michel Husson na luta contra as dívidas ilegítimas

A partir de 1989, Michel Husson participou da campanha para o cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, em particular, apoiando ativamente o coletivo que tinha lançado o Apelo da Bastilha para o cancelamento da dívida do Terceiro Mundo e tinha organizado uma contra-cimeira à reunião do G7 realizada em Paris por François Mitterrand para o bicentenário da Revolução Francesa. Foi na esteira disto que ele foi muito ativo ao lado do CADTM. Após a crise de 2008, Michel Husson se envolveu nos CAC (coletivos de auditoria cidadã da dívida), lançados em 2011 por iniciativa da ATTAC e CADTM na França, com o apoio de numerosas organizações. Ele fez uma contribuição fundamental para a elaboração do estudo do CAC sobre a dívida pública da França: Que faire de la dette? Un audit de la dette publique de la France (Que Fazer com a Dívida? Uma Auditoria da Dívida Pública da França). O relatório estabeleceu que 59 % da dívida pública é ilegítima.

Em 2015, quando a presidente do Parlamento grego criou a Comissão para a Verdade sobre a Dívida, que eu tive a oportunidade de liderar como coordenador científico, Michel Husson concordou em participar. Como os outros 11 especialistas estrangeiros e a dúzia de gregos que eram membros desta comissão, ele o fez numa base completamente voluntária. Durante três meses, entre o início de abril e o final de junho de 2015, ele viajou regularmente a Atenas para participar dos trabalhos da Comissão. Na verdade, não foi fácil convencê-lo a ser um membro porque ele me disse que podia participar perfeitamente de fora e à distância. Tive que insistir muito, dizendo a ele que sua participação direta nas discussões coletivas seria um fator de sucesso e qualidade. Uma vez que decidiu aceitar ser membro, ele se tornou um dos membros mais ativos. Estou certo de que esta foi uma de suas melhores experiências de trabalho coletivo naquela época. Ele me disse isso depois. Embora ele tivesse ficado bastante sombrio e desapontado com os desenvolvimentos políticos na França, encontrou um verdadeiro gosto em participar dos trabalhos da Comissão na Grécia. Sua alegria e humor poderiam testemunhar isso, especialmente quando Zoe Kostantopoulou, na época presidente do Parlamento grego, o convidou para dizer algumas palavras de introdução na tribuna de uma sala de reuniões do Parlamento grego, e ele começou seu discurso em inglês com um pequeno sorriso, informando a plateia que seu domínio do inglês era tão odioso quanto a dívida grega. Michel Husson participou da elaboração do relatório do comitê que recomendou ao governo grego que parasse o pagamento de toda a dívida exigida pela Troika (ou seja, 85 % da dívida grega), porque a consideramos odiosa, ilegal, ilegítima e insustentável. Ele estava presente no parlamento grego quando apresentei este relatório ao parlamento e ao governo grego nos dias 17 e 18 de junho de 2015. Quando o governo finalmente capitulou para a Troika no início de julho de 2015, o primeiro-ministro decidiu encerrar os trabalhos do comitê, apesar da oposição da presidente do Parlamento. Quando nos encontramos novamente em Atenas, em setembro de 2015, a convite da presidente do Parlamento grego e apesar da oposição de Alexis Tsipras, Michel escreveu parte do relatório adicional que a Comissão adotou e ele foi um dos relatores no Parlamento. Se você assistir ao vídeo de seu discurso, verá que ele começa com ironia, mas passa rapidamente a uma análise muito rigorosa.

Nos últimos anos, Michel Husson continuou seu trabalho como crítico da economia política, principalmente colaborando com o site A l’Encontre. Em muitos de seus artigos, há toques de humor que refletem uma parte de sua personalidade, notadamente seu desejo de expor os tartufos e enroladores que se escondem atrás da «ciência econômica». Deve-se ler ou reler, por exemplo, o artigo intitulado: «Quando você lê um artigo acadêmico, há uma chance 50/50 de que ele não seja digno de confiança!»

Uma ilustração final de seu pensamento rigoroso é fornecida pelo seu livro de 2020, em coautoria com Alain Bihr, Thomas Piketty: Une critique illusoire du capital (Thomas Piketty: Uma Critica Ilusória do Capital), no qual os dois autores demonstram a relevância e necessidade de uma crítica radical do capitalismo, mas também das pseudocríticas enganosas.

Em um de seus últimos artigos intitulado Biden: miracle ou mirage? (Biden: milagre ou miragem?) Michel Husson questiona o alcance real das políticas econômicas e sociais de Joe Biden. Uma leitura revigorante.

Tradução: Alain Geffrouais


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