Ataques violentos contra escolas: fenômeno isolado ou método político? 

Ataques violentos contra escolas: fenômeno isolado ou método político? 

O mais recente ataque em Blumenau pode traduzir a violência nas escolas como um método da política.

Helder Porto Oliveira 7 abr 2023, 11:27

“Papai, por quê tem um guarda na porta da escola?”

Minha filha, cinco anos, fez essa pergunta na noite de 04/03, antes de adormecer. Eu não soube responder a pergunta dela, conceitualmente não faz sentido ter uma figura de repressão dentro de um espaço educacional.

Hoje, 05/04, logo pela manhã, vem a notícia de mais um ataque criminoso a uma escola, desta vez em Blumenau – SC. Nas redes sociais, pânico e preocupação. Os ataques às escolas têm assumido caráter sistemático, deixando de ser um fato isolado para pertencer ao pavor cotidiano da sociedade brasileira.

Desde 2011, segundo o G1, contabilizou-se 12 ataques contra escolas da rede básica e instituições de educação infantil. O número é ainda mais preocupante quando recortamos a partir de 2019: 11 casos de ataques criminosos em escolas. A preocupação se torna evidente, um fenômeno isolado pode acabar se tornando um método político.

Nesta perspectiva, é importante buscar analisar o processo na totalidade, os alarmantes números de violência nas escolas não são fatos isolados. Dados que circundam a questão podem ajudar na reflexão.

Primeiro, a relação entre violência e suicídio. De 2011 pra cá, em torno de 20% dos ataques contra escolas terminaram com suicídio do(s) autor(es), número suficiente para permitir uma relação entre os fatos. O sociólogo Émile Durkheim, em seu livro “O Suicídio – estudo da Sociologia” abordou a questão do suicídio como fato social, cujo cada sociedade estava predisposta a fornecer um número determinado de mortes voluntárias. Para ele, o que interessa é observar e analisar o processo e fatores sociais que agem não sobre um indivíduo isoladamente, mas sobre o conjunto da sociedade e as condições sociais determinadas que podem impulsionar números de suicídios dentro de um período histórico estipulado. Na obra, Durkheim caracterizou tipos de suicídios, um deles o suicídio anômico, decorrente de uma anomia social, quando as regras sociais estabelecidas já contradizem com a vida real da sociedade, como em uma crise econômica ou social, por exemplo.

Karl Marx em “Sobre o Suicídio”, obra conjunta com Jacques Peuchet, estabelece uma análise sob o prisma de que a ação suicida é sintoma de uma sociedade burguesa, doente, que necessita de uma transformação radical. Na obra, baseada em exemplos suicidas oriundos dos arquivos da polícia francesa, na qual Peuchet era diretor, esta explicita uma crítica contundente contra a sociedade moderna e suas formas de produção e reprodução, uma crítica social que compreende que o privado é político.

Tanto Durkheim, quanto Marx, ainda que analisando o suicídio sob bases antagônicas, auxiliam na explicação do fenômeno recorrente que estamos enfrentando no Brasil. Não é mera coincidência que uma porcentagem significativa dos ataques de violência nas escolas terminem em suicídio. O Brasil vive uma crise sistêmica e contínua desde a crise econômica de 2008 e se aprofundou de forma contundente a partir do golpe parlamentar de 2016, que, de forma ilegítima, derrubou do cargo a ex Presidenta Dilma Rousseff. A partir disso, vivemos um governo golpista de Michel Temer, seguido imediatamente por um governo de caráter fascista de Jair Bolsonaro, atravessado por uma pandemia que matou dezenas milhões de pessoas no mundo, centenas de milhares no Brasil, e, recentemente, uma tentativa desesperada da extrema direita de novo golpe Palaciano, agora contra o recém Presidente eleito, Lula.

A situação da conjuntura brasileira nos últimos anos aprofundou a crise social, política e econômica que vivenciamos e polarizou o país. O governo golpista de Temer e o governo conservador e ultraliberal de Bolsonaro desmontaram as políticas sociais e condenaram centenas de milhares à vulnerabilidade social, com consequente exponencial aumento da fome e da miséria.

Neste cenário, aparece a possibilidade de desenvolver a violência como política. O assassinato de Marielle Franco é a expressão mais evidente disso. Por conseguinte, um governo que baseou a sua plataforma na violência, difamação, ódio e mentiras, tendo os diferentes como alvo e as armas como forma, inclusive facilitando e incentivando o acesso às mesmas.

Segundo, o caráter íntimo e temporal dos ataques. Importante notar que a grande maioria dos ataques contra as escolas desde 2011 é executado por alunos ou ex-alunos e todos por homens jovens. Quase a totalidade dos ataques, 11, foi executada a partir de 2019, já sob a égide trágica do Governo Bolsonaro. Metade dos ataques, 6, ocorreram entre o período de 2012-2023. Destes, 4 em 2022, auge do cenário da polarização política brasileira com as eleições presidenciais do último ano. Neste escopo, por exemplo, grupos secretos neonazistas cresceram 270% nos últimos três anos e disseminam-se grupos de ódio por aplicativos de mensagens, a temporalidade dos casos não é mera coincidência. Os dados são categóricos: a extrema direita utiliza a violência como método.

Ataques contra escolas também possuem significado simbólico. A educação é cerne da disputa de sociedade e expressa as contradições da conjuntura. Nos últimos anos o conhecimento científico constantemente se choca com as crescentes teorias negacionistas, gerando disputas e violências também no ambiente escolar, visto que a escola é a forma material do processo educativo e espaço permanente de disputas ideológicas. Como forma de expressão da sociedade, também é um ambiente em que se materializa o machismo, lgbtqifobia, misoginia, racismo e Bullying. Não é acaso que os autores dos ataques são homens e a grande maioria das vítimas são mulheres, expressão direta do machismo estrutural e das posições machistas e misóginas do governo Bolsonaro .

Além disso, com rápida pesquisa, se verifica que não são poucas as ameaças de ataques contra as escolas em diversos municípios do país. Grande parte, felizmente, não se concretizam, portanto não aparecem como notícias nacionais, mas as ameaças são reais e já estão presentes no imaginário da sociedade brasileira que teme mais ataques.

Também é importante discutir como abordar o tema. No que concerne ao suicídio, existe o debate de que a não veiculação do ato suicida é o caminho mais adequado para evitar encorajar novos atos suicidas. Há discussões semelhantes quando se trata de ataques contra escolas. De fato, parece imperativo que notícias sensacionalistas contribuam de fato para catalisar novos atos criminosos. Ao mesmo tempo, voltando a relacionar com as teorias do suicídio, enquanto o suicídio anômico, de Durkheim, corresponde a uma ação individual que reage a uma situação social, o ataque contra as escolas, como demonstra os números expostos aqui, é uma ação individual estimulada pela situação social, relacionando-se com “o privado é político” da obra de Marx. Assim, parece necessário que a sociedade se confronte com o problema de forma mais profunda, compreendendo o fenômeno como sintoma de um sistema político desigual e excludente, aprofundado no último período por ampla propagação, inclusive governamental, do negacionismo, do ódio e das armas.

Sobre o questionamento de minha filha, explicitado nas primeiras linhas, ainda não sei responder. Uma figura repressiva, com intuito de “manter a ordem” parece garantir a segurança das crianças e jovens frente a tantos casos de violência nas escolas. No entanto, essa medida não faz sentido quando verificamos que a quase totalidade dos casos é executada por integrantes da própria comunidade escolar. Assim, a ação imediata é evitar novos casos, já que a questão parece não ser mais se haverá novos casos, mas quando. Precisamos de medidas além do ambiente escolar, é necessário que o país enfrente seus problemas de ordem estrutural, fortaleça as políticas sociais, busque o desarmamento da população civil, criação de redes de inteligência para monitoramento e responsabilização criminal de grupos extremistas e o combate sistemático ao ódio, promovendo a cultura da paz. Em outras palavras, precisamos desbolsonarizar o país. 


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